A tempestade que atingiu o Rio de Janeiro na noite desta quarta-feira (6) deixou ao menos seis mortos. A chuva fortíssima, acompanhada de ventania, causou apagões, derrubou árvores, alagou vias e fechou a Avenida Niemeyer, onde uma encosta deslizou sobre um ônibus. Duas pessoas morreram no local. Em outro ponto da avenida, mais um trecho da ciclovia Tim Maia desabou.
As outras mortes, além das do ônibus, foram na Rocinha e no Vidigal, na Zona Sul, e na Barra de Guaratiba, na Zona Oeste. Na Rocinha e em Guaratiba, houve deslizamentos. No Vidigal, um muro caiu.
O ônibus soterrado na Avenida Niemeyer foi retirado por volta das 15h desta quinta, com a parte dianteira destruída. Duas retroescavadeiras foram usadas nos trabalhos, que duraram 14 horas. O veículo ia do Centro para Campo Grande, na Zona Oeste. O motorista conseguiu se salvar.
Bombeiros trabalham para liberar ônibus soterrado na Avenida Niemeyer — Foto: Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo
Esmagado pelo deslizamento, ônibus foi retirado após a retirada de dois corpos — Foto: Daniel Castelo Branco/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
Em entrevista coletiva no fim da tarde, o prefeito Marcelo Crivella afirmou que as encostas na Avenida Niemeyer estão sob monitoramento com helicópteros e drones. Ele disse ainda que, apesar dos alertas que foram feitos à população, a extensão da tragédia não era prevista: “Tempestade que não se via há tempos”.
O secretário municipal da Casa Civil, Paulo Messina, afirmou que houve 186 quedas de árvore. A cidade teve ainda quatro deslizamentos, oito quedas de postes e 26 alagamentos.
A previsão do tempo indica que a chuva deve diminuir nos próximos dias. Veja no vídeo abaixo:
Veja a previsão do tempo para o Rio de Janeiro
Lama e lixo
Na Rocinha, onde a chuva caiu forte, a quarta-feira foi de muito trabalho para moradores. Eles passaram o dia tentando limpar a sujeira. Alguns perderam quase tudo o que tinham. Um deles diz ter tirado mais de 100 sacos com lama de dentro de casa.
Mulher remove sujeira acumulada após tempestade em via da Rocinha, no Rio de Janeiro — Foto: Mauro Pimentel/AFP
“De repente, o muro caiu e um mar de lama, parecia um tsunami de lama… E em coisa de cinco minutos, a água subiu um metro e meio e eu só consegui tirar a minha esposa, as minhas duas filhas e o meu cachorro. Perdi tudo”, disse um morador entrevistado pelo RJ2.
Moradores da Rocinha passam o dia tirando lama das casas
Na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, uma família conseguiu escapar da enxurrada pulando a janela, mas perdeu boa parte dos móveis e eletrodomésticos. Eles haviam se mudado para a casa há apenas três meses.
“Eu não paguei nem a primeira parcela das coisas. Perdi tudo. Não sobrou nada. Nem geladeira, nem fogão, nem máquina de lavar, sofá… Eu tava com a minha filhinha de oito anos, o meu marido, e a gente conseguiu sair pela janela porque a porta não abria devido à água”, contou Fernanda.
Moradora da Zona Oeste do Rio diz que escapou de enxurrada pela janela de casa
Também na Barra da Tijuca, a água invadiu o estacionamento de uma delegacia e arrastou viaturas da polícia. Dois carros foram parar em um córrego ao lado. Quando a água baixou, sobrou a lama.
Barra da Tijuca fica coberta de sujeira e lama horas após forte chuva no Rio de Janeiro
No Vidigal, moradores viveram momentos de terror. “Me lembrei do que aconteceu em Brumadinho”, contou o fotógrafo Felipe Paiva, que teve a casa destruída.
“Eu estava saindo da cozinha arrastando as coisas porque a janela tinha sido destruída pelo vento e estava sendo invadida pela água. De repente, vi um clarão enorme e corri para a sala. Foi quando a casa desabou e eu fui parar no quarto. Os escombros caíram em cima de mim. Uma viga ou uma telha que impediu de eu ser totalmente soterrado”, afirmou.
Sem conseguir se mover devido ao peso dos escombros, Felipe gritou por socorro até que um vizinho o ouviu e conseguiu resgatá-lo.
Em São Conrado, na Zona Sul, cerca de 400 turistas foram retirados do Hotel Sheraton após passarem a madrugada e parte do dia sem energia e ilhados devido à interdição da Avenida Niemeyer. A recepção do hotel havia sido tomada pela água durante a noite.
Temporal no Rio: turistas deixam hotel na Avenida Niemeyer e relatam drama
Mortes
Na Barra de Guaratiba, mãe e filho morreram quando a casa da família desabou. Isabel Martins da Paes, de 56 anos, e Mauro Ribeiro da Paes, de 32, foram soterrados quando a lama desceu pela encosta onde o imóvel fica, na Estrada da Vendinha. Aureo da Paes, marido de Isabel, e Arthur Ribeiro da Paes, irmão de Mauro, ficaram feridos.
Mauro e Isabel morreram em deslizamento em Guaratiba; Aureo e Arthur saíram feridos — Foto: Redes sociai“Não deu para a gente socorrer. Não deu pra fazer mais do que eu pude”, diz Ari da Paz, parente das vítimas que também viu a própria casa ser invadida pela lama. Ele contou que, por volta das 21h50, ouviu um estalo e saiu correndo de casa para procurar abrigo. Foi então que percebeu os parentes em apuros no lamaçal.
“Foi tão rápido, só quem vive sabe o drama. Eu e meu outro irmão – e duas boas almas que apareceram na hora, que nos ajudaram, que fizeram mais do que eu fiz. Perdemos. E a perda fica só no nosso coração. E lamentar”, diz.
Durante a tarde, moradores de 5 casas interditadas em Barra de Guaratiba foram retirados do local. Eles tiveram que sair às pressas, levando em sacolas alguns pertences.
Alguns moradores de Barra de Guaratiba estão com casas interditas com alerta da chuva
Na Avenida Niemeyer, as vítimas foram identificadas como Tamires Alves dos Santos e Mário Salles de Lucena.
Na Rocinha, uma mulher identificada como Adriana dos Santos foi soterrada após deslizamento e sofreu uma parada cardíaca. Ela chegou a ser levada para o Hospital Miguel Couto, na Gávea, mas não resistiu.
No Vidigal, uma mulher morreu após ser atingida por um muro.
Em entrevista no fim da tarde, a secretária municipal de Saúde, Bia Busch, disse que quatro pessoas feridas permanecem internadas.
Ciclovia Tim Maia
Uma parte da ciclovia Tim Maia caiu bem perto de onde outro trecho desabou em 2016, logo após a inauguração. Naquela ocasião, duas pessoas morreram. A ciclovia já estava interditada.
Novo trecho da ciclovia Tima Maia desabou — Foto: REUTERS/Sergio Moraes
Segundo Crivella, o novo desabamento foi provocado por uma árvore que caiu do morro, arrastando terra. A queda anterior havia sido causada por uma onda.
O prefeito afirmou que o deslizamento de “centenas de metros cúbicos” de terra empurrou uma tubulação da Cedae, que derrubou a ciclovia. Crivella disse que os estudos que a prefeitura tinha feito de esforços de “cima para baixo” e “de baixo para cima” e que não contava com o deslocamento lateral de terra.
Angra dos Reis
O temporal da noite passada em Angra dos Reis, na Costa Verde, provocou queda de árvores em vários pontos da cidade. Durante a chuva, a equipe da Defesa Civil retirou 11 árvores que causavam riscos de cair sobre residências. Nenhum caso mais grave foi registrado durante a forte chuva das últimas horas.
A Defesa Civil informou que todas as ferramentas de comunicação foram utilizadas: SMS, as sirenes para alertar os moradores de áreas de risco, os institutos meteorológicos e as redes sociais. A Defesa Civil já fez 62 visitas de engenharia, que resultaram na interdição de seis residências em diferentes bairros e de uma rua no Parque Mambucaba, devido ao afundamento da pista.
Os moradores devem ficar atentos para a chuva em Angra para hoje. A previsão da Meteorologia é de tempo nublado a encoberto, com possibilidade de chuva a qualquer hora do dia. A recomendação é que os moradores de áreas próximas a rios, redobrem a atenção. Qualquer anormalidade devem ligar para a Defesa Civil pelos números 199 ou (24) 3365-4588.
Mangaratiba
O prefeito de Mangaratiba, também na Costa Verde, Alan Campos da Costa visitou hoje o Centro de Operações da Defesa Civil, na Praia do Saco, acompanhado do secretário adjunto da pasta, major do Corpo de Bombeiros, Eduardo Carvalho. É de lá que os agentes do órgão conseguem monitorar, por meio dos instrumentos on-line, a quantidade de chuva de cada localidade e assim, saber como proceder em cada situação. As sirenes e as mensagens, tanto do grupo de whatsApp ou SMS, são disparadas da sede do órgão.
Segundo o prefeito, é importante que as pessoas sigam as instruções da Defesa Civil. “Ao receber as orientações é necessário que as famílias que residem nessas áreas de risco saiam das suas casas. Não se esqueçam: o importante é salvar a sua vida”, avaliou Alan Costa.
Região Serrana
A Secretaria de Defesa Civil e Ações Voluntárias de Petrópolis informou agora à tarde que interditou três imóveis no bairro Alto Independência, em virtude do afundamento da via causado pela chuva da madrugada de hoje no município. Os técnicos também solicitaram que a Secretaria de Obras faça uma canaleta para que a água da chuva não escorra para o local do deslizamento.
Sete pessoas estão desalojadas e foram orientadas a permanecer na casa de parentes. Uma equipe da Secretaria de Assistência Social foi ao local cadastrar as famílias e prestar os atendimentos necessários.
Uma das vítimas do acidente com o ônibus na Avenida Niemeyer já foi identificada
Prefeito e governador falam
O governador do RJ, Wilson Witzel, afirmou em entrevista que “é preciso ter um plano diretor da cidade para tirar as pessoas da área de alto risco”. Witzel criticou o que chamou de “ocupação desordenada”.
Witzel disse que há cerca de 80 mil famílias em situação de risco, de acordo com levantamento da Defesa Civil. O governador culpou as prefeituras passadas pelo o que chamou de “abandono”.
“O abandono não é de 2016 para cá, é de décadas. Pouco se fez para evitar que essas construções irregulares avançassem. O que assistimos foram décadas de abandono. Nos últimos anos se preocupou em gastar rios de dinheiro, pra favorecer especialmente a corrupção, e a população ficou desassistida”, afirmou.