Jornal Povo

PF indicia Andrea Neves por obstrução da Justiça após recebimento de informações sigilosas

A Polícia Federal concluiu o inquérito da Operação Escobar, nesta quarta-feira (10), e indiciou a irmã do deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), Andrea Neves, dois escrivães da corporação, dois advogados e um empresário por crimes como corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça. (Veja detalhes abaixo)

Ainda caberá ao Ministério Público definir se abre ou não denúncia contra os indiciados. Caso eles sejam denunciados, a Justiça deverá decidir se aceita ou não a denúncia e os torna réus. Só depois disso que eles poderão ser julgados. As provas contra os servidores da PF já foram encaminhadas à Corregedoria Regional da corporação em Minas.

Segundo o inquérito da PF, relatado pelo delegado Rodrigo Morais Fernandes, o empresário Pedro Lourenço recebia informações sigilosas de investigações da corporação a partir de conversas com o advogado Ildeu da Cunha Pereira, que morreu em fevereiro deste ano.

Andrea recebia documentos da corporação obtidos pelo advogado Carlos Alberto Arges, também segundo a investigação. Os vazamentos ocorriam através dos escrivães Márcio Antônio Marra e Paulo Bessa.

De posse dessas informações sigilosas, Andrea Neves e Pedro Lourenço se beneficiavam, impedindo ou embaraçando investigações relacionadas a organizações criminosas em que estavam envolvidos ou nas quais tinham interesse direto, segundo o inquérito da PF.

JP entrou em contato com a assessoria de imprensa de Andrea Neves, com o advogado Carlos Alberto Arges e com Pedro Lourenço, mas não havia obtido retorno até por volta de 10h. O JP ainda tenta contato com os escrivães Márcio Antônio Marra e Paulo Bessa.

A PF atribuiu os crimes abaixo aos indiciados:

  • Andrea Neves: obstrução de Justiça (até 10 anos de prisão)
  • Empresário Pedro Lourenço: obstrução de Justiça (até 10 anos de prisão)
  • Advogado Ildeu da Cunha Pereira: violação de sigilo funcional, corrupção passiva e corrupção ativa, além dos crimes de integrar organização criminosa e de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa (até 34 anos de prisão)
  • Advogado Carlos Alberto Arges – violação de sigilo funcional, corrupção passiva e corrupção ativa, além dos crimes de integrar organização criminosa e de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa (até 34 anos de prisão)
  • Escrivão da PF Márcio Antônio Marra – violação de sigilo funcional, corrupção passiva e corrupção ativa, além dos crimes de integrar organização criminosa e de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa (até 34 anos de prisão)
  • Escrivão da PF Paulo Bessa – violação de sigilo funcional, corrupção passiva e corrupção ativa, além dos crimes de integrar organização criminosa e de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa (até 34 anos de prisão)

Ildeu, Arges, Marra e Bessa chegaram a ser presos em 2019 durante a deflagração da operação ‘Escobar’, que apurava justamente o vazamento de informações de inquéritos da PF.

A PF descobriu os vazamentos ao encontrar documentos sigilosos de investigações na casa de Andrea Neves, durante deflagração de outra operação, em dezembro de 2018. As documentações não estavam assinadas e nem numeradas, o que, segundo o inquérito, significa que os arquivos foram extraídos a partir do sistema interno da polícia.

“As informações obtidas foram utilizadas para embaraçar investigações que envolvem organizações criminosas e para captação de clientes por parte dos advogados, eis que o conhecimento privilegiado demonstrava forte influência no âmbito da Polícia Federal de Minas Gerais”, mostra trecho do inquérito.

A partir dos celulares dos advogados Ildeu Cunha Pereira e Carlos Alberto Arges, apreendidos durante a operação de 2018, a PF constatou que os dois repassavam informações sigilosas, recebidas através dos escrivães, para Pedro Lourenço e Andrea Neves.

Os advogados Carlos Alberto Arges Júnior e Ildeu da Cunha Pereira presos durante operação da PF — Foto: OAB/Reprodução
Os advogados Carlos Alberto Arges Júnior e Ildeu da Cunha Pereira presos durante operação da PF — Foto: OAB/Reprodução

Segundo os investigadores, os escrivães Márcio Marra e Pedro Bessa indicaram, em outras oportunidades, os advogados Ildeu e Arges para investigados. Depois, os escrivães recebiam parte dos honorários.

Ildeu da Cunha Pereira chegou a indicar Márcio Marra para se tornar conselheiro do Cruzeiro, em 2017, “para que este assumisse a cobiçada e disputada função, o que garante status e influência, além de vantagens frente a outros torcedores, como viajar de graça para assistir jogos fora de Belo Horizonte/MG, frequentar estádios gratuitamente na Tribuna de Honra, franco acesso ao clube, dentre outras”.

Com a soma das penas dos crimes imputados aos escrivães da PF e aos advogados, eles poderão ser condenados a até 34 anos de prisão, considerando todas as circunstâncias agravantes, além de multa que será arbitrada pela justiça.

Os outros dois indiciados, por se favorecerem do esquema para obstruir investigações relacionadas à organização criminosa, poderão ser condenados a uma pena de até 10 anos de prisão e multa.

O delegado Rodrigo Morais, responsável pelas investigações. — Foto: Divulgação
O delegado Rodrigo Morais, responsável pelas investigações. — Foto: Divulgação

A operação Escobar

A Polícia Federal deflagrou a operação Escobar, em Belo Horizonte, no dia 5 de junho de 2019. Na ocasião, a PF prendeu dois advogados e dois servidores da própria corporação suspeitos de retirar documentos sigilosos do sistema da própria PF e vazar informações sobre as operações. Eles estavam sendo investigados pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, organização criminosa, obstrução de Justiça e violação de sigilo funcional.

Na operação, foram presos o advogado Carlos Alberto Arges Júnior, o advogado e conselheiro nato do Cruzeiro Ildeu da Cunha Pereira, o servidor da PF e conselheiro efetivo do Cruzeiro Marcio Antonio Camillozzi Marra e o servidor da PF Paulo de Oliveira Bessa. Andrea Neves foi intimada a depor como testemunha, mas passou para a condição de investigada dias depois.

A operação Escobar foi um desdobramento da Capitu, quando Ildeu da Cunha Pereira e outras 15 pessoas foram presas em investigação em suposto esquema de corrupção no Ministério da Agricultura durante o governo da presidente Dilma Rousseff (PT).

Na época, o então vice-governador de Minas Gerais, Antonio Andrade (MDB), e o empresário Joesley Batista, dono da JBS, estavam entre os detidos. De acordo com a Polícia Federal, as investigações começaram depois que documentos da Operação Capitu foram encontrados na casa de Andrea Neves, irmã do deputado federal Aécio Neves (PSDB), em dezembro de 2018.

Após os documentos terem sido encontrados na casa dela, a PF constatou vazamento de informações sobre outras operações. Os advogados teriam acesso privilegiado às informações e as usavam para oferecer aos clientes facilidades ilegais. Segundo nota da Polícia Federal, “tal atitude não só prejudicou diversas investigações como coloca em risco a segurança dos policiais envolvidos nos trabalhos”.

Fonte: G1