Após registros de agressões cometidas por apoiadores do governo em atos nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro negou que tenha havido violência, mas não especificou se falava de uma manifestação específica ou de todas. Questionado sobre as agressões, ele repetiu para os jornalistas: “Cala a boca”.
As agressões foram registradas, primeiro, na sexta-feira (1º), em um protesto de enfermeiros em frente ao Palácio do Planalto. Um pequeno grupo, cujos integrantes se apresentaram como apoiadores de Bolsonaro, começou a hostilizar os enfermeiros, defensores do isolamento social como forma de conter a epidemia de coronavírus – o presidente contesta esse método e defende a reabertura de escolas e retomada de atividades econômicas.
O segundo episódio ocorreu no domingo (3), quando profissionais de imprensa foram agredidos por militantes bolsonaristas durante um ato pró-governo, também em Brasília. O ato defendia causas inconstitucionais e antidemocráticas, como fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro abordou o tema na saída do Palácio da Alvorada, enquanto ouvia uma apoiadora que relatava ter comparecido ao protesto de enfermeiros no dia 1º e afirmava não ter havido violência.
“Para vocês entenderem como é essa imprensa que está aí. Mandei levantar se houve corpo de delito. Ele [o jornalista agredido] não pediu corpo de delito. Tá certo? Não fez corpo de delito. Então, se houve agressão, verbal, o que eles fazem o tempo todo conosco. A gente não pega agressão nenhuma, zero, zero agressão. Mas houve um superdimensionamento daquilo por parte da mídia porque o interesse deles é um só: é tirar a gente daqui”, afirmou Bolsonaro.
‘Cala a boca’
Depois de ter falado com apoiadores na saída do palácio, Bolsonaro se dirigiu ao local onde ficam os profissionais de imprensa. Ele foi questionado pelos jornalistas se havia pedido a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Carlos Henrique Oliveira.
“Cala a boca, não perguntei nada!”, gritou Bolsonaro.
Ao deixar o cargo, o ex ministro da Justiça Sergio Moro denunciou que um dos motivos da insatisfação do presidente com o ex-diretor geral da PF, Maurício Valeixo, era a resistência dele em trocar o superintendente do Rio. Moro disse ainda que Bolsonaro tenta interferir politicamente na PF.
Jornalistas tentaram fazer a pergunta sobre o superintendente outra vez. Bolsonaro, de novo, mandou que calassem a boca, aos berros.
Ele afirmou que Oliveira vai ser diretor-executivo da PF. O presidente alegou que Oliveira está sendo promovido.
Mas, ao sair da superintendência e assumir a diretoria-executiva da PF, Oliveira deixaria a linha de frente das investigações. O diretor-executivo cuida de questões administrativas da PF e de áreas como: imigração, estrangeiros, registro de armas, controle de produção de substâncias químicas, portos e aeroportos.
“Cala a boca. Cala a boca. Está saindo para ser diretor-executivo, a convite do atual diretor-geral. Não interfiro em nada. Se ele fosse desafeto meu e se eu tivesse ingerência na PF, não iria para lá. É a mensagem que vocês dão”, disse o presidente a jornalistas.
Bolsonaro afirmou ainda que não tem nada contra Oliveira e que não tenta interferir na PF.
“Não tenho nada contra o superintendente do Rio de Janeiro. E não interfiro na Polícia Federal. E ele está sendo convidado para ser diretor-executivo. É o zero dois.”
Sem controle
Mais tarde, nesta terça, o fotógrafo Orlando Brito, de 70 anos de idade, agredido na manifestação antidemocrática de domingo, foi convidado a almoçar com Bolsonaro e assessores no gabinete do presidente.
Segundo relato de Brito feito a jornalistas, o presidente alegou não ter como controlar a multidão.
“Ele [Bolsonaro] repetiu que não tem culpa, que a culpa é da multidão, que imagine se ele não vai recriminar uma história dessas”, disse Brito. “Ele disse que a multidão é incontrolável. Que ele jamais daria uma ordem para alguém agredir alguém”, acrescentou o fotógrafo.
Nota de associação
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) disse em nota que a postura de Bolsonaro, ao mandar os jornalistas calarem a boca, mostra “incapacidade de compreender a atividade jornalística”. Segundo a associação, o gesto do presidente revela também um caráter “autoritário”.
“Mais uma vez, o presidente mostra sua incapacidade de compreender a atividade jornalística e externa seu caráter autoritário. Os jornalistas trabalham para levar os fatos de interesse público ao conhecimento da população e têm o direito e o dever de inquirir as autoridades públicas”, afirmou a ANJ.
Veja a íntegra da nota:
Nota à imprensa
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) protesta com veemência contra os termos desrespeitosos com que o presidente Jair Bolsonaro se dirigiu aos jornalistas na manhã desta terça-feira.
Mais uma vez, o presidente mostra sua incapacidade de compreender a atividade jornalística e externa seu caráter autoritário. Os jornalistas trabalham para levar os fatos de interesse público ao conhecimento da população e têm o direito e o dever de inquirir as autoridades públicas.
É lamentável e preocupante que o presidente faça dos ataques aos jornalistas e ao jornalismo uma rotina contra a civilidade e a convivência democrática.
Brasília, 5 de maio de 2020.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS – ANJ