Jornal Povo

Para aquecer vendas, China ‘dá’ dinheiro para clientes comprarem carros

Em um ano normal, a China já teria vendido mais de 6 milhões de carros novos nessa época. Neste ano, o número está próximo de 3,7 milhões. Agora, o governo está distribuindo dinheiro para ajudar o maior mercado automotivo do mundo a se recuperar depois da pandemia de coronavírus .

As vendas de carros caíram 42% no primeiro trimestre de 2020 em comparação ao ano passado, de acordo com dados divulgados no final da semana passada pela Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis (CAAM na sigla em inglês). Embora isso se deva principalmente a uma queda colossal de 79% em fevereiro (quando o país de 1,4 bilhão de pessoas registrou apenas 310 mil vendas), o mercado permanece muito fraco. Apenas 1,43 milhão de veículos foram vendidos na China no mês passado, o que representa uma queda de 43% em relação a março de 2019.

A indústria automobilística desempenha um papel crucial na economia da China. Mais de 40 milhões de pessoas no país dependem no setor para empregos, direta ou indiretamente. As montadoras e as empresas associadas geram mais de US$ 1 trilhão em receita a cada ano — ou seja, aproximadamente 10% da produção industrial da China.

Um mercado de automóveis saudável na China também é importante para o resto do mundo. Montadoras globais como a Volkswagen (VLKAF) e General Motors (GM) vendem milhões de carros anualmente na China — essas duas empresas, por exemplo, dependem do país para aproximadamente 40% de suas vendas totais.

Voltar a algo semelhante à normalidade, no entanto, será difícil para a China. A economia ainda está tentando se recuperar depois que o governo tentou acabar o surto de coronavírus colocando cidades inteiras em confinamento e restringindo viagens. A fabricação de automóveis parou quando as medidas forçaram as indústrias a fechar, com efeito imediato nas cadeias de suprimentos. Grande parte do mundo também ainda está fechada, complicando a recuperação.

A produção de automóveis, pelo menos, já recomeçou na China. Até Wuhan, o epicentro original do vírus e um dos principais polos da indústria automobilística global, encerrou seu bloqueio de 76 dias na semana passada.

No entanto, conseguir que os consumidores comprem carros zero quilômetro novamente é mais difícil e fica ainda mais desafiador pelo fato de a demanda dos consumidores já ter sofrido uma queda significativa antes do vírus. As vendas totais de carros na China caíram cerca de 8% em 2019, para pouco menos de 25,8 milhões, depois de terem caído quase 3% em 2018 – a primeira contração desde os anos 90.

“Embora a interrupção da cadeia de suprimentos trazida pelo coronavírus seja certamente uma dor de cabeça para as montadoras, a demanda em queda pode ser ainda mais ameaçadora após dois anos consecutivos de contração nas vendas na China”, escreveu Alicia García-Herrero, economista-chefe da Natixis na Ásia-Pacífico, em nota recente.

García-Herrero acrescentou em uma entrevista ao CNN Business que a queda de 43% em março, enquanto uma melhora em relação a fevereiro, ainda era “maciça”, especialmente devido à desaceleração que já estava em andamento.

Uma ‘necessidade urgente’ de aumentar as vendas

A China sabe que tem um problema de demanda em suas mãos. A CAAM disse em comunicado na sexta-feira que, conforme as montadoras reiniciam a produção, o aumento das vendas é agora a “principal questão” do setor e uma “necessidade urgente”.

Embora o mercado de automóveis possa se recuperar no segundo trimestre, é improvável que a China consiga compensar suas perdas no primeiro trimestre, acrescentou a CAAM.

A associação do setor não divulgou uma nova previsão de vendas este ano. Antes da pandemia, previa uma queda de 2% em 2020. As estimativas independentes recentes, no entanto, foram bem mais duras: a queda pode ser de até 10% neste ano, de acordo com uma análise da S&P Ratings publicada na semana passada.

A China está tomando medidas para tentar aumentar as vendas. No mês passado, o governo federal anunciou estenderia subsídios e incentivos fiscais para veículos de energia nova, como carros híbridos elétricos ou plug-in, por mais dois anos.

O país começou a cortar drasticamente esses incentivos no ano passado, a fim de eliminar empresas com baixo desempenho. Mas os veículos elétricos sofreram mais do que o mercado mais amplo. No mês passado, apenas 53 mil carros desse tipo foram vendidos, uma queda de 53% em relação ao ano anterior. (Esses números, no entanto, excluem a Tesla (TSLA), a montadora norte-americana que ultimamente tem pressionado mais os clientes chineses.)

Os governos locais também estão tomando ações parecidas. Mais de uma dezena de cidades ou províncias encorajaram as pessoas a comprar carros. A principal forma foi a oferta de subsídios em dinheiro de até US$ 1.400 por veículo.

O país provavelmente espera que a demanda retorne à medida que as escolas reabram nesta primavera e com a proximidade da temporada de verão (respectivamente, outono e inverno no Hemisfério Sul). A necessidade de levar as crianças de e para a escola é uma grande razão pela qual as pessoas na China compram carros, de acordo com a CPCA (China Passenger Car Association), outra associação do setor.

O secretário-geral da CPCA, Cui Dongshu, também observou no início deste mês que o feriado do Dia do Trabalho da China durará cinco dias em maio deste ano, período maior do que em mais de uma década. Ele espera que o desejo de viajar durante um longo feriado possa aumentar as vendas.

Menos dinheiro sobrando

Dar dinheiro e esperar que os motoristas retornem às ruas, no entanto, não será suficiente para salvar o mercado chinês de automóveis.

O crescimento explosivo das vendas que definiu o mercado de automóveis na China nos anos 1990 acabou. A economista Alicia García-Herrero observou em seu relatório que o poder de compra dos consumidores chineses está enfraquecendo, criando um problema estrutural subjacente que pode afetar as vendas por muito tempo.

A consequente queda de demanda por carros — e outros itens caros — pode ser atribuída a uma série de problemas que afetaram a economia da China nos últimos anos. García-Herrero lembrou, por exemplo, do aumento dos custos de moradias que reduziram a quantidade de dinheiro que os consumidores chineses podem reservar para outras compras.

Uma diferença cada vez maior entre ricos e pobres também estagnou a renda disponível, o que prejudica particularmente as vendas de veículos mais acessíveis, de acordo com o pesquisador. E as rígidas restrições regulatórias para os bancos lançadas em 2017 tornaram mais difícil para as pessoas encontrarem credores para financiar suas compras de carros.

Fonte: CNN

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