Antes uma possibilidade, a candidatura do grande benemérito Luis Manuel Fernandes à presidência do Vasco agora é uma realidade. O cientista político de 62 anos a confirmou em longa entrevista ao GloboEsporte.com. Durante o papo, repetiu por reiteradas vezes que busca a “reconstrução institucional” do clube. Para atingir tal objetivo, aposta no que trata como a bandeira principal de sua vida, seja dentro ou fora de São Januário: a da paz. Sem ela, garante Luis, o Vasco não atrai possíveis parceiros.
– Meu diagnóstico é esse: o Vasco vive uma crise política prolongada, muito polarizada e fragmentada, o que gera uma turbulência política dentro do clube que não oferece um cenário de tranquilidade para conseguir captar investimento para o clube. Com base nisso, entendo que a chave é partir da pacificação para reconstruir um ambiente de convivência que possibilite a união mais ampla possível em torno de uma agenda de reconstrução institucional.
Luis Manuel Rebelo Fernandes é o terceiro nome confirmado para as eleições cruz-maltinas de 2020, inicialmente previstas para novembro – isso pode mudar por conta da pandemia. Luiz Roberto Leven Siano e Fred Lopes já haviam anunciado suas respectivas candidaturas.
Luis já presidiu o Conselho Deliberativo e vice de relações externas do Vasco. Apesar da experiência dentro do clube, aposta que sua trajetória fora dele pode ser decisiva para triunfar como mandatário em caso de sucesso nas urnas.
– Por que fazê-lo (ser candidato)? Porque vejo como muito grave a situação do Vasco, que vive uma crise que se prolonga há algum tempo. A última conquista de âmbito não regional no futebol que tivemos já vai completar uma década. O Vasco é gigante, não pode ficar fora da primeira linha do futebol brasileiro. Mas seu desempenho esportivo não tem estado à altura do tamanho da instituição.
– A minha trajetória combina algumas características. Tenho uma ampla experiência de gestão, em geral na área de Ciência, Tecnologia e Inovação. Fui presidente de uma agência de fomento que atua como banco público de financiamento da inovação: a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Fui secretário-executivo do Ministério do Esporte e coordenador-executivo da organização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos no Brasil. Isso me abriu um leque de relacionamentos, de contatos. Em geral, o meu trabalho foi bem avaliado em toda essa trajetória.
Luis aponta que sua capacidade de pacificar ambientes foi posta à prova quando assumiu a coordenação do Grupo Executivo da Copa do Mundo 2014 (Gecopa). À época, o então secretário geral da Fifa, Jérôme Valcke fez críticas públicas à organização do Mundial do Brasil.
– Na própria Copa do Mundo assumi no contexto de uma crise, quando Jérôme Valcke disse que o Brasil precisava de um “pontapé no traseiro” para a Copa andar. Entrei no circuito justamente para resolver uma crise. Então tenho experiência profissional e de vida que, entendo, me capacita a prestar um serviço importante para o Vasco.
– Tenho essa rede de contatos construída. Contato com investidores, com atores do mundo do esporte e do futebol. Acompanhei de perto a construção dos 12 estádios da Copa com interação ampla com construtoras e operadoras dos estádios. E com imagem positiva perante a eles todos. Quero colocar, de forma integral, o capital social que foi construído ao longo dessa trajetória à disposição do clube. Que o clube possa se valer disso, dentro de uma agenda de reconstrução institucional.
– Por essa liderança, que é externa, mas também pela minha vivência dentro do clube… Sempre procurei ter uma atitude de respeito e diálogo com todos, mesmo quando tinha posição discordante. É uma característica minha: abertura ao diálogo e construção de convergências. Tenho visto desses contatos que fiz na minha trajetória interesse em investir no Vasco. Desde que haja ambiente de pacificação e estabilidade institucional.
Confira a entrevista na íntegra:
Você disse no evento de comemoração do seu 62º aniversário que o “Vasco precisa de paz”. Agora como pré-candidato confirmado, aponta a busca por essa pacificação do clube como a principal bandeira da sua campanha?
A mensagem principal que sempre defendi no clube nas funções que exerci e agora entrando nesse processo eleitoral é pacificar o clube internamente para poder gerar uma unidade em torno de um projeto de reconstrução institucional. Essa é a minha principal bandeira. São disputas sempre muito acirradas e judicializadas. A imagem que o Vasco passa é de um clube conflagrado, que é incapaz de encontrar um caminho conjunto de condução.
Como conseguir essa unidade diante da fragmentação do Vasco em vários grupos políticos?
O que eu via dentro do clube como um “observador-participante”? Eu via um clube muito marcado por uma espécie bipolarização entre uma liderança muito forte, que era a do Eurico, mesmo quando ele era vice-presidente. Com personalidade forte e atitudes sempre polêmicas, gerando uma bipolaridade entre quem o apoiava versus quem dirigia contra ele uma oposição muito dura, muito raivosa.
Ao meu ver, isso se confundia e, para prejudicar a liderança dele, às vezes tomavam atitudes que prejudicavam a instituição.
Infelizmente o que vejo dentro das disputas internas dentro do Vasco e que também acaba refletindo um pouco no quadro de polarização política no país é de uma absoluta disputa entre grupos. Grupos se xingando, se rotulando… Vai criando um ambiente que não é bom para a instituição. Pelo contrário, não oferece segurança para captação de investimentos no patamar necessário para que o Vasco se reerga na primeira linha do futebol brasileiro e como projeção para o futebol internacional.
Como lidar com isso? Acho que primeiramente é romper com essa lógica de disputa de grupos. Não é fácil, mas acho que o posicionamento deve ser de responsabilidade, construção institucional, de abertura para o diálogo e de responsabilidade na construção de agregação de forças.
Luis Fernandes também rechaça soluções em tornos de um nome: “Ninguém pode se apresentar como salvador da pátria”
Isso implica não só romper com uma lógica de disputa de grupos, mas também com soluções personalistas. Ninguém pode se apresentar efetivamente como salvador da pátria. O Vasco precisa de um pólo de pacificação e de construção institucional, que depende de abertura e diálogo.
Talvez a mídia social também alimente muito a personalização, como se qualquer decisão institucional dependesse de pessoas.
Penso que a gente deve construir uma alternativa institucional para o clube com responsabilidade, seriedade e com uma lógica de reconstrução institucional. Esse é o caminho que vejo como possível para superar esse quadro atual do clube.
Calendário do ano eleitoral: haverá alterações por conta da pandemia?
Se tudo seguisse o caminho normal, estaríamos agora provavelmente às vésperas da Assembleia Geral para examinar a proposta de reforma do estatuto que foi aprovada no Conselho Deliberativo. Essa proposta de reforma, ao meu ver, trouxe vários avanços institucionais. Aprovada essa reforma de estatuto, o próximo passo seria o lançamento das pré-candidaturas.
De acordo com o calendário previsto, a candidatura à presidência se inscreve junto com a chapa na segunda quinzena de agosto. A partir daí, entraria já a campanha com os candidatos oficializados até a eleição em novembro.
Como reputo como gravíssima a atual situação da pandemia e suas consequências para o mundo, Brasil e o calendário esportivo, nesse contexto o meu posicionamento é de que não podemos ignorar o que está acontecendo para seguir aquele calendário normal. Uma vez normalizada a situação, farei o lançamento da pré-candidatura e assumo essa condição. Nosso foco, de todas as correntes do clube e da atual direção deveria ser no enfrentamento da gravidade do desafio que a pandemia apresenta aos brasileiros.
Em fevereiro, você tratava a candidatura como uma possibilidade e agora a confirmou. Você disse que não é o momento de se fazer campanha, mas a confirma. Por que veio o “start” de confirmá-la agora?
Ainda vamos ter que ver as condições de retomada do processo eleitoral do clube. É possível que tenhamos de condensar as etapas do processo. Mas o fato de eu assumir essa posição de não me dispor a participar da campanha eleitoral durante o período da pandemia, que acho que é correta e responsável, poderia gerar dúvidas se eu iria de fato apresentar meu nome para consideração na campanha.
Então meu pronunciamento é para não deixar dúvidas. Vou apresentar meu nome na campanha quando for possível fazer campanha. É mais para deixar esse posicionamento claro. Só entendo que não é o momento de fazer campanha no clube agora.
Interferência da pandemia na ação de potenciais investidores com quem vinha conversando
Agir, nós estamos sempre agindo, estudando alternativas, contactando… Estou mobilizando o capital social que acumulei para gerar soluções institucionais para o clube. Esses contatos continuam, mas a pandemia altera tudo. Os grandes investidores estão em compasso de espera.
Nesse contexto, o foco das discussões deveria ser como enfrentar a crise econômica que está se estabelecendo sobre os negócios do esporte e os clubes em particular. E o Vasco poderia estar exercendo um papel de liderança, propondo um plano de emergência para atender às necessidades dos clubes no contexto da paralisação dos clubes.
São ideias que poderiam ser desenvolvidas. Poderia ser discutido com a CBF a constituição de um fundo para apoiar os clubes a enfrentarem a crise econômica gerada pela pandemia. Poderia ser um fundo com contrapartida pública.
Mas essa discussão não está sendo feita, isso está me angustiando. Em vez de ter soluções profundas que confrontem na seriedade a crise econômica gerada pela pandemia, mas sem abrir mão da defesa da vida, há uma pressão para que se recomece sem as mínimas condições de garantia de saúde as competições.
Mais elogios de Luis Fernandes à proposta de reforma estatutária do Vasco, aprovada pelo Conselho Deliberativo, mas que ainda precisa ser referendada pela Assembleia Geral
Acho que os avanços introduzidos na proposta de reforma do estatuto são importantes. Ela adota mecanismo de punição de gestão temerária, o que dá confiança para investidores. Irá sacramentar o manual ou guia de boas práticas e de governança do clube, o que pessoal fala em inglês “compliance”. Mas não preciso falar em inglês. Há quem quer impressionar falando o termo em inglês (risos).
Isso também é um fator de confiança e seriedade para investidores. Mecanismos de gestão empresarial terão também que ser incorporados na gestão do clube, o que não implica necessariamente na transformação em clube-empresa.
Observações sobre o formato de clube-empresa
Para mim, o limite nesse formato de clube-empresa é o clube perder o controle do clube-empresa. Mas o formato que seja equivalente a uma parceria público-privada (PPP) em que o clube, como representante do público nessa operação, mantenha o controle do clube-empresa pode ser uma alternativa interessante do clube. É um pouco o modelo alemão. Sei que há interesse de investidores nesse formato.
Temos que ver como vai ser o cenário pós-pandemia. Pela minha experiência como presidente de banco público, acho que só “fundos-abutres”, que apostam em ações especulativas, tomariam decisões sobre investimento agora.
Fundo-abutre é aquele que se especializa em ações altamente especulativas e de altíssimo risco. Se é um investidor mais sério, ele vai esperar ver o quadro formado para tomar suas decisões.
O que você acredita que pode modificar logo de cara em relação ao que é praticado no atual Vasco?
Volto ao ponto anterior. Pretendo ser um fator de pacificação do clube. Primeira passo é superar a conflagração e gerar um clima mínimo de pacificação e unificação para tratar as questões institucionais com franqueza e de forma objetiva. Sem estabilidade institucional, não é possível construir soluções.
Diria que a principal falha que identifiquei foi a incapacidade de retirar o Vasco de uma posição bastante medíocre no desempenho esportivo nesse período. E também de práticas de gestão que não me parecem ser as mais adequadas em termos de honrar compromissos assumidos.Mas acho que a principal deficiência foi a incapacidade de captação de investidores para o clube.
Fiz uma primeira leitura do balanço, e acompanhei várias apresentações feitas a investidores ou reuniões do Conselho Deliberativo sobre o plano de recuperação do clube. E qual era o plano? Era reduzir o grau de endividamento, gerando superávits seguidos em ano de gestão, o que tornaria a dívida do clube administrável com capacidade de recuperação e de ter times competitivos já em 2021. Esse era o cenário apresentado.
Esse plano fracassou. O próprio balanço é um atestado do fracasso desse plano administrativo. O orçamento apontava um superávit de R$ 72 milhões nessa ideia de reduzir o grau de endividamento. Registrou-se um déficit de R$ 5 milhões, e esse só não foi maior por conta da gigantesca adesão dos sócios-torcedores no final do ano passado.
E também o que está incluído nesse mesmo raciocínio que o superávit do ano anterior se deveu a uma receita extraordinária que foi a venda do Paulinho. Então não foi uma solução de gestão. Foi a venda de um atleta oriundo, inclusive, de formação de gestões anteriores.
Havia um compromisso da diretoria de que essa receita gerada pela adesão em massa ao sócio-torcedor seria canalizada para o pagamento de salários. E não foi. A diretoria não fez o pagamento devido de salários, e eu diria sobretudo aos funcionários, que formam o elo fraco da corda. Não o fez e, além de manter meses de atraso, aderiu à medida do governo suspendendo o salário para eles poderem receber uma parte em seguro-desemprego. Não achei aceitável.
Muita gente fala “O Luis é amigo do Eurico, é Euriquista”. O quanto é verdade em relação se você tinha uma amizade ou não com o Eurico? E acha que isso pode ser positivo ou negativo?
Volto à aquela questão: acho que a pacificação necessária para o clube se reerguer exige passar por cima de ódios e preconceitos. Acho que esses pronunciamentos são de pessoas que ficaram presas a uma lógica de disputa de grupos e uma polarização política que não existe mais no clube.
Ficar se posicionando em função da polarização passada quando os desafios que o Vasco tem de enfrentar para a frente são gigantescos, acho que não é uma atitude correta. Por isso insisto em superar dessa disputa de grupos e vaidades. E de construir um polo de unificação. Tenho recebido apoio de pessoas que apoiavam o Eurico e de quem era oposição ao Eurico.
Como começou a relação com Eurico
Só vim ter relação com o Eurico quando houve a ameaça de o Vasco perder a Copa João Havelange por conta dos incidentes em São Januário na final com o São Caetano. Uma pessoa que é muito amiga minha, o ex-deputado Aldo Rebelo, que era o presidente da CPI da Nike e estava discutindo temas do futebol no Congresso Nacional. Houve um movimento dentro da própria CBF, do Clube dos 13 e com apoio de parte da mídia de retirar o título do Vasco. Que o Vasco fosse considerado responsável pelos incidentes.
E eu fui procurado por intermediários do Eurico para que eu pudesse ajudar na apresentação da defesa do Vasco na CPI do Congresso. Essa defesa foi muito importante para que não houvesse a responsabilização no campo esportivo e para que fosse remarcado o segundo jogo no Maracanã. E o Vasco acabou se sagrando campeão brasileiro.
Eu era à época diretor científico da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro). Comentei com ele que eu estava estruturando um programa de pesquisa que haveria um resgaste da memória do esporte no Brasil, e que o Vasco tinha papel muito importante dentro disso.
Ele ficou entusiasmado e me chamou para desempenhar esse papel dentro do clube, que cuida de alguns registros no clube. E eu falei: “Ótimo, vou fazer uma ação de preservação da memória do clube. O Vasco tem uma história única”. Tem contribuição não só para o futebol, mas para a vida política nacional. Ele me chamou, assumi essa função na vice-presidência (de relações especializadas) responsável por esse resgate da memória.
Depois fui presidente da Finep, secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, secretário-executivo do Ministério do Esporte na época da Copa do Mundo. Passei a ter bastante protagonismo nesse mundo do futebol para além da área científica e tecnológica de informação. Aí o Eurico me convidou para ser o presidente do Conselho Deliberativo em 2014, e eu assumi a função. Sempre com essa agenda de pacificação e diálogo.
Às vezes com estranhamentos com ele, mas foi um trabalho conjunto. Essa é a relação. Não tenho preconceito contra a figura do Eurico. Como torcedor, no meu período de vida, a época mais vitoriosa do Vasco foi a em que ele comandava o futebol do clube. Foram 15 anos muito vitoriosos.
Pacificação realizada por Calçada inspira Luis Manuel
Até me espelho em um aspecto daquele período que foi conduzido pelo presidente Calçada. Eurico e Calçada eram de grupos opostos, se confrontaram na eleição. Depois o Calçada teve a grandeza de recompor a diretoria chamando o Eurico para tocar o futebol dentro do grupo. Foi uma agenda de pacificação e unificação. Para mim, aquilo serve de inspiração. Aquela ação de pacificação e unificação inaugurou o período mais vitorioso do Vasco que eu conheci.
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Fonte: Globoesporte