Jornal Povo

Tuiuti promove encontro de santo com rei e aborda problemas do Rio de Janeiro

RIO – Depois de ter apostado em críticas políticas ácidas e contundentes nos últimos anos, dessa vez a Paraíso do Tuiuti foi mais comedida e entrou na avenida saudando São Sebastião, o padroeiro da cidade do Rio. A escola promoveu um encontro do Santo com Dom Sebastião, rei de Portugal. O enredo se baseou nas encantarias, com muitas referências a bumba meu boi, e apesar do refrão “chiclete” do samba de Moacyr Luz, o desfile não empolgou.

O desfile marcou a estreia do carnavalesco João Vitor Araújo, que substituiu o celebrado Jack Vasconcelos, que foi para Mocidade. E ele deixou claro seu estilo, quando, a poucos minutos do início, continuava correndo de um lado para o outro, dando os últimos retoques e ordens.

– Meu diferencial no desfile vão ser as encantarias – afirmou rapidamente o carnavalesco.

A comissão de frente fez um bom trabalho ao encenar o encontro de São Sebastião com Dom Sebastião, o que no final resultava num bumba meu boi. A cena era cercada pelas seis bonecas ventríloquo que representavam as Sebastianas

– Estamos homenageando as senhoras do Morro do Tuiuiti. São três mulheres que já faleceram e outras três da Velha Guarda que ainda não sabem da homenagem, vai ser uma surpresa – explicou o coreógrafo Márcio Moura antes do desfile. – Os homens que as carregam representam seus filhos.

A missão de transformar o encontro de Sebastiões em samba coube a Moacyr Luz, que assinou a composição da escola pelo terceiro ano seguido.

– Encontro de Sebastião foi um diferencial, se fosse só um estava tranquilo. Foi um desafio muito bom, Juntar crença e fantasias. – explicou ele, que está empolgado com os sambas das escolas nesse ano. – O nível esse ano está altíssimo, quase uma corrida de Fórmula 1, uma curva pode decidir o título.

Morte de Agatha Felix é lembrada

O lado politizado do desfile esteve mais ressaltado no manto de Dom Sebastião dos Pobres do figurinista Leonardo Diniz, que usou uma foto da menina Ágatha Félix, de 8 anos, morta no ano passado durante uma ação policial no Complexo do Alemão.

O destaque do último carro da escola encerrou o desfile da Paraíso do Tuiuti homenageando vítimas da violência e do descaso do poder público. A ideia era fazer uma referência ao coração flechado do padroeiro da cidade.

Entre as imagens, os oito meninos mortos na chacina da Candelária, em julho de 1993, também foram lembrados, assim como os indígenas da Aldeia Maracana, as pessoas em situação de rua e a adolescente Maria Eduarda Alves, de 13 anos, morta dentro de uma escola pública em Acari, Zona Norte, há três anos.

– O carnavalesco (João Vitor Araújo) me pediu que eu registrasse as coisas que mais deixam o carioca com o ‘coração flechado’. Foi uma roupa que eu me emocionei na hora de planejar – contou.

Na hora de pensar a fantasia, a primeira criança que veio a mente de Leonardo foi a menina Ágatha, por ter a mesma idade de uma de suas sobrinhas.

– Estava num restaurante quando a morte dela foi contada na TV. Aquilo me deixou muito mal – lembra o figurinista, que no desfile ainda abriu uma bandeira branca com a frase “Vai passar”, uma mensagem de esperança aos cariocas.

A roupa, feita por meio de impressão digital por sublimação, levou 15 dias para ficar pronta, confeccionada por Leonardo e pela costureira Rita Albino, na casa do artista, em Vila Isabel, na Zona Norte. O figurinista vem na última alegoria e conta que, ao chegar no Centro do Rio para o desfile, foi interceptado por crianças, que questionaram as fotos presentes na capa.

– Elas, quando souberam o motivo dessas imagens, disseram “é muito triste né, tio?”. Elas sentiram a mesma dor que eu senti. E não é uma das roupas mais caras que já paguei. Custou cerca de R$ 1,5 mil e pesa mais ou menos 15 quilos. Mas o peso do significado que eu estou carregando nessa capa é gigante, o maior de todos – detalha.

O desfile trouxe cinco alegorias, três tripés, sendo um pede-passagem, e 3,5 mil pessoas em 29 alas.

Esta primeira noite de desfiles do Grupo Especial, com sete escolas, já teve Estácio de Sá, Viradouro e Estação Primeira de Mangueira. Na sequência, completam a festa Grande Rio, União da Ilha e Portela.

Fonte: Jornal Extra