Jornal Povo

Guedes admite que governo pode emitir moeda para financiar custos da crise

BRASÍLIA E SÃO PAULO — O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu, nesta quinta-feira, pela primeira vez, que o Banco Central (BC) pode emitir moeda para conter a crise. O BC pode também comprar dívida interna para financiar a dívida pública, afirmou. Ao comentar o assunto, em audiência pública do Congresso Nacional, o ministro disse que um bom economista não tem dogmas.

— É possível emitir moeda? Sim — disse Guedes.

Emitir moeda significa colocar mais dinheiro na economia, o que pode ser feito inclusive por meio de aumento na impressão de cédulas.

A emissão precisa ser autorizada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), hoje composto por Guedes, pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelo secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior.

O ministro desenhou um cenário de inflação zerada e juro baixo para justificar a eventual emissão. A consequência mais clássica da emissão de moeda é o descontrole da inflação ou mesmo uma crise hiperinflacionária.

Defesa da medida

“Imprimir dinheiro” para financiar o governo é defendido, por exemplo, pelo ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC Henrique Meirelles.

— Se cair numa situação que a inflação vai praticamente para zero, os juros colapsam, e existe o que a gente chama da armadilha da liquidez, o Banco Central pode sim emitir moeda e pode sim comprar dívida interna — disse Guedes.

Tecnicamente, a chamada armadilha de liquidez ocorre quando a taxa de juros nominal chega a zero ou próximo a isso, e a política monetária perde força. Com isso, os métodos tradicionais para incentivar a conomia tornam-sem ineficazes.

Nessas situações, os agentes do mercado deixam de esperar grandes retornos dos investimentos, concentrando essas aplicações no curto prazo. Com isso, a economia entraria num estado de recessão maior, além de deflação.

Por conta do coronavírus e das medidas tomadas para combater o vírus, a dívida pública deve disparar nos próximos meses, o que levantou questionamentos dos senadores sobre a capacidade do país em financiar as ações.

Guedes disse que o BC pode até mesmo comprar a dívida interna.

— Ele (o BC) pode recomprar dívida interna. Se a taxa de juros for muito baixa ninguém quer comprar título muito longo e aí pode monetizar a dívida sem que haja impacto inflacionário — disse o ministro.

BC é contra

O presidente do Banco Central já se manifestou contrário à emissão de moeda para financiar os gastos do governo no combate à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.

Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) chamada de “Orçamento de guerra” permite ao BC comprar títulos públicos e privados no mercado secundário.

Opiniões divididas

Economistas se dividem sobre a possibilidade aventada por Guedes.

Margarida Gutierrez, economista do grupo de conjuntura da UFRJ e professora do COPPEAD, afirma que, em um momento de estresse no mercado financeiro, a emissão de moeda faz sentido.

– Se isso ocorrer, contudo, o Banco Central precisa ficar atento para, eventualmente, esterilizar esta operação no futuro, caso interfira na meta Selic – disse a professora.

Já o professor Orlando Assunção Fernandes, da FAAP de São Paulo, acredita que a emissão de moedas deveria ser “a última medida” pensada pelo governo:

– Na nossa história recente isso foi feito, e o resultado foi a inflação anual de 2.380% no ano de 1993. O Plano Real foi um contrato de que tal prática não seria mais realizada – disse.

Em sua opinião, há alternativas, como o uso de reservas internacionais, a compra de títulos privados para garantir a liquidez – como fazem o Fed dos EUA e o Banco Central Europeu – e até mesmo voltar a recorrer a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

– Todas as medidas têm um lado negativo, mas considero a volta da impressão de dinheiro a pior de todas, até por ser muito difícil calibrar a dosagem – disse Fernandes.

Para Cleveland Prates, professor da FGV e sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, o cenário econômico em meio a pandemia é tão cheio de incertezas que é difícil prever o impacto das políticas monetárias.

– Será que emitir moeda vai gerar inflação? No curto prazo provavelmente não. Mas não sei qual vai ser o ajuste do lado da oferta e da demanda. É como se estivéssemos dentro daquele avião da Air France, cruzando o Atlântico, sem sensor e no meio de uma tempestade – diz Prates.

Para o professor, é preciso acertar na dosagem do remédio.

–  Vai ser um risco muito grande se mais para frente, com as contas públicas fora de controle, a gente começar a injetar mais dinheiro no mercado para financia-lo via imposto inflacionário – diz.

– Inflação a gente sabe como começa, mas não como termina. Se deixar a inflação correr solta, vai ser preciso um choque lá na frente. O grande problema é que a inflação não virá agora e talvez nem no ano que vem. Mas se houver descontrole das contas públicas virá daqui a dois, três ou quatro anos – completou Prates.

Socorro aos estados

Na audiência, o ministro disse também que os recursos que serão transferidos do governo federal para estados e municípios não podem ser transformado em aumento para servidores públicos porque isso seria uma “covardia” e “traição” com o povo brasileiro.

Guedes afirmou que é preciso prosseguir com as reformas.

— Mas nós sabemos que o mundo espera que as reformas prossigam e que a gente tenha austeridade do ponto de vista de entender que numa crise de saúde não falta dinheiro para a saúde, mas isso não pode virar uma farra eleitoral — completou.

Guedes também afirmou que o BC está usando as reservas internacionais, o que tem reduzido a dívida pública.

O ministro afirmou depois que uma solução para não ser necessário emitir moeda seria o Congresso aprovar uma propsota de emenda à Constituição (PEC) que acaba com boa parte dos fundos públicos e transfere R$ 250 bilhões para reduzir a dívida.

Fonte: O Globo