Nove mulheres vítimas de violência doméstica no Rio de Janeiro ganharam a tecnologia como aliada contra novos ataques. Elas são as primeiras a receber o “botão do pânico”, aparelho semelhante a um pager, que alerta caso os agressores se aproximem além do permitido pelas medidas protetivas definidas pela Justiça.
O botão do pânico começou a ser distribuído no segundo semestre de 2019 em uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ). A ferramenta é conectada a uma tornozeleira eletrônica, usada pelo agressor. Em caso de aproximação, a central de monitoramento é acionada e entra em contato com a vítima e o agressor por telefone.
“Esse aparelho, esse pager, faz parte do meu corpo. Hoje, eu me sinto protegida porque toda a minha vida está mapeada. Quem está preso é o agressor, não é a vítima”, contou ao G1 a atriz Cristiane Machado, a primeira mulher do estado a receber a ferramenta de botão do pânico.
A atriz foi vítima de violência doméstica. O ex-marido, o ex-diplomata Sérgio Schiller Thompson-Flores, está em prisão domiciliar, com autorização para sair de casa durante o dia. Com medo de novas agressões, Cristiane recorreu à Justiça, que concedeu o aparelho como uma das medidas protetivas.
De acordo com dados mais recentes do Instituto de Segurança Pública (ISP) do RJ, mais de 21 mil mulheres foram vítimas de agressões físicas no primeiro semestre de 2019 no estado – quase 4 mulheres por dia. As informações foram obtidas pelo G1 por meio da Lei de Acesso a Informação (LAI).
Quem pode pedir?
Segundo o Tribunal de Justiça, qualquer vítima de violência doméstica com processo aberto na Justiça pode entrar com um pedido, que é analisado, caso a caso. Os critérios não foram divulgados.
O monitoramento da ferramenta é administrado pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), que adquiriu os aparelhos por meio de licitação.
Cristiane, que chegou a gravar as agressões com uma câmera escondida dentro de casa, conta que só decidiu fazer o registro na polícia após seus pais também serem ameaçados.
“Eu não conhecia ninguém que tinha vivido violência doméstica, estava no auge de uma linda história de amor. Estava cheia de planos e, de repente, vem literalmente uma porrada na minha cara”, diz a atriz.
“A única coisa que eu pensava é que eu ia morrer. E que eu tinha vergonha de falar que eu estava apanhando, e ia perder meu trabalho. Eram as três coisas. Como é que eu vou sobreviver? Como é que eu vou ajudar meus pais?”
A atriz alega que o botão do pânico foi acionado uma vez, por Sérgio ter se aproximado além do permitido, e que ela evitou sair do local onde estava, com medo.
“A primeira vez que ele tocou foi no dia eu peguei o aparelho. Eu estava na minha terapia, saindo da minha terapia. Na hora, o que eu fiz? Eu voltei e fiquei na portaria”, diz.
Procurada pelo G1, a defesa do diplomata Sérgio Schiller Thompson-Flores negou que Thompson tenha descumprido qualquer medida protetiva e que foi “absolvido judicialmente da acusação que lhe foi imputada nesse sentido”.
A defesa também diz que Thompson é alvo de “uma campanha difamatória e mentirosa contra ele, a qual está sendo desmascarada no seu devido tempo”.
Patrulha Maria da Penha, outro aliado
Mesmo que uma decisão judicial determine o afastamento entre agressor e vítima, muitos autores descumprem a medida. A infração se tornou crime em 2018, e o estado do Rio criou a Patrulha Maria da Penha para fiscalizar essas ocorrências.
“Em alguns casos, o deferimento da medida protetiva já é suficiente para que esse autor não se aproxime e ele respeite. Em outros casos e, principalmente nos agressores mais violentos, isso por vezes não é o suficiente. Você precisa de reforços como a Patrulha Maria da Penha, o dispositivo ‘botão do pânico’, que possam dar mais segurança”, explica a subchefe dos programas de prevenção da Polícia Militar do Rio, major Cláudia Moraes.
Cada batalhão da Polícia Militar e três UPPs – Andaraí, Barreira do Vasco e Rocinha foram escolhidas inicialmente – receberam uma equipe especializada no atendimento de mulheres vítimas. Os atendimentos presenciais são feitos sem aviso prévio. O objetivo é antecipar e evitar possíveis ações do agressor.
Após ter a medida protetiva garantida, a equipe da patrulha – conhecida como Guardiões da Vida – faz uma entrevista de acolhimento. Após entender a gravidade do caso, é estabelecido uma rotina de visita e um roteiro – em alguns casos a mulher pode ser atendida no batalhão da PM.
Nos primeiros quatro meses de implantação, a Patrulha Maria da Penha fez mais de 6,1 mil atendimentos a mulheres vítimas de agressão. Ou seja, mais de 50 mulheres atendidas por dia em média de agosto a dezembro de 2019. Além disso, no mesmo período, 64 homens foram presos por descumprimento de medida protetiva.
“Os crimes contra as mulheres representam o primeiro lugar de acionamentos emergenciais da Polícia Militar. Havia a necessidade de criarmos um atendimento especializado para que pudéssemos atuar de forma efetiva (…) O principal objetivo desse programa é reduzir a reincidência de violência contra mulher e evitar feminicídios”, afirmou a major Cláudia.
Índice de mulheres pedindo proteção à Justiça aumenta
O número de mulheres que recorrem à Justiça por alguma proteção teve aumento de 42% nos últimos dois anos. De acordo com dados do TJRJ, foram expedidas em 2019 uma média de 85 medidas protetivas por dia para as vítimas do estado.
“A gente vê aumentando a cada dia que passa. No Tribunal de Justiça, sobre dados extraídos de 2019, nos dão conta que foram proferidas 31.341 decisões de ordem de proteção. A gente não está falando de ação penal, a gente está falando de medidas protetivas de urgência, que retira aquela mulher daquela situação de violência. A medida protetiva visa assegurar vidas”, afirmou a juíza titular do 1º juizado de violência doméstica e familiar do Rio de Janeiro, Adriana Ramos.
O número aumentou 42% desde 2017 quando 22.034 medidas foram concedidas às vítimas.
“Esses números expressivos nos assustam realmente. Por outro lado, isso pode ser um ponto positivo porque as mulheres estão tendo mais acesso à Justiça. Sempre vai ficar a pergunta: houve um aumento da violência contra a mulher ou houve uma facilidade de acesso à Justiça? Eu acho que as duas coisas. É claro que a sociedade está muito mais violenta”, completou a magistrada.
Via: G1