O governo admitiu na noite desta terça-feira desistir de encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta própria de reforma administrativa, que muda regras para os servidores públicos. A ideia era enviar apenas “sugestões” a um texto que já tramita na Câmara. A pressão do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de outras lideranças partidárias, no entanto, fez o governo recuar e se decidir novamente por mandar um texto próprio.
A avaliação de parlamentares é que a proposta precisa ter a “digital” do governo, para que os parlamentares não arquem com o ônus político da reforma. Isso adiou, mais uma vez, o envio formal da proposta, que já está praticamente pronta dentro do Ministério da Economia.
No início da noite, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), admitiu que houve conversas sobre como agilizar a tramitação e, por isso, cogitou-se adotar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) já em tramitação no Legislativo. Segundo Bezerra, porém, Maia se posicionou contra a ideia de o governo não mandar sua própria proposta:
— Havia umas sugestões. Como há PECs tramitando na Câmara, para ganhar tempo, seria possível encaminhar também como está sendo feito na reforma tributária. Mas Rodrigo (Maia) prefere que o governo mande a PEC, e o governo está admitindo mesmo mandar a PEC. Havia discussões sobre como agilizar. Então, dá para pegar uma PEC? Era isso. Mas o governo deverá encaminhar PEC.
Segundo Bezerra, ainda não há data para apresentar a proposta. Ele espera que isso ocorra antes do carnaval:
— Não tenho a informação de se (o governo) vai encaminhar esta semana ou na próxima. O que tenho dito é que, para que a PEC tenha chance de ser aprovada até o fim de julho, tem de chegar aqui antes do carnaval. Então, a minha expectativa é que chegue na próxima semana.
O dia ontem foi de discussões dentro do governo sobre o melhor timing político de envio do texto. Um integrante da equipe econômica disse que a reforma está pronta, e que as decisões agora são políticas.
Há meses o governo trabalha no texto da PEC. Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que estava na iminência de enviar a proposta da reforma administrativa ao Congresso. Na sexta-feira, em evento no qual disse que encaminharia a reforma nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, associou os servidores públicos a “parasitas”.
A fala de Guedes provou uma enxurrada de protestos de servidores públicos, o que resultou em um desgaste político do tema. Para tentar reduzir o prejuízo, o Ministério da Economia divulgou nota dizendo que a fala havia sido tirada de contexto pela imprensa.
Depois, o ministro também enviou mensagem a jornalistas e outras pessoas pedindo desculpas pela declaração.
Após a repercussão negativa da fala do ministro, o governo começou a avaliar mudanças no formato e no timing de envio da proposta. Ontem, fontes da equipe econômica e da ala política do governo admitiram a possibilidade de submeter ao Congresso apenas “sugestões”, que seriam incorporadas a uma outra PEC que já tramita na Câmara dos Deputados.
‘Digital do governo’
Seria uma estratégia semelhante à da reforma tributária, na qual o governo enviará apenas propostas para uma comissão especial que reunirá textos que tramitam na Câmara e no Senado. A diferença é que não há nenhuma proposta sobre servidores públicos avançada e na ordem de prioridades da Câmara.
Por isso, a possibilidade de o governo não enviar um texto próprio para a reforma administrativa foi mal recebida dentro do Congresso, não apenas por Maia. Deputados e senadores viram a movimentação do governo como uma tentativa de colocar no colo do Parlamento a responsabilidade por mais uma agenda negativa, depois da aprovação da reforma da Previdência.
Para lideranças parlamentares, é preciso que o governo “coloque a digital” e assuma o ônus da reforma.
Segundo o líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o entendimento dos deputados é que a responsabilidade para o envio do texto é do governo.
No mesmo sentido, o líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB), disse que o Parlamento não iria aceitar apenas “sugestões”, já que a proposta de reforma administrativa do Executivo deve partir do governo.
Esse é o terceiro recuo na proposta de mudar as regras para os servidores públicos. A ideia inicial era encaminhar o texto junto com outras três propostas do chamado pacto federativo, em novembro, o que não ocorreu.
O segundo adiamento veio no fim do ano passado, quando o governo desistiu de enviar a reforma ao Congresso, por receio de protestos de rua em meio a uma onda de manifestações na América Latina.
O que deve mudar com a proposta
Cargos
Redução gradativa do número de cargos de nível auxiliar e intermediário. Hoje, há 223 mil servidores nesses níveis.
Nomenclatura
Unificação da nomenclatura dos cargos. Hoje, um mesmo cargo pode ter até 13 denominações.
Concursos
Haverá corte no número de concursos públicos. A ideia é reduzir os gastos com folha de pessoal.
Tempo de serviço
Servidores novos não terão direito a progressão automática por tempo de serviço. Para algumas categorias, o direito à estabilidade passaria de três para dez anos.
Fonte: O Globo