A gravíssima crise mundial gerada pela pandemia implicou a tomada de providências pelas mais diferentes experiências jurídicas, as quais, além de outras medidas de urgência, determinaram, de um modo geral, com maior ou menor abrangência, a suspensão da fluência dos prazos processuais.
Assim é que, a guisa de exemplo, o Poder Judiciário da Itália1, da França2, da Alemanha3 e da Áustria4, em momento imediato ao recrudescimento do contágio, interveio para sobrestar o andamento da grande maioria dos processos, contribuindo para atender à exigência providencial de distanciamento social.
No Brasil, não foi diferente, a despeito de certa sobreposição inicial de regramentos emitidos pelos Judiciários estaduais e federal, logo, em 19 de março de 2020, o Conselho Nacional de Justiça baixou a Resolução n. 313, com o precípuo objetivo de minimizar o risco de contágio. Cumpre lembrar que o Conselho Nacional de Justiça tem a atribuição constitucional de fiscalizar e de efetivar o controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, de conformidade com o parágrafo 4º do artigo 103-B da Constituição Federal. Para tanto, detém a prerrogativa de editar atos regulamentares (artigo 103-B, parágrafo 4º, inciso I).
Além de instituir o plantão extraordinário e alterar a rotina dos serviços judiciários, o ponto mais importante desse regramento encontra-se no artigo 5º, que determinou a suspensão dos prazos processuais até o último dia 30 de abril, sem qualquer distinção entre processos físicos e processos eletrônicos.
Mais recentemente, em 20 de abril de 2020, foi editada, pelo Conselho Nacional de Justiça, a Resolução n. 314, que, diante da evolução e análise dos fatos, estabeleceu nova regência atinente à fluência dos prazos processuais.
Com efeito, norteada pelo princípio constitucional da duração razoável do processo e, por via de consequência, na necessidade de assegurar condições mínimas para a continuidade da atividade jurisdicional, a aludida Resolução n. 314 determinou a retomada gradativa dos prazos processuais em busca de atender, tanto quanto possível, à demanda dos jurisdicionados.
Todavia, a fluência dos prazos, a partir do dia 4 de maio passado, restringe-se, por enquanto, aos processos que tramitam em plataforma eletrônica. Assim, a teor do artigo 2º, continuam suspensos os prazos processuais dos feitos que se desenvolvem em autos físicos (artigo 313, inciso VI, do Código de Processo Civil). Não obstante, mesmo nos processos físicos, que estarão sobrestados, continua assegurada a apreciação das matérias mínimas arroladas no artigo 4º da aludida Resolução n. 313, em especial, dos pedidos de medidas protetivas em decorrência de violência doméstica, das questões relacionadas a atos praticados contra crianças e adolescentes ou em razão do gênero.
Ademais, dúvida não há de que também nos incidentes que tramitam por meio eletrônico, ainda que o processo principal seja físico, o prazo começou a correr no dia 4 de maio passado. É o que ocorre, e. g., nos autos eletrônicos de cumprimento de sentença, originados de processo físico no qual se formou o título judicial exequendo.
Preceitua, pois, o subsequente artigo 3º, que: “Os processos judiciais e administrativos em todos os graus de jurisdição, exceto aqueles em trâmite no Supremo Tribunal Federal e no âmbito da Justiça Eleitoral, que tramitem em meio eletrônico, terão os prazos processuais retomados, sem qualquer tipo de escalonamento, a partir do dia 4 de maio de 2020, sendo vedada a designação de atos presenciais”.
É certo, portanto, que os prazos já iniciados, antes da edição da precedente Resolução n. 313, serão retomados no estado em que se encontravam no momento da suspensão, sendo restituídos por tempo igual ao que faltava para sua complementação (artigo 221 do Código de Processo Civil).
Tendo presente a realidade brasileira, merece destaque a prudência do Conselho Nacional de Justiça, ao ressalvar, em caráter excepcional, no mesmo artigo 3º, a eventual dificuldade da prática de ato processual por meio eletrônico ou virtual, por absoluta impossibilidade técnica (parágrafo 2º), que deverá ser comprovada pelo interessado.
Tal dispositivo veio complementado pela Resolução n. 318, de 7 de maio do corrente, ainda do Conselho Nacional de Justiça, que prorrogou a suspensão dos prazos de processos físicos até o dia 31 de maio.
Não obstante, essa diretriz contém duas importantes exceções. A primeira delas, contemplada no artigo 2º, dispõe que nos Estados, nos quais forem impostas medidas restritivas à circulação de pessoas – denominado lockdown -, ainda que durante a fluência dos prazos, serão eles automaticamente suspensos, nos processos “que tramitem em meios eletrônico e físico, pelo tempo que perdurarem as restrições, no âmbito da respectiva unidade federativa”. Atente-se para fato de que tal regra alude a processo físico, já pressupondo, à evidência, que o lockdown possa ocorrer, em futuro próximo, quando não mais se verificar a suspensão dos prazos em processos físicos.
Já a segunda regra de caráter excepcional, segundo o artigo 3º da Resolução n. 318, antes de ser genérica, prevê situação peculiar e, portanto, casuísta, quando, por alguma razão específica, sobrevier obstáculo que impossibilite o normal desenvolvimento das atividades judiciárias, igualmente, ficará suspenso o transcurso dos prazos processuais.
Desse modo, mesmo que não sejam efetivadas medidas restritivas ao livre exercício das atividades forenses regulares, o tribunal também pode requerer prévia e justificadamente ao Conselho Nacional de Justiça a suspensão dos prazos processuais.
O funcionamento, durante o período emergencial, segue em horário idêntico ao do expediente forense. E os tribunais devem garantir minimamente o acesso aos serviços judiciários. O atendimento presencial de partes, advogados e interessados continua interrompido e deve ser realizado remotamente pelas plataformas eletrônicas disponíveis.
Entendo, contudo, que não se deve afastar hipótese bem possível de ocorrer, no sentido de que o advogado da parte, por alguma razão específica, como, por exemplo, impossibilidade de acesso ao seu próprio escritório, ou a documentos imprescindíveis para elaborar uma contestação, ou, ainda, dificuldade operacional, de cunho pessoal, para implementar o cumprimento de determinado prazo. Diante de uma destas circunstâncias, o advogado pode muito bem se valer de preciosa regra legal, emoldurada no artigo 221 do Código de Processo Civil.
Não é preciso dizer que o juiz deverá avaliar estas situações pelo prisma da razoabilidade, mas sempre verificando se de fato a alegação procede, a evitar abuso processual por quem perdeu o prazo.
Assim procedendo, assegura-se, com efeito, igualdade de armas entre os litigantes, sobretudo quando um deles estiver sendo assistido por banca de advocacia aparelhada com todos os recursos tecnológicos possíveis, em detrimento daquele cujos interesses é patrocinado por um único advogado, que não dispõe de expertise e muitas vezes nem de meios adequados para exercer regularmente a sua atividade profissional nesta quadra de enormes dificuldades em que vivemos.
Fatores decorrentes da pandemia não podem, em quaisquer circunstâncias, constituir fonte de vantagem a ninguém!
Fonte: Consultor Jurídico