O Brasil caminha para mais um ano de fraco crescimento.
Nas últimas semanas, bancos e consultorias começaram a rebaixar as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020. No início do ano, as expectativas mais otimistas previam que a economia brasileira pudesse crescer até 3%. Hoje, a maioria dos analistas projeta apenas uma alta entre 1,5% e 2%. E pior: já embutem um risco de baixa nessas previsões.
Se as projeções se confirmarem, será o quarto ano de crescimento do Brasil na casa de 1% – um desempenho bastante fraco depois uma recessão tão forte como a que ocorreu no biênio 2015 e 2016.
Por trás de um novo ano de pessimismo está uma combinação perversa: a economia global está desacelerando, com o risco de recessão diante do avanço do coronavírus, e, internamente, o Brasil lida com uma grande incerteza sobre capacidade de o governo avançar com uma agenda de reformas que garanta a solidez fiscal e melhore o ambiente de negócios do país.
As revisões nas projeções ganharam corpo com o avanço do coronavírus. O surto tem provocado um impacto direto em todas as economias, com fronteiras sendo fechadas, produções sendo interrompidas e afetando a cadeia de suprimentos, além de empresas indicando resultados mais fracos.
“Com esse choque do coronavírus se estendendo até o fim do ano, que é provavelmente o que vai acontecer, me parece que a economia brasileira está correndo um risco muito sério de ter não só uma taxa de crescimento muito mais baixa do que 1%. Há um risco, não desprezível, de um PIB estagnado ou até de uma levíssima recessão”, diz Monica De Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economic.
A piora da economia global aumentou de patamar nesta semana com o tombo do preço do petróleo e a indicação que os estragos do coronavírus devem durar mais que o esperado. Na segunda-feira (9), o barril da commodity despencou mais de 20%, o maior recuo desde a Guerra do Golfo, detonando uma queda nas bolsas de valores por todo o globo nos últimos dias.
A queda da cotação do petróleo teve como pano de fundo a falta de acordo entre a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) e a Rússia para reduzir a produção, em meio a uma economia global tão desaquecida por causa do coronavírus. Como resposta, a Arábia Saudita – maior exportadora do produto – decidiu aumentar a produção e reduzir o preço do barril.
Para tentar conter a piora da atividade mundial, as maiores economias têm acenado com estímulos monetários e fiscais. Na semana passada, o Federal Reserve (banco central norte-americano) reduziu as taxas de juros em 0,5 ponto percentual de forma extraordinária, para uma faixa de 1% a 1,25% ao ano. Na quarta-feira, foi a vez do Banco da Inglaterra anunciar uma queda emergencial dos juros.
Embora quase todos os países estejam prometendo um arsenal de medidas, há muitas dúvidas sobre a real capacidade desses estímulos levantarem a economia global. Atualmente, todos os países estão com as taxas de juros num patamar bastante baixo, ou seja, há pouco espaço para um efeito concreto da política monetária. Juros mais baixos diminuem o custo dos empréstimos para empresas e famílias e, portanto, ajudam a estimular o investimento e o consumo.
A falta de potência da política monetária pode levar o mundo para um quadro mais complicado do que o observado em 2008, quando atividade global sucumbiu à crise financeira. Há 12 anos, os juros das maiores economias estavam mais altos e, portanto, havia espaço para um estímulo monetário.
“Estamos a caminho de uma boa desaceleração do crescimento mundial numa situação que, em certo sentido, é pior do que em 2008. No passado, existia um instrumento monetário para poder combater aquela recessão. Hoje em dia, os bancos centrais ao redor do mundo não têm mais esse instrumento. São poucos os países que têm”, diz Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central.
Incerteza local
No Brasil, há uma incerteza sobre a capacidade do governo de avançar com reformas importantes e garantir a aprovação de medidas que garantam a sustentabilidade do teto de gastos, da situação fiscal do país e ainda permitam a melhora do ambiente de negócios.
O governo, na leitura dos analistas, teve um êxito importante com a aprovação da reforma da Previdência no ano passado. Mas a lista de medidas ainda é grande. É preciso endereçar a aprovação, sobretudo, da PEC Emergencial e das reformas administrativas e tributárias.
Para serem aprovadas, todas essas medidas dependem de uma ampla maioria no Congresso. Hoje, o presidente Jair Bolsonaro não tem partido nem base e, por vezes, mantém um enfrentamento com o parlamento.
“Eu nunca tive um crescimento muito elevado para 2020 porque é difícil fazer reformas”, afirma Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). “Se a gente tivesse talvez um ambiente mais harmônico entre Executivo e Legislativo,eu ficaria um pouco mais otimista.”
Na quarta-feira, por exemplo, o governo sofreu uma derrota depois que deputados e senadores derrubaram o veto de Bolsonaro a um projeto de lei que eleva o limite de renda para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A manutenção do veto era considerada importante para a consolidação do ajuste fiscal. Segundo o Ministério da Economia, o efeito nas contas públicas será de cerca de R$ 20 bilhões por ano, e chegará a cerca de R$ 23,3 bilhões em 2029.
Fonte: G1