A certidão de óbito do aposentado Antônio Edson Mesquita Mariano, de 67 anos, indica a provável causa da morte: “suspeita de infecção por Covid-19”. Morador da Rocinha, ele morreu às 9h35 desta segunda-feira (30). No mesmo dia, por volta das 23h30, morreu Maria Luiza Santana do Nascimento, de 70 anos, outro caso na favela apontado como possível infecção por coronavírus.
O documento com dados sobre a morte de Mariano também menciona “diabetes mellitus tipo 2” e “hipertensão arterial sistêmica” – duas doenças preexistentes.
Apesar do histórico de saúde, o garçom Antônio José Moreira Mariano, de 38 anos, filho de Mariano, afirma que seu pai tinha uma vida ativa, sem apresentar sintomas das doenças. “Meu pai vivia bem, tomava os remédios diários para pressão, para o coração e insulina. Mas não era um idoso cansado que passava o dia sentado no sofá”, ponderou ele, em entrevista a ÉPOCA.
Mariano morava perto do Largo do Boiadeiro – principal área comercial da Rocinha. De acordo com o filho, os primeiros sintomas surgiram em 25 de março.
Com a progressão de tosse, dor de cabeça e febre alta, o aposentado foi à Clínica da Família Rinaldo De Lamare, no bairro de São Conrado, na Zona Sul do Rio.
Na ocasião, Mariano foi diagnosticado com pneumonia, segundo o relato do filho.
Três dias depois, Mariano precisou voltar à Clínica da Família. O antibiótico para o pulmão infeccionado e a dipirona para controlar a febre não fizeram efeito. Ele foi novamente examinado e liberado para voltar para casa.
O quadro de Mariano piorou na madrugada de segunda-feira, dia 30. Antônio José conta que seu pai acordou com falta de ar e eles decidiram ir até a Coordenação de Emergência Regional (CER) Professor Nova Monteiro, anexa ao Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon.
“Meu pai tinha muita dificuldade para respirar, nós chegamos com ele desmaiado na cadeira de rodas. Ele entrou no CER e foi para a sala vermelha, dos casos mais graves. Então o médico disse para eu sair e essa foi a última vez que vi meu pai vivo. Uns 20 minutos depois o médico voltou e disse que meu pai teve uma parada cardiorespiratória e morreu”, afirmou.
Uma cena marcou Antônio José: o corpo do seu pai removido por funcionários da funerária que calçavam botas e vestiam macacões com capuz, cobertos da cabeça aos pés. Conforme as recomendações do Ministério da Saúde, o caixão permaneceu fechado por todo o tempo.
“Não houve velório. Eu apenas aguardei para assinar os papéis e logo depois o corpo foi cremado no Cemitério da Penitência, no Caju. Tudo muito rápido”, disse Antônio José.
‘NÃO TEM TESTE NENHUM’
Ele revelou surpresa ao ver a certidão de óbito com a informação da suspeita de infecção por coronavírus. Ele percebia que os sintomas do pai correspondiam aos da Covid-19, mas até então a doença não havia sido mencionada pelos médicos.
“Resolveram fazer o teste quando meu pai estava praticamente morto. Colocaram o respirador na hora da reanimação para ver se ele sobrevivia. Então não tem nada desse negócio de ‘vamos testar as pessoas’. Não tem teste nenhum”, lamentou.
Enquanto aguarda o resultado do teste do pai, Antônio José acompanha sua mãe no Hospital Federal da Lagoa.
Maria Lúcia Moreira Mariano, de 63 anos, é diabética, faz hemodiálise três vezes por semana e apresentava febre. Diante desse quadro, os médicos decidiram interná-la.
Mariano e Maria Lúcia nasceram na mesma cidade: Sobral, no Ceará. O casal veio para o Rio de Janeiro em 1974 para tentar uma vida melhor. Antônio José descreveu o pai como uma pessoa que se esforçou para dar dignidade aos filhos.
“Era um homem analfabeto que veio ao Rio em busca do sonho de uma vida melhor. Não deu luxo para os três filhos, mas nunca deixou faltar nada para a gente. Eu perdi meu pai. Espero que as autoridades façam algo para impedir a repetição desses casos”, disse ele.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que Mariano “se queixava de dor abdominal e foi medicado para isso. Não havia naquele momento sintoma que levasse à suspeita de Covid-19. Já quando procurou o CER Leblon, apresentando outras queixas e sintomas, foi levantada a suspeita de infecção pelo coronavírus e colhida amostra para realização do exame”.
A OUTRA MORTE DA ROCINHA
A Covid-19 também é apontada como possível causa da morte de Maria Luiza Santana do Nascimento, de 70 anos, a outra moradora da Rocinha classificada como caso suspeito.
De acordo com as autoridades de saúde do município, Maria Luiza, ao dar entrada, “não preenchia os critérios clínicos para transferência para unidade de referência para o coronavírus. Ela ficou sob cuidados da unidade e, com o agravamento do quadro, chegou a ser entubada, mas não resistiu”.
Em nota, a Secretaria de Saúde lamentou as duas mortes: “Todo atendimento prestado seguiu os protocolos do Ministério da Saúde para detecção e cuidados dos possíveis casos de infecção pelo coronavírus. Nos dois casos, foram coletadas amostras para teste específico e o município ainda aguarda o resultado do exame. Casos de óbito só são incluídos nas estatísticas de monitoramento da doença depois que sai o resultado positivo do exame”.
Fonte: Revista Época