RIO — O prefeito Marcelo Crivella reabriu oficialmente Avenida Niemeyer ao trânsito de veículos por volta de 6h50 deste sábado. Foram nove meses de interdição judicial depois de vários deslizamentos ao longo da via causados por fortes chuvas que começaram em fevereiro e culminaram em grandes escorregamentos em maio. Segundo o prefeito, o atraso na reabertura, marcada para as 6h deste sábado, se deu por conta de 64 veículos que estavam estacionados na avenida e precisaram ser rebocados.
Crivella ressaltou que os protocolos para a reabertura da Niemeyer serão seguidos e que ela será fechada quando a chuvas atingirem 38mm. O prefeito voltou a criticar a decisão de peritos judiciais e festejou a decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, que determinou por volta das 20h de sexta-feira a reabertura imediata da Avenida Niemeyer.
Crivella, que sempre fez uso da Avenida Niemeyer mesmo interditada judicialmente, foi o primeiro a trafegar pela via reaberta. Uma comitiva de agentes e assessoria da prefeitura, junto com veículos da imprensa, acompanhou o prefeito na primeira viagem pela via após a reabertura decidida pelo Superior Tribunal de Justiça. Em seguida, vários motoristas passaram pela via. Entre eles, o mecânico Valdemir da Nóbrega, de 52 anos, que festejou a iniciativa.
— Sofremos muitos todos esses meses em longos engarrafamentos pela Autoestrada Lagoa-Barra. Agora é aproveitar essa opção de acesso à Zona Sul e tomar os cuidados necessários em dias de chuva — comentou o mecânico, que mora na Barra.
Crivella afirmou que, para a reabertura da avenida, foram necessárias adaptações nas medidas de segurança.
— A gente sempre disse que não vai cair nada em dias de sol e céu azul. Fizemos experiências com volumes de chuvas e ventos, além de mais de duas mil simulações, e não tivemos qualquer acidente que pudesse nos preocupar — disse.
O prefeito também comentou um acidente que aconteceu esta semana, quando uma pedra rolou da encosta da Niemeyer. Segundo ele, a tela que protegeu uma lasca da rocha que se deslocou foi suficiente para contê-la.
— Uma lasca na rocha que se soltou e que estava presa na nossa tela bateu no paredão e escorregou até o chão. É bom lembrar que esta tela ela é meio elástica para justamente suportar o impacto.
Trânsito monitorado
O trânsito na Avenida Niemeyer segue monitorado por agentes da CET Rio e da Guarda Municipal. Ônibus e vans voltaram a fazer os trajetos originais. O motorista de táxi Vanderlei Antunes, desavisado, percebeu a avenida aberta e mesmo assim dobrou à esquerda no sentido da Autoestrada Lagoa-Barra. Parou, conversou com o agente da CET-Rio no local, recebeu permissão para dar ré e seguiu seu caminho pela via reaberta.
— Nem acreditei quando eu vi a Niemeyer aberta. Para não levar uma multa virei à esquerda, mas percebi que era verdade e voltei.
Uma empresária que mora em São Conrado e preferiu não se identificar caminhava pelo calçadão e decidiu fazer uma foto da avenida reaberta. Ela comentou que ainda não acredita que a situação vá se manter assim.
— Vamos ver até quando isso vai ficar. Com tantas idas e vindas na Justiça, pode ser que ainda haja uma reversão da situação. Trabalho em casa em São Conrado, mas preciso me deslocar muito para o Centro e a Zona Sul e sempre utilizo ou o metrô ou sofro com o meu carro nos engarrafamento. A partir de agora, os ciclistas deverão ter muito mais cuidado a utilizarem Avenida Niemeyer por causa do trânsito em aberto.
Eduardo Vicente da Cruz, de 36 anos, pedalou pela via na manhã deste sábado.
— Naturalmente os ciclistas vão perceber que a via está reaberta. Mas é necessário muito cuidado nesse momento porque muitas pessoas podem estar desavisadas — alertou.
Crivella comemorou decisão
Nesta sexta-feira, em vídeo, o prefeito tinha comemorado a decisão do presidente do STJ, o ministro João Noronha, que segundo ele, levou em consideração, entre outros pontos, a “interferência indevida do Tribunal de Justiça em matéria de competência da Prefeitura”.
— Ele levou em consideração o prejuízo da mobilidade urbana, a lesão à economia da cidade, o término das obras de geotécnica realizadas pela prefeitura e a interferência indevida do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em matéria de competência da prefeitura. Essa decisão engrandece e enobrece a posição dos nossos engenheiros e procuradores. Amanhã (este sábado), às 6h, reabre a Niemeyer — afirmou o prefeito. O conteúdo da decisão, porém ainda é desconhecido. A previsão é que seja publicada na próxima terça-feira, dia 10.
Presidente do STJ diz que, diante dos relatórios, ‘há segurança’ para reabertura da Niemeyer
No site do STJ, João Otávio de Noronha comenta sua decisão. Segundo ele, a prefeitura conseguiu mostrar, após as obras, que a Niemeyer é segura para o tráfego:
— Segundo os relatórios técnicos acostados, há segurança para reabertura do tráfego na avenida, além de as obras emergenciais terem sido concluídas — declarou o ministro.
Ligação entre os bairros de São Conrado e Leblon, na Zona Sul, a Avenida Niemeyer faz parte do eixo que vai da Zona Oeste ao Centro da cidade. Antes de seu fechamento, circulavam pela avenida pelo menos 36 mil veículos por dia.
Procuradoria do Município afirma ao STJ que ‘obras emergenciais já foram concluídas’
No pedido feito ao STJ, a Procuradoria Geral do Município afirma que “as obras emergenciais nas encostas já foram concluídas, de tal maneira que o risco geológico inicial, que justificou a concessão do provimento de urgência, não existe mais”.
Em quase todos os laudos feitos pelos peritos nomeados pelo Tribunal de Justiça do Rio, os especialistas afirmavam temer que houvesse deslizamento até em tempo seco, e não era possível garantir 100% a segurança da via. Decisão do STJ acontece dois dias depois que pedra furou barreira de proteção e caiu na beirada da Niemeyer. Para rebater o argumento, a prefeitura afirma em seu pedido que “não se pode desprezar o fato inexorável de que todos nós vivemos em uma sociedade de risco.”
“O fato é que, após a conclusão das obras emergenciais e conforme informações do Corpo Técnico da Prefeitura há segurança para a reabertura da Avenida Niemeyer, seja porque as milionárias intervenções realizadas na localidade tornaram a encosta mais resiliente a fortes chuvas e tempestades, seja pela instituição de um criterioso protocolo de fechamento da via em caso de chuvas moderadas.”, diz trecho da petição.
Ao processo também foram juntados fotos e estudos técnicos da Geo-Rio, além de números sobre a recessão econômica do estado do Rio e dos hotéis da região. Segundo a prefeitura, ao fechar a via, o “judiciário fluminense, na decisão que se pretende suspender, lamentavelmente, acabou contribuindo para o agravamento desse cenário”.
A Prefeitura do Rio informou, em nota, que investiu mais de R$ 34 milhões em 56 intervenções ao longo da Avenida Niemeyer e que foram demolidas 34 casas em situação de risco ao longo da avenida, com 34 famílias recebendo aluguel social atualmente. Outras 17 construções, em que moram 30 famílias, também serão demolidas.
A cronologia do fechamento da Niemeyer
- O primeiro deslizamento que atingiu a Avenida Niemeyer ocorreu na madrugada de 6 de fevereiro. Na ocasião a terra atingiu um ônibus, que deixou duas vítimas, além de derrubar parte da ciclovia Tim Maia. A via foi reaberta após 12 dias de interdição, feita pela própria prefeitura;
- No íncio de abril, dois meses depois, após novo temporal, a prefeitura voltou a interditar a Niemeyer por cinco dias. Por causa dos estragos que as chuvas causaram na cidade, o município mudou protocolo de ação em dias de temporais;
- Já no dia 28 de abril, após uma tempestade com ventos fortes que derrubou 185 árvores na cidade, a via foi interditada preventivamente;
- No dia 16 de maio um novo deslizamento atingiu a Niemeyer. A lama abriu uma fenda desde o alto da encosta, onde está localizada a comunidade do Vidigal; A via foi reaberta pela prefeitura, mas no dia seguinte, com a volta da chuva, mais lama invadiu a pista, o que levou a interdição por cerca de 12 horas. Por causa dos estragos na cidade, Crivella pediu para a população não sair de casa, sobretudo no deslocamento entre Barra e Zona Sul;
- Uma semana depois o Ministério Público pediu a interdição da Avenida. A ação pediu a remoção de pessoas de casas que estejam no trecho voltado para a avenida, além de obras de contenção . No dia seguinte o prefeito Crivella tentou tranquilizar os cariocas: ‘Se a prefeitura liberou, é porque pode passar’;
- No dia 28 de maio a Justiça determina interdição imediata da Avenida Niemeyer: ‘Tragédia não tem data marcada para acontecer’, afirmou a juíza em sua decisão;
- Após decisão de manter interdição na Niemeyer, Crivella afirmou que a Justiça deveria se pôr no ‘seu lugar’. Já os técnicos da Geo-Rio garantiam segurança da Avenida Niemeyer somente em dias sem chuvas;
- No fim de maio, um laudo independente foi feito a pedido da Justiça, que manteve a interdição da via. Em sua decisão, a juíza Mirela Erbist ressaltou que medida é por questões de proteção à vida. Os peritos apontaram o despejo de esgoto como fator de risco para novos desabamentos;
- Em junho, prefeitura anunciou que as obras da Avenida Niemeyer só terminariam em novembro ao custo de R$ 31 milhões;
- Depois de 48 anos de funcionamento, o emblemático Motel Vip’s fechou. A situação, piorou com interdições, o que culminou em uma queda de 60% no faturamento.Outros moteis da região também reclamam da perda de clientes;
- Em um novo laudo os peritos voltaram a sugerir que a avenida não fosse reaberta. Engenheiros e geólogos nomeados pela Justiça apontaram risco de deslizamentos mesmo em dias sem chuva. A Justiça então manteve a interdição;
- Quase dois meses depois do início das orbas emergenciais na Avenida, o ex-chefe da Casa Civil faz acusações envolvendo obras da prefeitura. A denúncia diz que o município fazia as obras clandestinas, sem licitação e fiscalização. O Secretário de Infraestrutura disse ser ‘humanamente impossível’ cumprir a lei para realizar obras emergenciais
- Em agosto, após pedido do prefeito, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou uma investigação contra juíza que mandou fechar a Niemeyer.
- Também em agosto, o prefeito Marcelo Crivella foi flagrado pelo GLOBO utilizando a Avenida Niemeyer como rota. Crivella disse que furou bloqueio na Niemeyer para vistoria, mas atividade não constava da agenda oficial e o percurso durou apenas 10 minutos.
- Após audiência de conciliação no Tribunal de Justiça ficou acordada uma nova perícia ao longo da encosta. Os engenheiros indicados pela Justiça voltaram a sugerir a não reabertura da via, alertando o risco de deslizamento mesmo sem chuva.
- Dias depois, a prefeitura acusou peritos de extrapolarem a ética profissional por elaborar o laudo antes de ler e avaliar o documento elaborado por engenheiros e geólogos do município.
- Vinte dias depois de receber a denúncia contra a juíza Mirela Erbisti, a Corregedoria-Geral de Justiça do Rio arquivou a investigação.
- Em documento entregue no fim de agosto ao CPI das Obras Inacabadas, a prefeitura afirmou que nenhuma das cinco obras na encosta da Niemeyer havia chegado à metade do previsto.
- Em outubro, Crivella voltou a critica a juíza Mirela Erbisti , que fechou Niemeyer: ‘Ela tem site que ensina a conseguir namorado. Eu sou engenheiro.’. A Juíza atacada por Crivella tem um canal sobre direitos da mulher e cidadania . O prefeito pediu desculpas pelo comentário, que atribuiu ao “espírito carioca“.
- Um novo laudo elaborado pelos peritos apontou que aponta que ainda havia riscos em caso de reabertura da Avenida Niemeyer. Os engenheiros se mostraram preocupados com “riscos operacionais das obras“.
- As obras não terminaram no prazo dado pela prefeitura. Com o avançar das intervenções, a avenida virou um canteiro de obras
- O município ainda anunciou o adiamento da construção de um muro de contenção para garantir a estabilidade e a segurança da encosta.
- No fim de novembro, parte de muro do Motel Vip’s desabou na Avenida Niemeyer. O prefeito responsabilizou o estabelecimento pela queda.
- Após queda de muro de motel e atraso nas obras, Justiça pede novo laudo sobre riscos da Niemeyer. Os peritos então constataram que haviam trechos com obras pela metade.
- Após o novo laudo, o desembargador relator do caso Niemeyer, que já havia votado para a reabertura da via em tempo seco, pediu para sair do processo .
- No começo de março, uma pedra se descolou de uma rocha e furou uma barreira de proteção.
- Dias depois, o STJ concede uma liminar para a reabertura da Niemeyer após 9 meses. Ao comemorar a decisão, Crivella diz que houve “interferência indevida do Tribunal de Justiça em matéria de competência da Prefeitura”:
Fonte: O Globo