BRASÍLIA – O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou em seu depoimento prestado no último sábado que recebeu uma mensagem de celular do presidente Jair Bolsonaro na qual ele teria afirmado expressamente que “queria” a Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro sob sua influência, sem explicar seus interesses específicos nesse cargo.
Nas dez páginas de seu depoimento à PF, Moro detalhou as pressões feitas pelo presidente para trocar cargos da Polícia Federal desde agosto do ano passado, que incluíam mudar o superintendente do Rio e demitir o então diretor-geral Maurício Valeixo — que acabou sendo exonerado no mês passado e gerou a crise que resultou no anúncio de demissão do próprio ministro da Justiça.
Nessa mensagem citada no depoimento, Bolsonaro teria dito a Moro que o então ministro da Justiça poderia escolher todos os demais superintendentes da PF, mas que ele queria definir o nome para o Rio de Janeiro.
“No começo de março de 2020, estava em Washington, em missão oficial com o Dr. Valeixo; que recebeu mensagem pelo aplicativo de Whatsapp do Presidente da República, solicitando, novamente, a substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, agora Carlos Henrique; que a mensagem tinha mais ou menos o seguinte teor: ‘Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'”, relatou no depoimento. A PF tem superintendências em cada um dos 26 Estados e uma no Distrito Federal.
Nesta segunda-feira, Bolsonaro nomeou o novo diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza, e uma das suas primeiras medidas foi trocar o comando da Superintendência da PF do Rio. A mudança foi vista por investigadores como uma corroboração das acusações de Moro.
O depoimento do ex-ministro foi enviado pela PF na tarde de segunda-feira ao gabinete do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), e juntado ao processo. Transcrito em dez páginas, o depoimento reitera as declarações feitas por Moro em seu anúncio de demissão e traz novos detalhes sobre os fatos.
A defesa de Moro chegou a solicitar mais cedo ao STF que seu depoimento com as acusações a Bolsonaro fosse publicizado “com intuito de evitar interpretações dissociadas de todo o contexto das declarações e garantindo o direito constitucional de informação integral dos fatos relevantes”.
Apesar do ex-ministro ter entregado seu telefone celular à PF para cópia das conversas, fontes da perícia da Polícia Federal apontam que esse diálogo era antigo e ainda não foi localizado no aparelho. O ex-ministro afirma que as indicações de superintendentes deveriam ser feitas todas pela PF e ele não escolhia nomes para as superintendências, por avaliar que seria uma interferência indevida.
No depoimento, o ex-ministro disse que não sabia as razões pelas quais o presidente queria indicar um nome de sua confiança para a PF do Rio e afirmou que isso deveria ser questionado ao próprio Bolsonaro.
Segundo Moro, a primeira tentativa feita por Bolsonaro de trocar o comando da PF do Rio foi em agosto do ano passado, de forma verbal, em uma reunião no Palácio do Planalto. O superintendente na época era Ricardo Saadi.
“Em agosto de 2019 houve uma solicitação por solicitação por parte do Presidente da República de substituição do Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saad”, diz Moro. Prossegue o depoimento: “Essa solicitação se deu de forma verbal, no Palácio do Planalto”.
Moro afirma que, como Saadi queria deixar o cargo, a troca acabou sendo realizada. Mas o nome sugerido por Bolsonaro, que seria o delegado Alexandre Saraiva, foi barrado pelo ministro da Justiça porque não se tratava de uma escolha da PF. Com isso, acabou sendo nomeado o delegado Carlos Henrique Oliveira. Segundo o ex-ministro, em janeiro deste ano ele foi avisado novamente por Bolsonaro de sua intenção de demitir Valeixo e nomear o delegado Alexandre Ramagem para o comando da PF.
Moro relata que “pensou em concordar para evitar um conflito desnecessário, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o Diretor Geral sem que houvesse uma causa e que como Ramagem tinha ligações próximas com a família do Presidente isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio Governo, prejudicando até o Presidente; que essas ligações são notórias, iniciadas quando Ramagem trabalhou na organização da segurança pessoal do presidente durante a campanha eleitoral”.
Questionado pelos investigadores sobre se ele considerava que as condutas de Bolsonaro caracterizavam crimes, Moro afirmou que não caberia a ele avaliar isso e que narrou fatos verdadeiros que ocorreram. O ministro apontou “desvio de finalidade” na conduta de Bolsonaro sobre a PF.
“Reitera que prestou as declarações no seu pronunciamento público para esclarecer as circunstâncias de sua saída, para expor o desvio de finalidade já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e com o objetivo de proteger a autonomia da Polícia Federal”, disse Moro. “Reitera que em seu pronunciamento narrou fatos verdadeiros, mas, em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes”, afirmou.
Em seu depoimento prestado no sábado, o ex-ministro também disse estranhar o fato de o decreto de demissão do então diretor-geral da PF Maurício Valeixo ter sido publicado com o seu nome na assinatura, apesar de ele não ter assinado a exoneração do aliado. Segundo ele, isso jamais havia ocorrido durante seu período no MJ.
“Pedidos de nomeação e de exoneração são assinados eletronicamente pelo Declarante e enviados ao Palácio do Planalto (…). Nunca, pelo que se recorda, viu antes um ato do MJSP ser publicado sem a sua assinatura, pelo menos, eletronicamente”, disse Moro.
Fonte: O Globo