Nomeada na Secretaria de Esportes do Rio de Janeiro, uma servidora da pasta que recebe mais de R$ 8 mil de salário nem sequer vai ao trabalho. É o que mostrou a reportagem exclusiva da GloboNews nesta quinta-feira (12), na edição do Jornal das Dez.
No papel, Georgeta de Souza é funcionária do Governo do Rio. Mas, pessoalmente, ao ser abordada pela equipe de reportagem, ela não admitiu nem a própria identidade.
A nomeação, no entanto, não deixa dúvidas. No dia 1º de janeiro deste ano, Georgeta de Souza ganhou o cargo de assessora da Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Rio de Janeiro. Ela assumiu o cargo sem concurso público e com salário de R$ 8,18 mil.
A rotina de Georgeta, na verdade, é bem longe da sede da Secretaria de Esportes, que funciona no Centro do Rio. No turno da manhã, a servidora costuma estar a 35 quilômetros de distância da repartição pública.
A GloboNews a encontrou no pátio de uma universidade em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, onde Georgeta estuda gastronomia.
No dia 4 de dezembro, por volta de meio-dia, ela estava em um centro esportivo particular, também em Nova Iguaçu. O local não abriga nenhum projeto do governo. Veja abaixo o diálogo entre Georgeta e a equipe de reportagem da GloboNews.
Repórter: Com licença, tudo bem? Equipe de reportagem da GloboNews. A gente tá fazendo uma reportagem sobre servidores fantasmas, que recebem salário e não trabalham. A senhora trabalha na Secretaria de Esportes? Qual é o seu cargo na Secretaria de Esportes?
Georgeta: Ah… Não vou responder nada, não.
Repórter: A senhora estuda gastronomia no horário de expediente?
Georgeta: Eu sou a Georgeta de Souza sim.
Repórter: Mas a senhora estuda gastronomia no horário do expediente?
Georgeta: Não, olha só. Eu estudo gastronomia e trabalho.
Repórter: Mas trabalha lá na secretaria?
Georgeta: Trabalho.
Repórter: Mas por que a senhora não é vista lá?
Georgeta: Quem não é vista?
Repórter: A senhora.
Georgeta: Ai, não quero falar não, gente. Olha só…
Nas redes sociais, Georgeta aparece se divertindo em família, em 2013. Mas a imagem também revela a proximidade da servidora que estuda gastronomia com um dos chefes da pasta – que a contratou. Georgeta de Souza é tia do subsecretário Paulo Vitor de Souza Aráujo.
“Esse é o típico caso de um nepotismo disfarçado. O sobrinho acolhe uma parente. Então, necessariamente, há um poder hierárquico exercido. Ou seja, há um hierarquia entre o sobrinho e a nomeada. Uma vez constatada a prática do nepotismo, deve haver a exoneração imediata do servidor nomeado, bem como a abertura de um processo administrativo para apurar responsabilidades, tanto do secretário quanto do subsecretário”, afirmou Manoel Peixinho, especialista em direito administrativo.
O governador Wilson Witzel se manifestou em uma rede social sobre as denúncias da GloboNews. Foi publicado no perfil oficial que ele não admite desvio de conduta de servidores e que uma investigação foi aberta para apurar o caso.
O subsecretário de esportes, Paulo Vítor de Souza Araújo, sobrinho de Georgeta, não quis se manifestar sobre a acusação de nepotismo. Disse que não tem o poder de fazer nomeações e exonerações.
A assessora também tem uma relação bem próxima com a família do atual secretário estadual de Esportes, Felipe Bornier, cujo pai é Nelson Bornier, que já foi prefeito de Nova Iguaçu por três vezes.
Na última gestão de Nelson Bornier, Georgeta ocupou um cargo de confiança: assessora especial do prefeito, entre 2013 e 2016. E também junto com o ex-chefe, o ex-prefeito Nelson Bornier, ela responde por um crime: a Justiça aceitou a denúncia em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) acusa os dois de “destruírem e suprimirem em benefício próprio ou prejuízo alheio documentos públicos de propriedade do Município de Nova Iguaçu”.
Os promotores afirmam que ela cometeu esse crime 549 vezes.
O ex-prefeito de Nova Iguaçu, Nelson Bornier, preferiu não se manifestar sobre as acusações do Ministério Público.
Georgeta – que estuda no horário do expediente – não é a única funcionária do estado flagrada pela Globonews longe do trabalho.
Como exibido na quarta-feira (11), Abílio Henriques Quintal está na folha de pagamento da Surderj, a Superintendência de Desportos do Estado, ligada à Secretaria de Esportes, mas não bate ponto na repartição.
Jocinei Santos da Costa, que se apresenta como Jôce do Bornier, também tem o cargo comissionado de assessor da Suderj. Os três, Jocinei, Abílio e Georgeta estavam reunidos quando foram abordados pela equipe de reportagem.
O presidente da Suderj, Marcelo Salgado, informou que não é responsável por fazer nomeações e exonerações.
Numa mesma sala, os três ignoraram os pedidos de entrevista à GloboNews e deixaram pra trás documentos de partidos políticos, exemplares do Diário Oficial de Nova Iguaçu e, ainda, uma caixa lotada de fichas de filiação partidária do MDB.
Sobre as fichas de filiação partidárias encontradas pela GloboNews, o MDB informou que nenhum desses servidores têm qualquer relação com o MDB.
Juntos, desde o início do ano, os três servidores que não aparecem para trabalhar na sede da Secretaria de Esportes e da Suderj ganharam mais de R$ 200 mil pagos com recursos dos cofres públicos.
“Deve haver uma ação civil pública ou um inquérito civil para apurar, efetivamente, o dano ao erário. Ou seja, se alguém não trabalha e recebe dos cofres públicos, salários ou qualquer tipo de remuneração, deve devolver esses recursos ao estado (…) É um caso que viola não só a lei de improbidade, como os valores constitucionais da moralidade e da impessoalidade administrativa”, afirmou Peixinho.
Uma entrevista foi pedida com o secretário de esportes, Felipe Bornier, e com o presidente da Suderj, Marcelo Salgado, mas eles preferiram enviar uma nota. Ela diz que os servidores da Suderj citados na reportagem têm as folhas de ponto assinadas e exercem funções em horários de expediente adaptáveis. A secretaria não enviou as folhas de ponto enviadas pela GloboNews e nem nenhum documento para comprovar o trabalho dos funcionários.
Ainda de acordo com a Secretaria de Esportes, esses funcionários atuam realizando trabalhos externos de acompanhamento de núcleos esportivos em regiões do estado. Mas a GloboNews apurou que a Suderj não é responsável por nenhum desses núcleos.
A Secretaria de Esportes, então, enviou uma outra nota, cinco dias depois. Disse que um processo de ampliação dos núcleos esportivos está em andamento e está fazendo um estudo de viabilidade técnica para que a Suderj volte a administrar estes espaços.
Via: G1