Garrincha teve a maior parte de sua carreira dedicada ao Botafogo e chegou a defender o Flamengo antes de se aposentar, mas o ídolo brasileiro também teve uma ligação com o Fluminense, mesmo sem vestir tricolor, antes de morrer. O clube das Laranjeiras foi quem abriu as portas para Manoel Castilho, filho renegado de Mané, e possibilitou o encontro para o menino conhecer o pai antes da morte do craque nos anos 80. Uma história que estava perdida no tempo.
Para começarmos a contá-la, é preciso recapitular um pouco da conturbada vida amorosa de Garrincha, que teve cinco relacionamentos e 13 filhos. Dois destes com Iraci, apontada como amante do craque no início de sua carreira. Em 1959, ela deu à luz uma menina chamada Márcia, que foi assumida por Mané. Porém, dois anos depois, o pequeno Manoel não teve a mesma aceitação do pai ao nascer, pouco antes da separação, e só foi ser registrado em 1969, apenas com o nome da mãe.
Mas todos em Pau Grande, distrito de Magé, na região Metropolitana do Rio de Janeiro, local onde o craque nasceu, sabiam. Além dos boatos, a semelhança física não deixava dúvidas. O jornal “Manchete Esportiva” do dia 5 de setembro de 1978 descreveu: “A diferença é só uma: a camisa tricolor, que Garrincha jamais vestiu. Mas o jeito de andar, olhar e falar é idêntico. As pernas tortas de Manoel Castilho mostram que ele só podia ser filho de Mané Garrincha”.
Mas o pequeno Manoel, que cresceu com o padrasto como pai, só foi saber a verdade aos 10 anos, quando sua mãe resolveu quebrar o silêncio. A justificativa dela para esconder a história era não causar problemas na carreira de Garrincha perante a imprensa. Em entrevista para a mesma edição da “Manchete Esportiva”, o garoto contou como foi a sensação ao descobrir o segredo:
– Até receber a confirmação da minha mãe, eu desconfiava de que havia um grau qualquer de parentesco entre nós dois. Não sabia qual, mas ele existia. Quando soube que era filho do Garrincha, senti um orgulho incrível. E não era para menos. Já pensou você descobrir, aos 10 anos, quando já está sabendo das coisas, que é filho de um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos.
Mas a primeira mídia carioca que foi atrás dessa história foi “O Jornal” do dia 13 de agosto de 1972. Na época, Manoel tinha só 11 anos, mas já era visto como potencial craque. A matéria dizia: “Todos os que o viram jogar são unânimes em dizer que seus dias de glória não vão demorar muito: mais cinco ou seis anos e os campos do mundo verão incrédulos a “nova alegria do povo”. E Garrincha também verá o tempo que perdeu deixando de conhecer o seu legítimo herdeiro”.
Por ironia do destino, o clube que abriu as portas para Manoel foi o rival dos clubes onde seu pai jogou. O garoto foi descoberto por João Carlos Batista Pinheiro, o Pinheiro, ex-zagueiro do clube e técnico do time juvenil naquela época que levou o time para um amistoso em Pau Grande. Chamado para um teste em 1977, o filho do Mané foi aprovado e virou o ponta-direita do sub-17 do Fluminense.
A fábrica de talentos de Xerém ainda não existia nos anos 70, e as instalações usadas pelas categorias de base do clube eram na Urca, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Foi lá que aconteceu, sem combinar nem nada, o encontro entre pai e filho. Ao saber que o garoto de 16 anos estava no Fluminense, Garrincha, aposentado desde 1972, organizou uma visita surpresa para ser o mais natural possível.
– Papai disse que gostaria, algum dia, de me ver jogando para saber se eu realmente havia adquirido o jeito que ele tinha de jogar futebol. Examinou as minhas pernas. Ficamos um ao lado do outro. Elas são iguais, concluímos, enquanto dávamos uma risada. Foi muito legal. Sem grilos e ressentimentos. Sem queixas ou cobranças – relatou Manoel à “Manchete Esportiva” de 05/09/1978.
No Fluminense, passou a ser chamado pelo apelido de “Neném”. Tinha 1,70 m de altura, 59 kg, e o sonho de ganhar dinheiro para trazer a mãe Iraci, o padrasto Silésio e a irmã Márcia para morar com ele no Rio. Mas começou a se sentir pressionado pelas inevitáveis comparações, e seu futebol promissor não desabrochou como todos no clube esperavam.
– Não é mole ser filho do Garrincha, não. Fica todo mundo na expectativa, esperando que você realize as mesmas jogadas que viram o papai fazer. Acontece, porém, que eu nunca vi o meu pai jogar. Nem no cinema. A única chance que tive de saber, mais ou menos, o que ele fazia, foi num recente comercial que a televisão mostrou. Assim mesmo por alguns segundos – reclamou na mesma entrevista para a “Manchete Esportiva”.
Manoel Castilho acabou deixando o Fluminense no início dos anos 80 sem jogar pelos profissionais. Pelas mãos de empresários, foi guiado para uma frustrada aventura futebolística em Portugal, por Belenenses, AD Fafe e Leixa. Em seguida, foi para a Suíça através de amigos que fez na Europa e lhe ofereceram alojamento e emprego em Maggia, vilarejo da cidade de Locarno.
Quando Garrincha morreu, em 21 de janeiro de 1983, vítima de uma infecção generalizada, Manoel já estava na Europa e soube da notícia pela mãe. Em declaração ao jornal francês “Le Sport” e publicada no Brasil pelo “Jornal dos Sports” no dia 3 de dezembro de 1987, o filho do Mané lamentava. Suas lembranças do pai no período do Fluminense foram as primeiras e últimas.
– Soube por minha mãe o que estava acontecendo (com Garrincha) e isso me fazia muito mal. Queria ajudá-lo e não podia. Nem mesmo me foi possível viajar ao Brasil para vê-lo pela última vez.
Em Locarno, Manoel constituiu família, teve uma filha chamada Ana Felipa e passou a jogar pelo AC Maggia, clube amador da Terceira Divisão do país. Mas ganhava a vida trabalhando como operário de construção civil. A carreira do herdeiro de Mané não chegou nem perto do brilho da do pai, mas ambas terminaram em dificuldades e trágicas. Ele viveu até 1992, quando morreu após um acidente de carro. Tinha 31 anos.
Manoel Castilho foi o único dos três filhos homem de Garrincha que seguiu a carreira do pai. Manoel Garrincha dos Santos, fruto do casamento com a cantora Elza Soares, morreu afogado em 1986. E Ulf Lindberg, filho sueco de Mané que tem 45 anos, até tentou, mas acabou frustrado ainda na adolescência por causa de uma doença óssea. Entre os netos, Henrik Johansson, filho de Ulf, virou jogador e atualmente defende o Trelleborgs, da Segunda Divisão da Suécia.
Fonte: Globoesporte