Jornal Povo

Coronavírus: coinfecção com influenza é possível e seria desastre epidemiológico

Na esteira do combate à Covid-19, o vírus da influenza também gera preocupação. Especialistas afirmam que uma coinfecção do novo coronavírus com a influenza não só é possível como seria um desastre do ponto de vista epidemiológico.

— É possível haver coinfecção, tivemos relatos em outros países. No Brasil, neste ano, aparentemente poderia ser com o H1N1, e até mais com a cepa B da influenza. Ainda não sabemos. Mas qualquer infecção adicional potencialmente grave circulando junto com o coronavírus só vai piorar a situação epidemiológica — diz Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, referência nacional na produção de soros e vacinas em São Paulo.

Segundo o Ministério da Saúde, até 29 de fevereiro deste ano foram registrados 90 casos de influenza A (H1N1) e seis óbitos no Brasil. Até esta data, o estado de São Paulo concentrava o maior número de casos de H1N1, assim como concentra, hoje, a maior parte dos casos do novo coronavírus.

Ambos provocam infecções respiratórias com sintomas parecidos e, juntos, podem agravar a recuperação de um paciente, mesmo jovem.

— Embora sejam vírus diferentes, tanto o H1N1 quanto o Sars-CoV-2 (acrônimo que designa o novo coronavírus) têm o mesmo alvo, que é o trato respiratório inferior. Juntos, podem causar uma pneumonia grave. É como se tivéssemos agentes duplos destruindo células e causando uma série de problemas em uma mesma região do corpo — explica a virologista Clarissa Damaso, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo a virologista, uma coinfecção piora o quadro de um órgão já debilitado por outra infecção.

— São dois vírus que atuam para detonar a função respiratória. É muito grave – afirma.

Clarissa compara a atuação dos dois vírus a de outros que atacam, preferencialmente, o trato respiratório superior, como os rinovírus.

— O quadro de um rinovírus, por exemplo, envolve nariz escorrendo, olhos lacrimejando. O alvo é o trato respiratório superior. O quadro clínico é claro, leve, não causa pneumonia. Mas o Sars-CoV-2 replica no trato respiratório superior e no inferior. Se a pessoa ainda se infectar com H1N1, que ataca o mesmo lugar e pode causar pneumonia grave, as chances de recuperação pioram muito — explica a virologista.

Na temporada de inverno 2019-2020 nos Estados Unidos, mais de 16 mil pessoas morreram por influenza, e outras 280 mil acabaram hospitalizadas pelo mesmo motivo.

A diferença – também um fator a se tirar vantagem – é que para a influenza já existe uma vacina, ao contrário do novo coronavírus.

— A vacina não garante proteção total, mas ela pode impedir a infecção, e ainda diminui a taxa de internação por influenza grave. E isso é fundamental tanto para não ocupar leitos que podem ser usados para pacientes com o novo coronavírus quanto para evitar a coinfecção, que pode ser séria inclusive em pacientes jovens — completa a professora da UFRJ.

Vacina trivalente

Seguindo recomendação de especialistas do Hemisfério Norte, que indicam as cepas que devem constar na campanha de vacinação prévia ao inverno no Hemisfério Sul, a vacina deste ano no Brasil contém novas cepas do vírus da gripe.

Produzida pelo Instituto Butantan, a vacina influenza trivalente protege contra infecções pelos vírus da influenza A H1N1, H3N2 e B.

— A gripe leva muita gente a buscar assistência médica. Para facilitar o diagnóstico e evitar o acúmulo de pessoas no sistema de saúde, é recomendado imunizar a população, principalmente idosos e profissionais de saúde, que são os sofrem o maior impacto da epidemia do novo coronavírus — explica Dimas Covas.

Para a médica infectologista Carolina Lázari, do Fleury Medicina e Saúde, em São Paulo, a circulação de influenza parece antecipada este ano em relação ao observado em anos anteriores.

Vários casos entre os já descartados para o novo coronavírus pelo Ministério da Saúde revelaram-se, aliás, casos de influenza.

— Já temos uma circulação intensa de influenza nesta época do ano – diz Carolina. – E não só de H1N1, mas H3N2 e influenza B também.

Normalmente, a campanha de vacinação começa em abril, para que até maio, antes do inverno, os grupos de maior risco estejam protegidos. A campanha deste ano foi antecipada para março na tentativa de ajudar a reduzir os quadros de infecção respiratória.

— As pessoas estão muito voltadas para o coronavírus – diz Carolina. — Mas não podemos esquecer que a influenza está aí, sempre esteve, e neste ano parece que chegou mais cedo.

Fonte: O Globo

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