Jornal Povo

Onze escolas do Grupo Especial levarão protestos à Avenida

Apesar de esvaziadas durante os quatro dias de carnaval, a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes continuam agitadas neste feriado com os seus principais representantes aparecendo ao público em blocos de rua por todo o país e nas avenidas da Marquês de Sapucaí (RJ) e do Anhembi (SP). Novamente, a política serve como pano de fundo para a festa do Rei Momo e, sobretudo, para o desfile das escolas de samba. Desta vez, contudo, os ânimos estão mais aflorados. A insatisfação dos artistas com os governantes do país — principalmente com o presidente Jair Bolsonaro, responsável por muitas críticas à classe ao longo de 2019 —, inspirou o repertório dos foliões: só no Rio de Janeiro, 11 das 13 agremiações do Grupo Especial sairão no sambódromo carregando mensagens de protesto.

As sátiras, contudo, já começaram, e vão desde as letras dos sambas-enredo, passando pelos adereços, até chegar nos carros alegóricos. Na divisão de acesso do carnaval carioca, a Acadêmicos de Vigário Geral abriu o primeiro dia de desfiles, na sexta-feira (21/2), com uma alegoria representada pelo palhaço Bozo vestindo terno e com a faixa presidencial cruzando o peito e fazendo uma “arma” com as mãos. A referência a Bolsonaro, que tornou viral o gesto durante a campanha eleitoral de 2018, veio acompanhada por versos da canção da escola.

 

“Somos da tribo quilombola/ Que segue aguerrida/ Mas sempre esquecida/ Por quem tem poder/ Montando em cabrestos/ Matando direitos de quem quer viver/ O homem de terno pregando mentira/ Desperta a ira em nome da fé/ Pois é, na crise nossa gente acende vela/ Pra santo que nem olha pra favela/ E brinca com direito social/ Ó mãe, o morro é o retrato do passado/ Legado de um mito mal contado/ Vigário, teu protesto é carnaval”, entoou a agremiação na Marquês de Sapucaí.

 

Atual campeã do carnaval de São Paulo, a Mancha Verde não poupou o alto escalão do governo federal. Em meio ao mar de cores e fantasias, o carnavalesco do grupo, Jorge Freitas, aproveitou o enredo “Pai! Perdoai, eles não sabem o que fazem!” para cutucar a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, e o ministro da Economia, Paulo Guedes.

 

Damares foi alvo da principal crítica. Uma ala inteira da agremiação se vestiu de azul e rosa para ironizar a frase dita pela ministra no ano passado de que “menino veste azul e menina veste rosa”. Além disso, em um dos carros alegóricos da escola, uma mulher se vestiu de empregada doméstica, colocou orelhas do Mickey na cabeça e carregou um passaporte enorme na mão para debochar de Guedes que, recentemente, “aprovou” a alta do dólar pois, com o câmbio baixo, “empregada doméstica estava indo pra Disney, uma festa danada”.

 

Segundo a doutora em cultura brasileira Tânia Montoro, da Universidade de Brasília (UnB), a crítica ao meio político no carnaval não é novidade. No entanto, a forma como o assunto tem sido abordado em 2020 reflete um forte desejo por mudança, pois “a crítica entra com muita força quando o governo não tem proposta nenhuma, não tem um projeto de nação”. “Hoje, nós não vemos esse projeto muito claro”, destaca. “Dessa forma, as pessoas querem demonstrar o seu incômodo, participar desse debate no espaço público, ainda mais porque a política é o principal o assunto que tem pautado o Brasil nos últimos tempos. E o carnaval acaba sendo a principal vitrine”, acrescenta.

 

Manifestações

Neste domingo (23/2) e segunda-feira (24/2), as escolas de samba do Rio prometem dar sequência à onda de reclamações. Na apresentação mais aguardada do primeiro dia do Grupo Especial, a Mangueira, campeã em 2019, vai contar a história de um Jesus Cristo “da gente”, “rosto negro, sangue índio, corpo de mulher”. A agremiação vai incorporar um samba-enredo batizado com a frase “A Verdade Vos Fará Livre”, que é uma das citações bíblicas favoritas de Bolsonaro, inspirada no evangelho de João. Durante a música, aliás, o chefe do Palácio do Planalto é criticado.

 

“Mas será que todo povo entendeu o meu recado?/ Porque de novo cravejaram o meu corpo/ Os profetas da intolerância/ Sem saber que a esperança/ Brilha mais na escuridão/ Favela, pega a visão/ Não tem futuro sem partilha/ Nem Messias de arma na mão”, diz a canção da escola verde-rosa, em referência ao nome do meio do presidente.

 

Portela é outra que vai manifestar o seu repúdio à política. A escola optou por homenagear os povos indígenas que viviam no Rio de Janeiro antes da chegada dos colonizadores e, além de Bolsonaro, incluiu o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), na lista de críticas.

 

“Índio pede paz, mas é de guerra. Nossa aldeia é sem partido ou facção. Não tem bispo, nem se curva a capitão”, diz um trecho do samba-enredo, em que “bispo” é uma alusão ao passado de Crivella como bispo na Igreja Universal do Reino de Deus, e “capitão” faz referência à patente de Bolsonaro no Exército.

 

Na lista de repertório politizado, também aparece o samba da São Clemente. A escola vai desfilar com uma música que satiriza o esquema de candidaturas laranjas nas eleições de 2018 envolvendo o PSL, antigo partido de Bolsonaro, e que faz menção às conversas grampeadas de procuradores da Operação Lava-Jato e às “mamatas”.

 

“Abre a janela, aperta o coração/ O filtro é fantasia da beleza/ Na virtual roleta da desilusão/ Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu!/ E o país inteiro assim sambou/ Caiu na fake news!”, frisa o samba-enredo da agremiação, que teve como um dos autores o humorista Marcelo Adnet, que pode aparecer na Marquês de Sapucaí imitando o presidente da República.

 

» Desfiles

 

Confira horário das escolas do primeiro dia do carnaval do Rio. São considerados atrasos

 

21h30 – Estácio de Sá

22h30  – Viradouro

23h30  – Mangueira

0h30  – Paraíso do Tuiuti

1h30  – Grande Rio

2h30  – União da Ilha

3h30 – Portela

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