Quem conheceu Beth Carvalho diz que, além da família, a sambista teve duas grandes paixões na vida: o samba e o Botafogo. Um foi o ganha-pão. O outro, um dos amores mais correspondidos da vida da “Madrinha”, que morreu há um ano, em 30 de abril de 2019.
Além de grande sambista e uma das principais incentivadoras do mais brasileiro dos ritmos, Beth foi também torcedora devota do Alvinegro nos 72 anos de vida. Relação que a carioca cultivou com presença constante no estádio e músicas gravadas em homenagem ao time de coração. Para a filha, Luana – que é artista, como a mãe -, o clube representou, mais do que futebol, uma bandeira a levantar.
– Minha mãe era uma pessoa muito apaixonada por essência. Tudo que ela amava, amava urgentemente. E o Botafogo era uma dessas urgências. Embora não fosse uma pessoa que entendesse de futebol, era uma verdadeira torcedora, amava o futebol. Ela sempre levantou bandeiras, e quando fazia isso, era até o fim – contou.
“De todas as bandeiras que ela levantou, talvez o Botafogo tenha sido o mais recíproco. Nem sempre que o artista levanta uma bandeira tem esse reconhecimento, essa fidelidade de volta”.
Última casa
O tamanho do Botafogo na vida da Madrinha ficou ainda mais evidente no dia do adeus. Apesar da ligação estreita com o samba, o Cacique de Ramos e a Mangueira, o templo escolhido para a despedida foi General Severiano. Teve roda de samba e teve bandeira verde e rosa, mas a última festa com a presença de Beth foi na casa do clube.
– Queria agradecer ao Botafogo pelo carinho que sempre teve com a minha mãe, pelo mérito que sempre deu à paixão que ela tinha pelo time. E principalmente por oferecer a casa para que ela dormisse para sempre. Foi, fisicamente, o último afeto, o último momento de reunião. Mesmo não sendo botafoguense, fico emocionada.
“Foi o último lugar que eu vi a minha mãe junto do povo, da música… É algo muito forte. Ela nasceu, escolheu um time e morreu dentro dele”.
Relação intensa que foi transmitida para a próxima geração, apesar de a preferência clubística ter sido diferente. A filha virou Flamengo ainda na infância, mas viveu rodeada de botafoguenses e frequentou arquibancadas e tribunas em muitos jogos do clube por causa da mãe. Luana lembra, por exemplo, que a primeira vez no Maracanã no meio de torcedores alvinegros, aos quatro anos. Depois, mais velha, a presença continuou, mas com torcidas diferentes nos clássicos.
– O clube sempre honrou a torcida da minha mãe de todas as formas. O Botafogo merece que ela tivesse gravado quantas músicas fossem. Porque o Botafogo sempre esteve ali – completou.
Na arquibancada e no samba
O Alvinegro não esteve presente apenas nos momentos de lazer. A paixão também se misturou ao trabalho. Não foram poucas as vezes em que a sambista emprestou a voz e a imagem para o clube de coração. A mais célebre aconteceu em 1989, após o título carioca, quando ela gravou com um grupo todo alvinegro o “Esse é o Botafogo que eu gosto”.
Esse foi o samba mais famoso, mas não o único. Ao longo dos anos, Beth cantou ainda o hino do clube e “Amor em preto e branco”, que gravou ao lado de Zeca Pagodinho. Além de ter apresentado ao Brasil a canção “Vou festejar”, que é usada nas arquibancadas não só pela torcida do Botafogo, mas também por rivais cariocas e clubes de outros estados, como o Atlético-MG.
Além da voz e do repertório, outra marca registrada de Beth Carvalho foi a disponibilidade em abrir caminho para outros músicos e compositores. A Madrinha deixou muitos “afilhados”, e alguns partilhavam não só a paixão pelo samba, mas também pelo Botafogo. É o caso de Wanderley Monteiro, que gravou com Beth sucessos como “Água de chuva no mar”, “Pra conquistar seu coração” e “Vida de compositor”. Ele também dividiu alegrias e algumas dores de cabeça por conta do futebol.
– Quando o Botafogo estava em evidência, ou porque estava ganhando ou porque tinha problema, o que acontece com mais frequência (risos), ela sempre comentava. Ela sempre foi assídua com o time do coração, sempre mostrou a cara. Fez a parte dela para ajudar, fazer o Botafogo crescer.
Outro afilhado que também foi parceiro de estádio é Léo Russo. O músico recebeu no primeiro álbum a benção da Madrinha, que fez uma participação especial mesmo internada no hospital. O samba foi o “Tudo isso e muito mais”, que tinha nos versos Mané Garrincha e o Maracanã. E aconteceu justamente no Maracanã uma lembrança que Léo guarda com carinho: o 4 a 0 sobre o Deportivo Quito, em 2014, quando vibrou ao lado de Beth.
– Ela era muito observadora, sempre prestava bastante atenção no jogo. Quando saía gol, comemorava com muito alegria, seja qual fosse o jogo. Era uma torcedora de arquibancada igual a qualquer outro alvinegro – contou Léo.
– Ela sempre lembrava de um Botafogo x Flamengo de 1962, que o Botafogo ganhou de 3 a 0 na final. Foi um jogo especial para ela. Mas também o de 89, tanto que ela gravou a música. Falava muito sobre os grandes ídolos históricos do Botafogo. Nilton Santos era o grande ícone para ela. E também os mais recentes, como o Túlio – completou.
Depois de um ano do adeus à Madrinha, os afilhados prepararam homenagens. Léo Russo publicou nos últimos dias vídeos nas redes sociais. Já Wanderley Monteiro fará ao lado do filho, Alan, que também é músico, uma live no Instagram na próxima terça-feira, às 19h, apenas com sambas gravados por Beth Carvalho.
Fonte: Globoesporte