Jornal Povo

A zebra vai se repetir? As semelhanças entre Dominick Reyes e Chris Weidman

Pare se você já viu este filme antes: um campeão praticamente limpa sua divisão e começa a vislumbrar superlutas contra campeões de outros pesos. Antes disso, porém, resta um último desafio, um jovem em ascensão desconhecido das multidões e com um cartel que não se compara ao do campeão. É o roteiro da luta principal deste sábado, no UFC 247, entre o dominante Jon Jones, campeão dos meio-pesados e número 1 do ranking peso-meio-pesado, e o desafiante Dominick Reyes. Mas também lembra uma das maiores zebras da história do MMA: a vitória de Chris Weidman sobre Anderson Silva em 2013.

Há vários paralelos nos momentos históricos das duas lutas. A começar pelo status alcançado pelos dois astros principais. Em 2013, Anderson Silva era visto como uma figura mitológica, um lutador imbatível que havia vencido 16 lutas consecutivas no UFC, um recorde visto na época como intocável, e defendido o cinturão do peso-médio (84kg) por 10 ocasiões, outra marca vista como inalcançável. Para ele, o próximo passo lógico era ou descer ao peso-meio-médio (77kg) para enfrentar Georges St-Pierre, ou subir ao meio-pesado (93kg) para encarar Jon Jones, que já começava a dar sinais de sua dominância.

Sete anos depois, “Bones” tomou o lugar do “Spider” como o homem indestrutível do UFC. Já são dez anos sem perder, e o americano igualou as 16 vitórias consecutivas do brasileiro em sua última luta – novo triunfo no sábado lhe dará exclusividade como dono da mais longa sequência positiva no Ultimate. Ele também já conta 10 defesas de cinturão, e 13 vitórias em lutas valendo título. O público clama por uma superluta no peso-pesado (até 120kg) contra o campeão Stipe Miocic, ou no peso-médio contra o campeão Israel Adesanya.

Antes disso, porém, o UFC encontrou um último obstáculo para ambos. Em 2013, ele veio na forma de Chris Weidman, um americano nove anos mais jovem do que Anderson e que só tinha nove vitórias no cartel profissional – menos lutas do que Spider tinha defesas de cinturão. Em 2020, o nome para desafiar Jones é Dominick Reyes, que apesar de não ser muito mais jovem que o campeão (apenas dois anos), também tem menos da metade de sua experiência: são 12 vitórias na carreira, menos lutas do que “Bones” fez valendo cinturão.

Chris Weidman (luva vermelha) venceu Anderson Silva duas vezes; na primeira, era um nome desconhecido — Foto: Getty Images

Chris Weidman (luva vermelha) venceu Anderson Silva duas vezes; na primeira, era um nome desconhecido — Foto: Getty Images

Curiosamente, tanto Weidman quanto Reyes foram à universidade em Long Island, Nova York, e buscaram o MMA após frustrações em outras áreas: decepcionado por não ser convocado para a seleção olímpica de wrestling dos EUA, Weidman passou a treinar para complementar sua renda como treinador do time de luta de uma escola secundarista; Reyes sonhava em jogar futebol americano, mas após ser rejeitado pela liga profissional dos EUA, deu uma chance ao MMA na academia de seu irmão mais velho. Ambos também viam Silva e Jones como ídolos, e dizem que começaram suas carreiras sob a crença de que seriam os homens a destroná-los.

A oportunidade chegou para ambos, mas o público e a mídia especializada não enxergavam esse potencial. Apesar de ter nocauteado Mark Muñoz em sua luta anterior, Weidman era visto como um lutador unidimensional cuja única chance contra o trocador Anderson Silva seria na luta agarrada. Para Reyes, é o inverso: seu jogo é a trocação, e sua chance é nocautear Jon Jones. Por isso, ambos foram apontados como grandes zebras nas casas de apostas – Weidman tinha probabilidades de +235, ou seja, sua vitória pagava 2,35 vezes o apostado, enquanto Reyes tem odds de +373, ou seja, 3,73 de lucro para cada dólar apostado.

Dominick Reyes nocauteou justamente Chris Weidman em sua última luta, no UFC Boston, em 2019 — Foto: Chris Unger/Getty Images

Dominick Reyes nocauteou justamente Chris Weidman em sua última luta, no UFC Boston, em 2019 — Foto: Chris Unger/Getty Images

Weidman comprovou o que falava e nocauteou Anderson em 7 de julho de 2013, e depois venceu ainda a revanche contra o brasileiro seis meses depois. Ele reinou sobre o peso-médio por dois anos; após perder o cinturão em 2015, viveu má fase e se arriscou no meio-pesado no ano passado, quando enfrentou… Reyes, que o nocauteou no primeiro round. Reyes acredita que a ocasião foi uma passagem de bastão, e que a história de Weidman contra Silva vai se repetir quando ele enfrentar Jones.

– Anderson era uma força imbatível, um cara que as pessoas não podiam tocar, e Chris Weidman chocou o mundo. Ele matou Anderson Silva, e eu achava que não ia acontecer. Tenho certeza que a maioria das pessoas não achava que isso iria acontecer. Eu era apenas um fã na época, então eu não estava vendo isso como um lutador, avaliando qualidades técnicas. É quase a mesma situação comigo. Dizem: “Quem é esse cara?”. Vivo o mesmo tipo de sentimento, sinto que tomei isso, essa energia, esse poder que ele tinha ao mesmo tempo e meio que passou essa chama para mim. Se você prestar atenção, notará os sinais ao seu redor. E há muitos sinais apontando para mim, para eu vencer esta luta.

Jon Jones, naturalmente, não acredita na superstição de Reyes. Mais metódico e estratégico, ele aponta para as diferenças fundamentais entre as duas lutas para garantir que, apesar das semelhanças nas narrativas, este filme terá um desfecho diferente.

– Não, ele diz muita coisa que não faz sentido. Anderson Silva era bem mais velho quando perdeu, e também estava com as mãos baixas e estava brincando um pouco. E eu amo Anderson, mas eu nunca, nunca faria algo assim. Nunca teve uma luta em que eu fiquei de guarda baixa, e obviamente esse é o estilo do Anderson e funcionou para ele por anos. Mas esse não é meu estilo. Eu sempre estou de guarda alta e queixo baixo, e levo meus adversários muito a sério. Então eu realmente não vejo essa comparação – argumentou Jones.

Fonte: Combate