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Coronavírus: tráfico rouba carros e cobra resgate para compensar queda na venda de drogas

Para compensar a queda na venda de drogas durante a pandemia de coronavírus, traficantes da Baixada Fluminense migraram para uma nova modalidade criminosa: passaram a roubar carros de motoristas de aplicativos dentro das favelas e pedir resgate para devolver os automóveis. A prática foi detectada pelo batalhão de Belford Roxo, o 39º BPM, em oito favelas dominadas por duas facções diferentes no município. Os traficantes criaram até uma tabela de preços: o resgate de carros populares custa de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil, o de um veículo importado pode chegar a R$ 5 mil.

Um relatório do batalhão obtido pelo EXTRA detalha como funciona o esquema — que financia a guerra que quadrilhas rivais travam pela Favela da Palmeira, também em Belford Roxo. Criminosos solicitam carros de aplicativos em vias de acesso às favelas. Geralmente, as contas usadas são de mulheres. Em alguns casos, os pedidos são feito de outras localidades, por comparsas, mas os dados da favelas são inseridos. Quando os motoristas chegam ao local, são rendidos, e o carro é levado.

Em seguida, os traficantes têm diversas formas de transformar o produto do roubo em dinheiro. A primeira é o resgate: “por meio de aplicativos de mensagens, são divulgadas fotos e placas dos veículos, exigindo-se vantagem pecuniária para serem devolvidos aos proprietários ou cooperativas de proteção veicular e até mesmo empresas de seguro”, explica o relatório. Segundo a PM, a quadrilha tem acordos com cooperativas para que os traficantes informem sobre os carros roubados.

Se o dono do veículo não for achado, os carros “são envolvidos em negociações com matutos” — ou seja, fornecedores de armas e drogas. Segundo a PM, as favelas de Belford Roxo são abastecidas por rotas que passam por São Paulo.

Festa de Páscoa na Favela da Guacha
Festa de Páscoa na Favela da Guacha Foto: Reprodução

Por fim, se não houver mais interesse nos carros, eles são depenados. Peças de interesse comercial são retiradas e usadas na clonagem de carros ou vendidas em ferros velhos e vendedores de peças de segunda mão. As carcaças “são encaminhadas a empresas de prensa e reciclagem”.

Um levantamento feito pelo Disque-Denúncia (2253-1177) a pedido do EXTRA confirma a mudança no modus operandi do tráfico em Belford Roxo durante a pandemia. “Denúncias analisadas trazem indicações de modificações nas formas de atuação desses traficantes, sobretudo no período entre o final do mês de março e início do mês de abril de 2020”, aponta o relatório.

O esquema dos roubos de carros foi adaptado para dificultar o trabalho da polícia. Até o final do ano passado, os carros eram roubados fora das favelas, por ladrões que usavam armas “emprestadas” pelos traficantes. No final do ano passado, o 39º BPM mapeou locais com maior quantidade de roubos e passou a abordar os criminosos, o que causou a mudança de estratégia.

As favelas que utilizam o esquema são Parque São José, Colejão, Machado, Santa Tereza, Guacha, Barro Vermelho e Gogó da Ema — ocupadas pela facção de Vigário Geral. Crimes também foram registrados no Roseiral — dominada pela mesma facção do Complexo da Penha.

Milicianos distribuem chocolate na Zona Oeste
Milicianos distribuem chocolate na Zona Oeste Foto: Reprodução

Milícia: cobranças continuam

A crise causada pela pandemia não causou mudanças nas cobranças clandestinas da milícia do Rio na zonas Norte e Oeste da capital e na Baixada Fluminense. A Polícia Civil monitora as atividades de extorsão dos grupos paramilitares e já recebeu denúncias de que os valores cobrados de comerciantes e moradores seguem os mesmos. Donos de bares e lojas são forçados a manter os estabelecimentos abertos para pagar as taxas.

No último dia 2, por exemplo, um homem foi preso em flagrante por agentes do 18º BPM (Jacarepaguá), com um rádio e boletos de cobrança circulando pela Favela Bateau Mouche, na Praça Seca. Segundo os agentes que fizeram a prisão, Wilton de Carvalho Barbosa foi detido enquanto cobrava moradores.

Por outro lado, policiais que investigam a milícia afirmam que houve aumento nas atividades assistencialistas durante a pandemia. Na Favela Três Pontes, em Santa Cruz, reduto de Wellington Braga, o Ecko, chefe da maior milícia do Rio, os paramilitares encheram uma picape com caixas de bombons e distribuíram pela comunidade.

Fonte: Jornal Extra