Jornal Povo

Regina Duarte: O que a classe artística achou da primeira entrevista da secretária da Cultura

RIO – Em entrevista ao “Fantástico” no domingo, Regina Duarte lamentou “ter perdido tanto tempo desfazendo intrigas” sobre a equipe que está criando para acompanhá-la na Secretaria Especial da Cultura. Mas a própria fala da secretária acabou gerando reações fortes dentro e fora da esfera do poder.

Se entre os apoiadores do governo o que caiu mal foi a referência a uma “facção” que quer a sua queda, para artistas e produtores culturais o trecho da entrevista que gerou maior preocupação nada tinha a ver com brigas internas.

Ao ser perguntada sobre um “movimento conservador para coibir determinadas formas de expressões artísticas”, Regina afirmou que o dinheiro público deve ser “usado de acordo com o que a população que elegeu o governo espera dele”.

— Você não vai fazer filme pra agradar a minoria com dinheiro público — respondeu ela, acrescentando que “todos estão livres para se expressar, contanto que busquem patrocínios na sociedade civil”.

Para os realizadores, Regina demonstrou desconhecimento do funcionamento do mecanismos como o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que tem como uma das principais fontes de receita a própria atividade audiovisual, por meio da arrecadação da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional).

Ainda assim, para a maior parte dos artistas e produtores ouvidos, Regina é uma opção mais segura para a classe do que possíveis nomes mais alinhados com os ideais de Roberto Alvim, o ex-secretário que caiu por plagiar trechos de um discurso nazista.

Confira, a seguir, a visão deles sobre as declarações da secretária.

Fernando Meirelles, cineasta

“A graça da cultura e sua principal virtude é justamente a diversidade. É das bordas, das veredas, das vielas que sempre vem o novo. Apoiar apenas cultura mainstream é investir no que se conhece, em repetição de fórmulas.

Vale repensar este conceito.

Discordo da Regina Duarte na maioria das coisas que ela pensa e diz, mas acho que no atual contexto ela ainda é uma ponte mais sensata do que um eventual Tutuca ou alguma Reverenda Jane que viria no lugar Pragmaticamente, me sinto mais seguro com a Regina.”

Luiz Carlos Barreto, produtor e cineasta

“Dentro das circunstâncias, achei a entrevista bastante boa. Regina fez acenos positivos no sentido da pacificação. Ela também está consciente de que está se imolando numa fogueira perigosa. Está se mostrando consciente dos perigos que corre ao assumir a posição, ela tem bom senso. Denunciou que há uma espécie de gangue, um pessoal de extrema-direita, o que ela não é, querendo desestabilizá-la. É positiva a posição que assume de não misturar a política cultural com política partidária.

Quando ela diz que o dinheiro público não vai financiar conteúdo para minoria há um equívoco, pois os recursos que são usados no cinema não são públicos. São do fundo setorial, que é mantido pela próprio meio. Mas isso nenhum ministro da Cultura dos mandatos e Lula, Dilma ou Temer se interessou em esclarecer, porque dava ao ministro o poder de controlar esse dinheiro. Dizer se ela ficará no cargo ou não é previsão de cartomante. Torço para que dure e faça o que está dizendo. Acredito que se ela mantiver o diálogo com a classe e a cultura isolada de política partidária, 80% dos nossos problemas estarão resolvidos. Ela disse que a produção cultural tem que ser livre, que quem deve julgar é o público que consome. Que assim seja.”

Emanoel Araújo, diretor do Museu Afro-Brasil

“Regina Duarte deveria ter colocado como condição para aceitar o cargo a exoneração do Sérgio Camargo da Fundação Palmares. Não a conheço pessoalmente, mas não é possível manter no cargo uma pessoa que diz tantas barbaridades, que representa um atraso aos avanços da sociedade brasileira. Ele pode comprometer conquistas que nem chegaram a ser totalmente incorporadas. É preciso que a secretária entenda a importância da afrobrasilidade e de tantos artistas e pensadores negros que transformaram nossa cultura.”

Hilton Lacerda, cineasta

“Essa afirmação (de que não se deve fazer filme com dinheiro público para agradar minorias) demonstra que ela não entende o significado de “minorias”, da função do Estado como promotor de cultura e dos próprios mecanismos de fomento. Já estamos enfrentando um dirigismo cultural, feito a partir do discurso perigoso de que os artistas vivem de recursos públicos. Não existe nada pior para um artista do que a autocensura, que é algo que pode se aprofundar.”

Mariza Leão, produtora

“Não é possível qualquer tipo de diálogo sobre política cultural sem o mínimo de embasamento, como esta fala da secretária sobre minorias. O que é agradar minorias? E quem é a maioria? São as pessoas que, em 2018, votaram no Bolsonaro? Será que hoje esses mesmos eleitores pensam da mesma forma?

O voto em uma figura conservadora não reflete necessariamente o tal perfil de uma suposta maioria. O filme mais visto no país em 2019/2020 é uma comédia protagonizada por um ator gay vestido de mulher.

O desgaste precoce da Regina e uma possível queda podem piorar ainda mais a situação, pois cada passo tomado pelo governo parece uma tática para atingir os verdadeiros objetivos lá na frente.”

Fonte: O Globo

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