Sargento Manoel Silva Rodrigues foi preso na Espanha ao ser flagrado com 39 kg da droga. Ele foi o único indiciado até agora, e sua defesa diz que um crime desses não poderia ser feito por uma única pessoa.
Teve acesso exclusivo à investigação da Aeronáutica que apontou que o sargento Manoel Silva Rodrigues, preso na Espanha em junho com 39 kg de cocaína, entrou no avião ainda desligado e não passou a bagagem pelos procedimentos de segurança previstos. O militar estava na comitiva presidencial que levava o presidente Jair Bolsonaro – que estava em outra aeronave – ao encontro do G20 no Japão.
O inquérito apontou que o sargento Silva Rodrigues:
- entrou na aeronave ainda desligada três horas antes do voo, o que chamou atenção dos colegas;
- colocou a mala com a droga no fundo do avião;
- disse a colegas que levava apenas uma mochila e um porta-terno;
- ao pousar em Sevilha, pegou a mala e afirmou a uma testemunha que levava apenas “doce e queijo para uma prima.
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Além disso, segundo o relatório, não consta que os militares tenham passado por raio-x ou revista nas bagagens antes do embarque. Apenas alguns deles tiveram de pesar a bagagem, e de maneira informal – de acordo com o inquérito, Silva Rodrigues não passou por esse procedimento.
Somente em Sevilha – a segunda escala da comitiva após uma parada técnica em Cabo Verde –, o militar precisou submeter a bagagem a um raio-x, que detectou presença de material orgânico na mala. Questionado, o sargento voltou a afirmar que levava queijo a uma prima que morava na Espanha.
Quando as autoridades espanholas detectaram a presença de cocaína, Silva Rodrigues ficou em choque e não disse mais nada no local. Apenas depois, já à Justiça, o militar brasileiro afirmou que não sabia que havia cocaína na bagagem.
Também apurou que Silva Rodrigues fez ao menos 30 viagens nacionais e internacionais pela Força Aérea Brasileira nos últimos cinco anos e transportou, além de Bolsonaro, os ex-presidentes Michel Temer e Dilma Rousseff.
Neste ano, o sargento esteve duas vezes na Espanha, em Las Palmas e em Madrid. De acordo com militares que viajaram com eles, não houve nessas ocasiões controle de raio-x no desembarque nos aeroportos espanhóis.
O incidente levou a comitiva a transferir a escala do avião de Bolsonaro, que chegaria depois, de Sevilha a Lisboa.
O Procuraram a Aeronáutica e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para comentar o assunto. O GSI informou que a segurança do voo em que estava o sargento Manoel Silva Rodrigues era uma responsabilidade da Força Aérea Brasileira (FAB), e que a responsabilidade do GSI está restrita aos voos do presidente e vice-presidente, cujos protocolos de segurança “seguem perfeitamente adequados”.
- Bolsonaro diz que exigiu investigação e punição a sargento
O Ministério da Defesa disse que aprimorou os procedimentos de segurança na base aérea de Brasília. A pasta afirmou que a Força Aérea Brasileira conta com 70 mil profissionais e que atua firmemente para coibir irregularidades, e que casos isolados não representam o trabalho diário da FAB para realizar a manutenção da soberania nacional.
Busca e apreensão
Em mandado de busca e apreensão no apartamento onde o sargento vivia, em Brasília, os investigadores encontraram uma coleção de relógios, um celular no valor de R$ 7 mil e eletrodomésticos caros – alguns ainda lacrados. A investigação também descobriu que o militar comprou, em dinheiro, uma motocicleta no valor de R$ 34 mil.
O inquérito apura se os bens encontrados estão compatíveis com o salário de Silva Rodrigues, de R$ 7,2 mil. A defesa do sargento diz que, com as diárias de viagem, a renda pode chegar a R$ 14 mil por mês.
Além disso, cães farejadores apontaram indícios de presença de drogas no armário do militar na Base Aérea. Ali, os investigadores também encontraram um mapa das câmeras de segurança do hangar que abriga os aviões presidenciais.
Outro militar investigado
O inquérito também revela que outro militar, o tenente-coronel Alexandre Augusto Piovesan, passou a ser considerado investigado – e não mais testemunha. Isso porque a quebra do sigilo telefônico da mulher do sargento Silva Rodrigues mostra que os dois mantinham contato frequente.
As conversas mostram ainda que Piovesan trazia “coisas” – sem especificar quais – do exterior para serem vendidas aqui. Além disso, no dia da prisão de Silva Rodrigues, o tenente-coronel se encontrou com a esposa do sargento.
Em um primeiro depoimento, como testemunha, Piovesan teria mentido ao negar relações além do trabalho com o sargento Silva Rodrigues.
Porém, investigadores encontraram celulares, computadores e itens importados no apartamento do tenente-coronel. Ao se defender, Piovesan disse que não respondeu de forma adequada ao primeiro depoimento porque ficou em pânico.
O tenente-coronel também admitiu que emprestou dinheiro e comprou mercadorias no exterior para Silva Rodrigues. Ele também confessou ter apagado as mensagens enviadas ao sargento após a prisão “porque ficou decepcionado” com o militar.
Nove dias após o primeiro depoimento, Piovesan foi dispensado do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), onde atuava.
O inquérito concluiu que Piovesan não participou do crime de tráfico de drogas. Ainda assim, as informações do relatório foram enviadas ao comando da Aeronáutica para possível apuração disciplinar.
O GSI afirmou ainda que a indicação e a posterior substituição do tenente-coronel Alexandre Piovesan para a função de assessor militar do gabinete foram feitas pela FAB.
O Tentaram contato com o tenente-coronel Alexandre Piovesan, mas não teve resposta.
O sargento Manoel Silva Rodrigues foi o único indiciado no inquérito policial-militar pelo crime de tráfico.
“Ainda que fosse o caso de ele ter feito isso, isso não poderia ser feito por uma única pessoa, e sim por um grupo um grupo muito grande. Traz uma preocupação muito grande de que se realmente não houve uma armação”, disse o advogado Carlos Alexandre Klomfahs, que representa o sargento.
Para a defesa no Brasil, a investigação não prova que o sargento seja um traficante internacional.
“Ele ama o trabalho que ele faz. É uma posição de confiança que estava gozando. Eu acho muito difícil de ele abrir mão em função de um crime que, se pego, poderia trazer todas essas consequências”, afirmou o advogado.
O advogado também pediu à Justiça Militar o trancamento do inquérito. Cita uma decisão do STF segundo a qual o mesmo crime não pode ser investigado duas vezes, no caso, no Brasil e na Espanha.