Jornal Povo

Espinosa vê Valentim com futuro promissor e diz que estrela do Botafogo “tem que voltar a brilhar”

A voz grave do porto-alegrense Valdir Espinosa pode dar a impressão de ser um gaúcho mal-humorado, que não gosta muito de papo e prefere manter distância da imprensa. Mas é só dar alguns dedos de prosa para perceber que a conversa flui praticamente com qualquer um. Como o próprio gerente técnico de futebol se define, ele é uma pessoa tranquila e que adora conversar.

No papo com a reportagem da Globo que acompanha a pré-temporada do Alvinegro em Domingos Martins-ES, os assuntos surgem com naturalidade. Seja para falar da primeira vez comandando o Botafogo no título carioca de 1989, das experiências como ator ou da diferença entre Renato Gaúcho e Alberto Valentim, Espinosa tende a soltar frases de efeito.

– Cada um tem uma característica. Todos nós temos uma característica. E dentro dessas características eu vejo que o Renato tem mais experiência. O Valentim, pode-se dizer que está começando, teve muito tempo como auxiliar até se projetar como treinador principal. Eu vejo nele uma pessoa com uma capacidade incrível. Por aquilo que ele faz e aquilo que a gente conversa. Vejo nele um futuro ainda melhor.

“A estrela do Botafogo não apagou. Ela diminuiu. Mas temos que fazer essa estrela brilhar novamente. Não será uma novidade. Ela já brilhou com Garrincha, Jairzinho, Túlio, Mauro Galvão e Gottardo. Ela tem que voltar a brilhar”.

Entre semelhanças e diferenças do elenco de 1989 que entrava no 21º ano seguido sem conquistar um título, Espinosa preferiu dizer que não tem quase nada parecido. Se na época o Botafogo tinha Emil Pinheiro como principal mecenas, agora é a torcida quem empurra o time, assim como no dia do gol de Maurício.

– Totalmente diferente. (…) Mas é aquilo que eu digo, quanto maior o desafio, maior tem que ser a vontade, o aprendizado, maiores têm que ser os acertos. Hoje, existe a dificuldade? Existe. Mas isso não pode servir para a gente se acomodar. Temos consciência e ninguém esconde. Nós, comissão técnica, direção e torcedores, temos que estar juntos. Foram vocês (torcedores), tanto quanto os jogadores, os mais importantes na conquista daquele ano de 1989.

Como vem o Espinosa para 2020?

– Com uma vontade muito grande de fazer com que todos tenham a consciência da importância que têm. Eu sempre digo que o sucesso pode e deve ser dividido entre todos. Aliás, foi um dos grandes fatores de sucesso daquela equipe de 1989. O Maurício é reconhecido por ter feito o gol da vitória, mas ele nunca diz “eu sou o campeão”. Todos foram campeões. Isso que é importante. Sendo assim, você se entrega. Imagina você ir para o campo e a glória ser só minha. Você vai se esforçar? Para quê? Se ganhando você não vai ser lembrado, ter um carinho e tudo virar para mim, não é mesmo? É isso que você tem que fazer. Fazer com que o sucesso seja dividido entre todos, e com o torcedor também. Aí sim.

Mais leve por ser gerente técnico?

– Sempre fui assim. Claro que eram épocas diferentes, mas quando terminava o treino eu ficava sentado com os repórteres batendo papo. Até hoje eu não descobri de quem é a culpa, se dos repórteres ou dos treinadores, porque eles se afastaram e nenhum quer vir para perto do outro. Até hoje eu tenho amizade com o pessoal da imprensa. Tenho essa preocupação de tratar bem. Porque se vocês me fizerem uma pergunta, e eu responder aquela pergunta, vocês não vão inventar nada.

– Agora, se vocês fizerem a pergunta e eu fugir ou quiser ser malandro, dou o direito a vocês interpretarem da maneira que quiserem e eu não posso ficar bravo. Eu não te respondi, como que posso ficar bravo? A gente tinha amizade, alguns eu conheci, chamava para os meus aniversários… Não era aquela coisa de achar que o repórter iria me ajudar, nem o repórter tentava se aproveitar. Não era isso. Mesmo agora, sempre fui uma pessoa leve. Às vezes um pouquinho mais, às vezes um pouquinho menos. Eu cheguei a uma conclusão de que só vou chegar aos 120 anos se não tomar veneno. Se eu brigar com vocês e ficar remoendo essa raiva, estou tomando veneno.

Convite do Botafogo

– Eu estava em casa, gravando uma live e tive que interromper porque minha esposa me disse que o Montenegro estava me ligando. Eu interrompi a live e fui atender o telefone. Em cinco minutos, acertamos.

“Ele disse: “Espinosa, está pronto para vir para o Botafogo?” Que pergunta… Para quê fazer essa pergunta se a resposta ele já sabia? Foi questão de cinco minutos”.

– A gente marcou de se encontrar. Fui para o encontro e estava tudo acertado. O convite me fazia voltar muitas coisas. Me fazia voltar a 1989, me fazia viver situações fantásticas. Então, não tinha nem o que pensar. Só disse uma coisa: “Estou pronto”.

Voltar ao Botafogo como gerente técnico

– É diferente. Como treinador eu parei há alguns anos e como gerente técnico eu estive no Grêmio, naquele reinício do Grêmio, que estava 15 anos sem vencer. Conquistamos uma Copa do Brasil e chegamos até as oitavas de final da Libertadores. Eu saí e depois o Renato foi campeão. Agora vem a segunda oportunidade de exercer essa função, que eu acho ser importante, diferente, incomum.

O que faz um gerente técnico?

– Eu não me envolvo na parte financeira, não me envolvo na parte de contrato, nada disso. Só me envolvo em analisar e indicar os jogadores. Segundo: estar com o treinador, fazer observações e com ele conversar. Sempre mostrando a ele e a todos que aquilo que vai ser dito é buscando o melhor, o crescimento. Quando eu começo a falar sobre isso, eu digo: eu tenho 72 anos e continuo aprendendo. Se eu tiver algo a ensinar, aproveito.

Recepção de Valentim

“Valentim está surpreendendo de forma muito positiva. Ele foge do dia a dia dos treinadores. É um cara entusiasmado, que incentiva, cobra, que entra para dentro do treino, um cara que faz o treinamento junto”.

– Não é aquele cara que só manda fazer, não. Ele explica o motivo de fazer o que tem que ser feito. É uma pessoa aberta ao diálogo. Parece que nós nos conhecemos há muito tempo. O trabalho está sendo extraordinário e a cada dia mais eu acredito em respostas positivas e sucesso exatamente por isso.

Contratações têm avaliação?

– Em todas elas colocamos uma opinião e trocamos ideia com o Valentim. Algumas indicações vêm da direção e outras vêm de empresários. Mas, independentemente disso, quando vem alguma indicação, eu falo direto com o Valentim. Falo que pesquisei isso ou aquilo, digo a minha ideia, pergunto a dele e é isso. Muitas vezes é ele mesmo quem recebe essa indicação. Aí me diz que viu algo ou que gostaria de determinado jogador e pergunta se existe a possibilidade ou não.

O que une as contratações?

– Qualidade e necessidade. Não vamos contratar por contratar ou para aumentar o número, mas sim para qualificar esse grupo. O importante é isso.

Apoio psicológico

– Levo mais experiência de vida. Ninguém conquista uma Libertadores com 35 anos e um Mundial com 36 por acaso. Ninguém conquista títulos fora do Brasil e em torneios internacionais na Europa por acaso. É porque foi de um aprendizado, um crescimento. Eu entendo que o aspecto técnico e físico são muito importantes. Mas se o aspecto emocional não for bem trabalhado, a coisa não acontece.

– A taça, seja ela de campeonato regional, Copa do Brasil, Libertadores ou Mundial, está lá longe. Ela não vem até nós. Nós é que temos que ir em direção a ela. E não somos só nós, mas também todos os outros. A gente tem que pegar e dizer: “Essa taça é nossa”. Agora, esse caminho tem muitas armadilhas, é muito difícil e você tem que saber andar. Então a gente procura passar isso também.

Trato com os mais jovens sobre história dele

– Já aconteceu em outros lugares – aqui nem testei – de os jogadores não me conhecerem. Eu digo que tudo bem, o que eu posso fazer? Muitas vezes acontece isso. Aqui ainda não testei, mas realmente tem pessoas que conhecem e tem pessoas que não conhecem. Eu não procuro mostrar a faixa. Eu quero que olhem para os meus olhos, porque são neles que estão a verdade.

Pessoa que mais entende de Botafogo?

– Há uma entrega muito grande. Porque quando eu entrei no Botafogo, cheguei aqui e não conhecia ninguém. As pessoas olhavam para mim e diziam: “Espinosa, felicidades. Mas eu não acredito”. E eram botafoguenses. Eu ficava olhando e pensava “caramba”… Mas eles tinham razão, eram 21 anos sem títulos. E quantos já tinham passado por aqui com a mesma vontade de ser campeão também? Por isso que quando eu fui anunciado resolvi dizer: “Vocês vão ver o placar do Maracanã acender e lá vai estar escrito Botafogo campeão”.

– Isso ficou marcado para mim e pensei: “Tenho que fazer essa luz acender”. E quando digo eu é me referindo a nós. Fazer com que todos façamos ela acender. Aí a coisa foi. Não digo que eu amo mais o Botafogo do que Pedro, João ou Antonio. Nem que seja necessário você viver 10 anos para amar o Botafogo.

“Eu sempre digo uma coisa: ‘Em um dia, se você trabalhar no Botafogo, aprenda a amar o clube. Se você entra em um dia e sai no outro, naquele dia que você esteve, ame o Botafogo'”.

Como conhecer o Espinosa?

– Não tenho essa preocupação. Só tenho uma preocupação na vida, que é não ser reconhecido pelo torcedor. Não pela vaidade, mas pelo carinho. Quando eu vou na rua, caminhando, eu vou olhando para o lado. Se a pessoa me olha, eu já cumprimento. Se a pessoa não me conhece deve pensar que eu sou maluco em ficar cumprimentando as pessoas assim. Mas eu prefiro isso do que a pessoa me reconhecer, eu virar a cara e ela dizer: “Poxa, o Espinosa me virou a cara”. Essas situações me valem muito mais do que ser reconhecido. Prefiro é receber o carinho e o abraço do torcedor.

O que fazer para acender a luz no Botafogo de 2020?

– É contar parte desta história e de outras. É o Valentim contar parte das histórias dele. Ele tem menos experiência? Sim. Mas também tem sua vivência. Todos nós temos que passar para os jogadores que eles são importantes. Uma das coisas que aprendi recentemente é que o futebol não é jogado com 11 jogadores. Vou explicar: se jogar com 11, perde o jogo. Se jogar com 16, empata ou pode ser que ganhe. Quer ver o time ganhar? Jogue com 22. Sabe como? Ninguém sabe a força que tem e nem o seu limite. Eu sou um e mais um. Se todos se tornarem um e mais um, teremos 22 jogadores dentro de campo.

Por que parar de ser treinador?

– Eu perdi os cabelos, não tinha mais nada para cair. Aliás, cada fio de cabelo tem o nome de um jogador: Renato, Edmundo, Romário, Rivaldo… Mas eu entendi uma coisa. Tem uma outra área, um outro desafio e aí busquei esse desafio. Eu acho que ele é muito importante. Somos três ex-treinadores que estão executando outra função.

Que jogador mais te deu trabalho?

– Ah, todos eles. Nenhum me tirava do sério, mas eu tinha que resolver a situação, então não adiantava resolver bravo, tinha que ser com inteligência. Mas foi ele, o Renato. Imagina, eu conheci o Renato quando estava encerrando a carreira em Bento Gonçalves e ele era das categorias de base. Ele diz que ele me fez parar de jogar porque me driblava toda hora, mas é mentira. Não me driblava nenhuma vez. Ali fizemos amizade. Mas quando eu digo que ele me dava trabalho, não posso esquecer de uma coisa, ele deu muito título para mim também. Não vale a pena ter trabalho?

Experiência como ator

– Eu tinha alguns amigos na TV Globo e a gente brincava e se encontrava sempre com diretores, atores, enfim. E eu dizia que meu sonho era ser ator. Me convidaram a primeira vez. Entrei, não deu um segundo e já saí. Na segunda vez também. Teve uma terceira que eu fiz o papel de treinador e aí sim consegui falar um pouquinho. Estou esperando me chamarem (risos).

Queria ter seguido como ator?

“Eu adoro um microfone. Sou apaixonado. Adoro as câmeras de televisão. Não me convide para falar dois minutos. Me convide para falar três horas. Dois minutos eu fico bravo. Três horas eu vou sair felicíssimo. A não ser que queiram ver um jovem vovô de cabelos brancos e tenham um papel para mim”.

Sonho a realizar

– Fazer o Botafogo campeão de novo. Não sei onde vai ser. Naquela oportunidade eu sabia que a decisão seria no Maracanã. Hoje eu não sei se será no Nilton Santos, no Maracanã, fora do Maracanã… Eu tenho o sonho de fazer a luz do Maracanã acender e lá estar escrito: Botafogo campeão.

O que sabe e opinião no projeto do clube-empresa:

– Acho que é importante. Tudo isso que está acontecendo não é por acaso. Foram feitos estudos, teve uma eleição e a participação de um conselho deliberativo e torcida, e todo mundo chegou à conclusão de que era melhor para o Botafogo. É um caminho importante. Agora é a gente torcer. Eu não entendo nada de negócio. Eu vejo as pessoas que entendem falar, então só posso torcer.

Via: Globo Esporte