Jornal Povo

Bolsonaro fala em reabrir escolas após OMS citar estudo inconclusivo que lança dúvidas sobre transmissão assintomática

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro usou uma informação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que a transmissão do coronavírus por pacientes assintomáticos é rara para defender o fim do isolamento social e a “volta à normalidade” no Brasil. Durante reunião com ministros transmitida ao vivo na manhã desta terça-feira, Bolsonaro também criticou a agência por ter tido posições “antagônicas” no enfrentamento à pandemia.

— Foi noticiado ontem, também de forma não comprovada ainda, como nada é comprovado na questão do coronavírus, que a transmissão por parte de assintomáticos é praticamente zero. Então, isso vai dar muito debate. Muitas lições serão tomadas. Com toda certeza isso pode sinalizar uma abertura mais rápida do comércio e extinção daquelas medidas restritivas adotadas segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, adotada por governadores e prefeitos.

Os comentários sobre um estudo de caso de Cingapura foram feitos por Maria Van Kerkhove, chefe da unidade de doenças emergentes da OMS. As declarações, no entanto, foram rebatidas por epidemiologistas de vários países. Além de outros estudos apontarem para a transmissibilidade do Sars-CoV-2 por pacientes assintomáticos, especialistas temem que a informação descontextualizada dê força aos governos que desejam flexibilizar o isolamento social antes da hora. 

A partir das declarações de Maria Van Kerkhove, Bolsonaro afirmou que, agora, pode haver menos resistência à volta das atividades que estão fechadas desde março, como escolas e comércios.

No discurso, Bolsonaro reconheceu que não há comprovações científicas sobre o uso da hidroxicloroquina para tratar a doença, mas voltou a defender o uso do medicamento em pacientes diagnosticados com Covid-19.

—  A OMS, nas últimas semanas, tem tido algumas posições antagônicas, a penúltima sobre a hidroxicloroquina. Foi determinada a suspensão da pesquisa, depois voltou atrás. As pesquisas continuam no Brasil, não temos a comprovação científica ainda, mas relatos de pessoas infectadas e de médicos, em grande parte, têm sido favorável à hidroxicloroquina com azitromicina — disse o presidente.

Bolsonaro fez referência à retomada de estudos da OMS com o medicamento, que haviam sido suspensos após um estudo amplo publicado pela revista científica The Lancet que, posteriormente, teve sua metodologia questionada por outros cientistas. A pesquisa teve forte repercussão pela sua amplitude — quase 100 mil pacientes envolvidos —, mas vários outros trabalhos científicos que apontam não apenas para a ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina contra o coronavírus como, também, o aumento de risco de morte em pacientes em quadro grave.

Essa foi a primeira reunião ministerial de Bolsonaro transmitida em tempo real pelas redes sociais e pelos canais oficiais do governo. O encontro foi bem diferente da reunião de 22 de abril, que se tornou alvo de investigação por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar supostas interferências políticas do presidente na Polícia Federal. Dessa vez, os ministros se limitaram a apresentar as ações realizadas para reduzir os efeitos do coronavírus no país.

Chanceler anuncia que propôs reforma da OMS

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, afirmou que o Brasil propôs uma reforma da OMS e endossou as críticas feitas pelo presidente sobre os procedimentos adotados pela organização. Ele criticou o que chamou de “vai e vem” da agência e disse que isso atrapalha o trabalho feito pelos governos.

– É uma questão de influência política, é uma questão de atores não estatais na OMS, é uma questão de métodos, de transparência, precisamos examinar. Para isso, o Brasil está propondo uma investigação, junto com um grupo de outros países, uma investigação, um processo de reforma da OMS. Estamos coordenando aí com Austrália, com União Europeia, com outros países para esse imprescindível exame do que aconteceu e do que está acontecendo com a OMS – disse completando – Cada dia é uma decisão, essa vai e vem da OMS prejudica os esforços de todos os países.

O ministro afirmou que o Itamaraty acompanha com “muita preocupação” o trabalho da organização.

– O Itamaraty, sempre em coordenação com o Ministério da Saúde, acompanha o papel da OMS com muita preocupação. Falta de independência da OMS, aparentemente, falta de transparência e coerência, sobretudo. Falta de coerência no posicionamento, na orientação sobre aspectos essenciais. A origem do vírus, o compartilhamento de amostras, o contágio por humanos, nos modos de prevenção, na quarentena, no uso da hidroxicloroquina, na indumentária de proteção e agora na intransmissibilidade por assintomáticos. Em todos esses aspectos a OMS foi e voltou, às vezes mais de uma vez. Isso nos causa preocupação.

Mourão exalta conselho

Na reunião, o vice-presidente Hamilton Mourão aproveitou para enaltecer o trabalho do Conselho da Amazônia e afirmou o governo precisa “desconstruir determinados dados que são colocados a respeito do país”.  E disse que tem sido divulgada informação falsa sobre presença de garimpeiros em reserva indígena em Roraima.

— A nossa visão sempre é desconstruir determinados dados que são colocados a respeito do país. Um deles, muito claro, que todos aqui têm de ter e ser repetido continuamente, que é dizer que tem 20 mil garimpeiros na terra indígena ianomâmi. Ora, minha gente, o Estado de Roraima tem 400 mil habitantes: 20 mil pessoas é 5% da população do estado de Roraima. Mais ainda — afirmou Mourão.

O vice-presidente disse, ainda, que é preciso “desconstruir” esse tipo de declaração:

— Todo mundo que trabalha em logística, imaginem a quantidade de suprimentos, comida que tem de ser deslocado para abastecer esse pessoal. Seriam voos constantes, caminhões deslocando pela BR. Então isso é repetido à exaustão e esse tipo de coisas que temos de descontruir e mostrar a realidade, bem como a questão de genocídio indígena e etc e tal — afirmou Mourão.

Auxílio emergencial

O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, frisou durante a reunião  que o Nordeste está assistido pelo Bolsa Família e também pelo auxílio emergencial do novo coronavírus. Lorenzoni apresentou dados em PowerPoint para explicar a distribuição do Bolsa Família por regiões. Segundo Lorenzoni, são 7 milhões de famílias atendidas no Nordeste, 1,7 milhão no Norte, 680 mil no Centro-Oeste, 3,8 milhões do Sudeste, e 891 mil no Sul.

Sobre o auxílio emergencial, buscamos um aplicativo de celular. Nós rodados 120 milhões de CPFs. E o número mais extraordinário: 37% de todo o programe é do nordeste brasileiro, exatamente onde estão teoricamente os mais vulneráveis —  afirmou. 

Onyx Lorenzoni ressaltou que os beneficiários estão todos cadastrados, com endereços registrados, e que irão buscar novos caminhos de microcréditos para oferecer. O ministro também rebateu as críticas de que pessoas que não podiam receber acabaram se beneficiando do auxílio e alegou que os dados apontam que 0,5% dos beneficiários estão fora dos padrões. Ele também disse que o governo vai pagar a segunda parcela do benefício esta semana e que já está programando o pagamento da terceira parcela do auxílio emergencial.

Violência doméstica

Segundo a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, os índices de violência contra a mulher aumentou em 600% no estado do Acre durante a pandemia. A pasta estima que esse tipo de crime aumentou em outras regiões do País.

—  Nós temos alguns outros estados que apontam em torno de 400%. Nossa preocupação agora é com os pós pandemia —  comentou Damares.

A ministra informou que os dados da ouvidoria dos Direitos Humanos mostram que a violência contra a criança diminuiu, mas o número pode ser maior devido às dificuldades para realizar a denúncia

—  Da mesma forma que aumentou a violência contra a mulher, nós temos certeza a violência contra a criança aumentou. Então, pós pandemia, nós vamos ter um número absurdo de anúncio de estupro de crianças, pedofilia, tentativa de suicídio, automutilação, mulheres machucadas.  Nós vamos ter, infelizmente senhores, o momento de reconstrução de nação.

Medicamento

O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, lembrou que, desde fevereiro, o Laboratório Nacional de Biociências tem feito testes com medicamentos já existentes para testar quais deles poderiam ser efetivos no combate ao covid. Nesses testes, a nitazoxanida apresentou uma eficácia de 94% para reduzir a carga viral.

—  Desses dois mil medicamentos que foram testados inicialmente usando inteligência artificial, cinco foram selecionados. Esses cinco fora para teste em vitro, com células reais em laboratório, desses cinco um deles se destacou com efetividade de 94% para redução da carga viral e esse medicamento é a nitazoxanida, um remédio comum para giárdia, rotavírus, não tem nenhum efeito colateral. É uma possibilidade de que ele funcione no combate ao Covid — disse Pontes.

Fonte: O Globo