Jornal Povo

Cabelos descoloridos viram tendência no pré-carnaval do Rio

Quem circula pelo Rio de Janeiro neste verão já deve ter notado a nova moda capilar: em todo lugar descolado, tem alguém com o cabelo parcialmente (ou todo) descolorido. Com a proximidade do carnaval, mais gente vem aderindo à tendência.

O sucesso é tanto que houve até uma ação para descolorir, gratuitamente, as madeixas de todo mundo que está preparando a cabeleira para o carnaval: a Descoloração Global pré-carnaval aconteceu nesta terça-feira (4), no pilotis do Museu de Arte do Rio (MAR), e descoloriu mais de 100 cabeças que passaram por lá.

Tinha até piscina de plástico para quem quisesse se refrescar do forte calor enquanto esperava o tempo para o descolorante fazer o efeito. A fila fez curva do lado de fora do museu, e muita gente esbanjou estilo: eram pequenas mechas, cabelos inteiros, barbas e sobrancelhas descoloridas por toda a parte.

O artsta plástico Maxwell Alexandre foi o idealizador do evento. Quando criança, sua mãe não permitia que ele pintasse: 'Era coisa de vagabundo''.  — Foto: Elisa Soupin

O artsta plástico Maxwell Alexandre foi o idealizador do evento. Quando criança, sua mãe não permitia que ele pintasse: ‘Era coisa de vagabundo”. — Foto: Elisa Soupin

‘Cabelo descolorido era considerado coisa de vagabundo’

O artista plástico Maxwell Alexandre, de 29 anos, idealizador da Descoloração Global, explicou ao G1 que quer levar os cabelos platinados a cabeças de todas as partes da cidade. Ele lembra que a mãe não gostava da moda.

“Comecei a descolorir em 2012. Sempre gostei, mas minha mãe falava: ‘Não, isso é coisa de vagabundo'”, diz Maxwell.

“Desde pequeno, eu via muito esse tipo de cabelo na boca de fumo. Então virou uma estética das facções mesmo”, emenda.

O idealizador afirma que a descoloração “está em um lugar de afirmação de liberdade”.

“Você não pode estigmatizar o corpo negro a partir de uma estética. O que eu estou afirmando é a liberdade do corpo negro em qualquer situação”, ressalta Maxwell.

O artista está com a exposição “Pardo é Papel” em cartaz no MAR. A Descoloração Geral foi um evento paralelo.

Aulixiar veterinário Sérgio Fernandes escolheu o pré-carnaval para descolorir o cabelo por acreditar que época é de maior permissividade — Foto: Elisa Soupin

Aulixiar veterinário Sérgio Fernandes escolheu o pré-carnaval para descolorir o cabelo por acreditar que época é de maior permissividade — Foto: Elisa Soupin

A proximidade da folia também encorajou o auxiliar veterinário Sérgio Fernandes, de 25 anos, a aderir ao visual.

“O carnaval é uma época oportuna pra fazer, porque não incomoda tanto. Se pintar em junho, o patrão perturba. Agora, se faz antes do carnaval, já é mais fácil pra ele entender, você fala que é para festa e que depois vai tirar e não pega mal. Natal e réveillon também é melhor”, diz ele, morador da Vila Aliança.

Quando era criança, Sérgio também não podia pintar o cabelo.

“Toda mãe tem um pouco desse preconceito quando você mora dentro da comunidade, de ser coisa de bandido. O corte da sobrancelha, deixar o bigode fino, cabelo loiro, tudo traz medo, mas, com o tempo, ela foi aceitando”, conta.

Isabelle Rodrigues saiu com franja e sobrancelhas descoloridas — Foto: Elisa Soupin

Isabelle Rodrigues saiu com franja e sobrancelhas descoloridas — Foto: Elisa Soupin

A estudante Isabelle Rodrigues, de 20 anos, chegou cedo ao evento, onde resolveu descolorir a franja.

“Fiquei pensando onde eu poderia descolorir. Resolvi fazer na franja, pra criar bem o contraste com meu black. Certamente, vou ser olhada com preconceito. As pessoas já olham torto pro meu black. Mas eu quero ver como vai ficar”, disse ela, que, depois, acabou resolvendo descolorir também a sobrancelha e levou quase 4 horas no processo inteiro.

Julia Nicolau, de 26 anos, radicalizou e descoloriu todo o cabelo — Foto: Elisa Soupin

Julia Nicolau, de 26 anos, radicalizou e descoloriu todo o cabelo — Foto: Elisa Soupin

Já a educadora ambiental Julia Nicolau, de 26 anos, está apostando alto na folia desse ano e resolveu radicalizar. Ela chegou com os cabelos escuros naturais, mas saiu loiríssima.

“Acho que esse carnaval vai ser de muita libertação, depois de um que foi em um momento muito complicado politicamente. Resolvi vir porque achei o evento incrível por endossar a cultura da favela”, disse ela.

Estudante Luiz Rocha acredita que o carnaval traz mais liberdade para fazer mudanças no visual — Foto: Elisa Soupin

Estudante Luiz Rocha acredita que o carnaval traz mais liberdade para fazer mudanças no visual — Foto: Elisa Soupin

O estudante Luiz Rocha, de 31 anos, resolveu pintar a barba. “Tenho poucas opções de mudança de visual, já que não tenho cabelo, né? Eu pintei meu cabelo quando era adolescente, mas na época não gostei, acho que era muito associado à criminalidade”, lembrou.

“Meu pai mostrou na TV um cara sendo preso com cabelo descolorido e perguntou se era isso que eu queria. Acho que esse estigma já mudou também por causa também da classe artística”, disse ele.

“O carnaval também é meio permissivo, você pode ser um personagem diferente, se fosse em outra época, talvez eu não fizesse”, emendou Luiz.

Maxwell, idealizador da ação, também acha que a popularização entre famosos ajudou a romper com o estigma antes relacionado à criminalidade.

“A partir do momento que você tem o Neymar, que é um grande ícone; Kanye West, Belo, Rodriguinho, a moda começa a fagocitar essa estética e isso começa a ser mais aceito”, opina.

Maxwell acredita que ações como a desta terça faça com que pessoas periféricas desenvolvam maior interesse por espaços como museus.

“Uma das coisas que eu abordo no meu trabalho é tentar chamar a atenção da comunidade para esses lugares de legitimação da história, como museus e galerias. Meu interesse é fazer com que a comunidade preta e periférica comece a prestar atenção nesses códigos. Esse sentimento de não pertencer a esse espaço é um programa que foi construído. O que está acontecendo aqui são rituais que partem de códigos da periferia”, explica ele.

Descoloração Global pré-carnaval aconteceu nesta terça-feira (4), no pilotis Museu de Arte do Rio (Mar) — Foto: Divulgação / Wagner Kox

Descoloração Global pré-carnaval aconteceu nesta terça-feira (4), no pilotis Museu de Arte do Rio (Mar) — Foto: Divulgação / Wagner Kox

Via: G1