Um homem está preso desde o dia 23 de novembro por ter chamado um carro de aplicativo para dois homens. A família diz que eles se diziam perdidos e pediram ajuda para conseguir voltar para casa. Na corrida, o motorista foi vítima de roubo pelos dois passageiros e o caso foi registrado na 35ª DP (Campo Grande). Pedreiro e pintor, Vitor Martins da Cunha, 34, autor do pedido da corrida, foi o único preso, acusado de participação no crime.
A família conta que Vitor estava no portão da casa do tio, na região conhecida como Corcudinha, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, quando por volta de 1h30 do sábado, 23 de novembro, uma dupla de homens lhe pediu ajuda para voltar para casa. Eles diziam estar com dificuldades para pedir um carro por aplicativo para que pudessem, supostamente, voltar para Sepetiba, Zona Oeste do Rio. A princípio, Vitor se ofereceu para rotear internet para o aparelho dos rapazes. Não funcionou, alegaram. A dupla então, pediu que Vitor chamasse um carro de seu próprio aplicativo para pagamento em dinheiro. O pedido foi acatado.
Vitor foi dormir e na manhã daquele sábado, preso. Enquanto está no Presídio Thiago Teles, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, a família se esforça para recolher provas de que Vitor foi alvo de um golpe.
Imagens de câmeras de segurança foram recolhidas para mostrar que os suspeitos chegaram sozinhos à rua em que Vitor foi abordado. Para a filha de nove anos do casal, a família disse que o pai viajou a trabalho, na expectativa de que ele volte em breve para casa e responda ao processo em liberdade.
“Se para a gente que é adulto já é difícil lidar com isso— estamos despedaçados — , imagina para uma criança. Decidimos preservá-la”, conta Caroline Sobrinho Souto, 30, professora de português e espanhol e esposa de Vitor.
Além das câmeras de segurança, a família recolhe declarações de empregadores. Vitor tem cadastro ativo de Microempreendedor Individual (MEI) desde 2016. Ele coordenava uma obra há um mês e meio com uma equipe de pelo menos dois ajudantes em Inhoaíba, Zona Oeste do Rio, interrompida pela prisão.
“As coisas do Vitor estão lá no terreno aguardando por ele. Ele construiu toda a fundação e ia começar a levantar as paredes de duas lojas que encomendei a ele”, conta Jorge Luiz Silva, 43 anos, atual empregador de Vitor.
O bombeiro hidráulico e dono do terreno em Inhoaíba conta que recebeu com surpresa a notícia da prisão. “O Vitor estava mandando bem demais. A obra, adiantada. Ele não fez isso não (participar do crime). Dois dias antes da prisão, foi o aniversário dele e ele me pediu um pagamento adiantado para comemorar, foi o que aconteceu. Ele recebeu na quinta, trabalhou na sexta e foi preso no sábado”, conta Jorge.
O empregador acredita na inocência do prestador de serviço. ” Não acredito que um cara que ralava no sol como ele ralava iria se envolver (com o crime). Depois, eu fiquei sabendo de outros casos como o dele. A pessoa pede o carro por aplicativo e paga o pato”, lamenta.
A família também aguarda uma declaração de prestação de serviço pelo supermercado Rede Economia, onde Vitor trabalhou na área de manutenção durante o ano passado, na unidade da Estrada das Agulhas Negras, em Campo Grande.
A expectativa da família, é de que Vitor possa responder em liberdade até o início do ano que vem. A defesa entrou com um pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio no dia 25 de novembro. “Ele é trabalhador, responsável e muito bom de coração. Quando alguém precisa de ajuda, ele sempre tem uma sacada para ajudar. Ser preso nessa situação é fogo, estamos inconformados”, diz a companheira.
Para o professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Ibmec Taiguara Líbano Soares, os indícios apresentados pela acusação são insuficientes para fundamentar a prisão. Para incriminá-lo, defende, seria necessário comprovar que o pedreiro tinha uma relação com os criminosos.
“É muito fácil o juiz pedir de ofício para se obter o registro de câmeras de segurança. É lamentável que a família que tenha que mostrar que o ente querido não é culpado”, diz.Taiguara Soares explica que Vitor Martins da Cunha até poderia ser considerado suspeito, mas que não há provas que justifiquem a aplicação da medida cautelar mais grave do processo penal: a prisão preventiva.
“Ele não tem antecedentes criminais, tem residência fixa, tem renda obtida de trabalho honesto, tem uma filha. Não há risco em concreto à sociedade, ou de fuga, que justifique sua prisão. Esta é uma prisão injusta: mais um caso da banalização da prisão provisória. A Constituição prevê a prisão preventiva, mas como uma exceção”, critica.
Em nota, o Tribunal de Justiça do Rio informou que se manifesta apenas através das sentenças e decisões. “A defesa do réu entrou com um habeas corpus, agora é preciso esperar a decisão dos desembargadores a respeito da prisão”, diz o tribunal. Já a Polícia Civil e o Ministério Público não retornaram à reportagem.
A plataforma de transporte por aplicativo 99, usado no caso em questão, esclarece que o perfil do passageiro é exclusivo e intransferível. Ou seja, não é permitido o compartilhamento da conta com um terceiro. A empresa informa que recebeu a denúncia do motorista parceiro. “Assim que a empresa soube do caso, mobilizou uma equipe que está em contato com o condutor para oferecer o apoio e acolhimento necessários”, diz em nota.
A 99 acrescenta que por questões de segurança, o perfil do passageiro responsável pela chamada foi bloqueado preventivamente. A empresa diz que está disponível para colaborar com a investigação.
“Motoristas que passem por situações semelhantes podem reportar a qualquer hora do dia, por meio do app ou pelo telefone 0800-888-8999, para que a empresa possa oferecer suporte, acolhimento e providências necessárias. Trabalhamos 24 horas por dia, 7 dias por semana, para cuidar exclusivamente da proteção dos usuários”, finaliza.
Via: O Dia