Jornal Povo

Influente criminalista critica duramente Bolsonaro

O advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, 62 anos, nasceu em Patos de Minas, mas é bom registrar que ele se comporta bem diferente dos seus conterrâneos, que têm fama de calados ou de poucas palavras. Ele não; é expansivo, extrovertido e não foge quando é instado a dar opinião sobre qualquer assunto polêmico. Sua biografia está recheada de prestação de serviços advocatícios a políticos, empresários e celebridades. Kakay pertence ao seleto grupo de advogados que têm no currículo a defesa de dois presidentes da República (José Sarney e Itamar Franco), um vice (Marco Maciel), cinco presidentes de partido (simultaneamente), quarenta governadores, dezenas de parlamentares e mais de 20 ministros (13, no governo de FHC; três, no de Luiz Inácio Lula da Silva; dois, no de Dilma Rousseff). Também já defendeu grandes empreiteiras (Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS), bancos (Sofisa, BMG, BMC, Pine), banqueiros (Daniel Dantas, Salvatore Cacciola, Joseph Safra) e empresários de primeira grandeza. Kakay acumula, também, os prós e contras de ter sido um dos primeiros a criticar os métodos da chamada República de Curitiba, que ganhou projeção nos últimos anos como berço do combate à corrupção. Kakay já perdeu as contas de quantas vezes demonstrou que o então juiz Sérgio Moro e os procuradores liderados por Deltan Dallagnol ultrapassaram limites na condução da Operação Lava Jato. Nesta entrevista, o advogado dá sua opinião sobre os temas mais palpitantes do Brasil atual.

Desde os movimentos de rua de 2013, uma frase é repetida: “as instituições democráticas brasileiras estão funcionando”. Elas estão, de fato, funcionando?

Estamos vivendo um momento em que o Poder Executivo cria, diariamente, quase uma instabilidade institucional, com o esgarçamento, até de forma deliberada, das instituições. Mas, felizmente, as instituições brasileiras estão funcionando bem. Isso porque o Poder Judiciário tem demonstrado que está à altura para reagir não só à pandemia, que desestabilizou todos os países do mundo, mas principalmente à crise instaurada pela condução desastrosa por parte do presidente da República. Desse modo, o Poder Judiciário tem demonstrado muita maturidade para poder fazer o enfrentamento e não paralisar, criando várias opções para que os julgamentos continuassem e, de certa forma, o jurisdicionado não ficasse à deriva. Sob alguns aspectos, eu diria até mesmo que nós estamos conseguindo ter uma resposta surpreendente. Estamos diante de julgamentos virtuais com os ministros, desembargadores e juízes, recebendo os advogados pelas mais diversas plataformas, seja por telefone, por WhatsApp, por Zoom ou por Skype. Dentro da tragédia que é esse isolamento social, criou-se a possibilidade de dar seguimento à prestação jurisdicional. Nesse cenário, um exemplo importante é a Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que possibilitou o enfrentamento da questão mais grave, a situação carcerária. Todos nós, desde o início, tínhamos e temos uma enorme preocupação pela população carcerária no Brasil que chega a 800 mil presos em condições sub-humanas e, evidentemente, nossa inquietação se voltou desde o primeiro momento em como fazer esse enfrentamento dentro dos presídios. Acertadamente, o Poder Judiciário buscou dar uma resposta. Da mesma forma, o Congresso Nacional conseguiu não ficar paralisado. Assim como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, agiu e está agindo com muita maturidade, inclusive frente aos inúmeros pedidos de impeachment que são apresentados, quase que semanalmente; com a prudência de controlar uma discussão, ainda que necessária; e por saber que neste momento ela poderia desestabilizar ainda mais o país. Encontramo-nos diante de um problema real, que consiste na absoluta falta de postura por parte do presidente da República, que adota medidas praticamente genocidas e de completo desprezo à vida humana. Por incrível que pareça, hoje nós estamos há mais de um mês sem um ministro da Saúde, não temos um ministro da Educação, bem como não temos uma política educacional que possa atender ao flagelo da crise sanitária, que mantém as pessoas fora das escolas. Não há um respeito mínimo por parte do Poder Executivo com os outros Poderes, especialmente em relação ao STF. Felizmente, ainda sobrou a maturidade dos governadores que representam o Poder Executivo, graças à decisão da maior instância do Poder Judiciário que deu permissão aos executivos municipais e estaduais de se posicionarem para cuidar do isolamento, o que nos deu a certeza de que as instituições estão funcionando, de maneira a não permitir que entremos em uma convulsão social, ou até mesmo numa tentativa de desestabilizar o Estado democrático de direito.

O Supremo vive sob fogo intenso. Os seguidores do Presidente Bolsonaro – e até um ministro de Estado – repetem à exaustão que o STF deveria ser fechado. Qual o risco disto acontecer?

O presidente da República age de forma completamente irresponsável em seu cargo. Nos últimos meses, ele tem incentivado grupos fascistas a provocar um quase rompimento institucional. Essa situação preocupou a todos nós. A partir do momento em que uma figura importante como a dele se digna a ir à porta de estabelecimentos em Brasília, incentivando esses grupos, coordenados pela investigação que se dá no Supremo, percebe-se que essas pessoas pretendem, de fato, fazer uma ruptura. O seu apoio a essas manifestações, pelo fechamento do Supremo e do Congresso Nacional, gera uma instabilidade enorme. Na minha visão, o ministro Dias Tofolli determinou, em boa hora, a abertura do inquérito para que esses grupos que fazem ameaças e, especialmente, os que financiam esses movimentos sejam investigados. Chegou-se até mesmo a incentivar uma discussão sobre a extensão e interpretação do artigo 142 da Constituição Federal. Esses apoiadores do presidente que não têm nenhuma responsabilidade com a democracia, passaram a divulgar uma interpretação canhestra, sem nenhum fundamento constitucional – de que era possível a hipótese das Forças Armadas terem a função de um Poder Moderador. Aquele momento foi, realmente, muito preocupante. O que se tentava defender era uma saída – através de uma subleitura da Constituição – de que era possível, sim, falar em um golpe constitucional por parte das Forças Armadas. O Supremo teve uma atitude de muita dignidade e de muita responsabilidade. A abertura desse inquérito se deu com a imediata investigação e prisão de pessoas que tentavam colocar instabilidade no dia a dia e no funcionamento não só do STF e do Congresso Nacional, mas das instituições como um todo. Acredito que essa ação rápida fez com que nós voltássemos a ter certeza de que esse esgarçamento institucional está apenas restrito a um grupo, quase insignificante, mas perigoso, porque tem o apoio claro do presidente da República. A meu ver, não tem o apoio do Exército, da Marinha e das Forças Armadas como um todo. O Exército, em especial, conseguiu se colocar, nos últimos anos, como uma instituição de muito respeito perante a sociedade. Eles jamais dariam guarida a uma tese golpista. O que se verifica, em um dado momento, é que o presidente da República apostou no conflito e acreditou que tinha força popular para governar sem as instituições. Desse modo, ele desprezou o Congresso Nacional, afrontou o STF e superestimou o seu Poder Executivo, que é fraquíssimo. Para tanto, basta analisar o nível das discussões ministeriais que foram divulgadas, por autorização do STF, através do vídeo de uma reunião no dia 22 de abril de 2020, que demonstrou que, muito dificilmente, é possível reunir um grupo tão desqualificado para discutir o destino do país. Eu imagino que a reação da sociedade foi muito importante. Nós tivemos vários movimentos, que foram de imediato, para todos os jornais serem discutidos. Um movimento que, segundo os cálculos, representou 70% da população brasileira, para mostrar a esse presidente genocida que não é possível apostar no caos, apostar numa hipótese de rompimento institucional. Se o presidente da República tivesse força, na minha visão, ele teria tentado dar o golpe. Mais de uma vez, ele afrontou as instituições, apoiou movimentos que falavam em fechamento do Supremo e do Congresso Nacional. Mas ele encontrou eco apenas em um grupo que, embora em um percentual razoável, se mostrou muito insignificante, de baixíssima densidade intelectual. Ele foi perdendo espaço entre as pessoas, até pelo ridículo que hoje representa. É claro que é difícil falar ridículo, porque quem é ridículo não se vê ridículo, e isso, muitas vezes, impede qualquer discussão mais séria. O desgaste do governo Bolsonaro – afinal, o Brasil virou um pária internacional – começou a incomodar até mesmo os bolsonaristas mais ferrenhos. Aqueles que têm, de alguma forma, um pouco de condição de fazer uma análise, hoje se sentem constrangidos, dado o baixíssimo nível do presidente da República e dos seus auxiliares. Então, é claro que esse desgaste – e especialmente com a postura do STF, que não se intimidou e contou com o apoio maciço dos formadores de opinião da sociedade, daqueles que têm condição de fazer uma análise mínima – fez com que o presidente perdesse força nessa tentativa de golpe que, certamente, ele estava trabalhando. Eu penso que, nos dias de hoje, figuras de retórica ridícula – como a criada por um dos filhos do presidente ao afirmar que “para fechar o Supremo precisa apenas de um cabo e um soldado” – despertam o desprezo da sociedade. Um exemplo disso é a prisão do Fabrício Queiroz. A proximidade que a milícia chega do governo Bolsonaro fez com que boa parte daqueles que o apoiavam, começassem a repensar. Eu tenho a mais firme convicção de que o Exército e as Forças Armadas jamais darão apoio a um governo apoiado pela milícia. Essa investigação sobre a milícia nos leva à pergunta que se fazia antes: “onde está Queiroz?”. Essa pergunta provavelmente vai se encontrar – agora que ele está preso e com o desvendamento de parte da milícia que representa – com outra pergunta que ecoa no mundo inteiro: “quem matou Marielle?”. Creio que certamente essa base de milícia, que domina parte do governo brasileiro, não terá o apoio; ao contrário, terá o enfrentamento por parte do generalato brasileiro, do Exército Brasileiro e por parte das Forças Armadas. Atualmente, o risco do Supremo ser fechado – que evidentemente seria uma instituição clara da ditadura, como rompimento das instituições democráticas – praticamente já não existe, porque o fascismo foi acuado. Uma coisa é você ter grupos de direita que se organizam e tentam ocupar espaço na sociedade, gerando uma representatividade; afinal, é assim que se faz a democracia. Outra coisa é você ter a milícia dominando parte da cena e da narrativa da política nacional. Eu penso que esse exagero que se colocou, essa possibilidade de milicianos estarem muito próximos dessas ações mais radicais, fez com que a sociedade tivesse uma visão da necessidade de manter o Estado Democrático de Direito e as instituições.

Alguns militares já expressaram abertamente suas insatisfações de que o Executivo está se sentindo invadido pelos outros dois poderes, o Legislativo e o Judiciário. Há razões para esta reclamação?

Pode ser que tenha um grupo pequeno de militares que queira uma ação ainda mais forte do Executivo e que reclame das decisões do Legislativo e do Judiciário, mas se existe um grupo desse, é um grupo que tem uma visão distorcida do que é um Estado Democrático clássico, é necessário ter independência dos poderes e ter harmonia entre eles. Muitas vezes foram criadas tensões como, por exemplo, na decisão do STF que impediu a posse do diretor-geral da Polícia Federal, que reconheço que são tensões desnecessárias, porque entendo que essa decisão não está de acordo com a determinação constitucional que dá ao presidente da República esta prerrogativa de nomear; mas, é óbvio que isso, de maneira alguma, traz um risco, sequer en passant, de conflito entre os poderes. Acho que o Congresso Nacional tem ocupado um espaço importante no momento de paralisia completa da nação pela inanição do Poder Executivo, que não está governando e não consegue enfrentar uma crise da dimensão que é uma pandemia. Nós acompanhamos como foi feito esse enfrentamento no mundo inteiro e, em todo o mundo, os poderes se uniram para priorizar o combate ao que é mais importante, a crise sanitária, buscando preservar as vidas humanas. No Brasil, infelizmente, o presidente da República politizou o vírus e, ao fazê-lo, banalizou a vida, em um confronto, inclusive, com o seu próprio ministro da Saúde à época, Luiz Henrique Mandetta, que fazia uma gestão responsável e principalmente técnica de enfrentamento à pandemia, priorizando a ciência. Bolsonaro demonstra assim que não tem a menor dimensão do cargo que ocupa, da importância e do simbolismo que é, em um sistema presidencialista, a força do presidente da República. Então, o fato de algumas questões serem levadas ao STF vez ou outra, e algumas decisões do STF receberem uma resposta inadequada, atrevida e até vulgar por parte do chefe do executivo, o presidente, gera uma insegurança, mas não a ponto de gerar uma preocupação quanto à estabilidade. Quando o presidente da República diz que, dependendo da decisão judicial, ele vai se negar a cumprir, ele já demonstra sua pequeneza e espírito autoritário, porque a base de uma democracia é exatamente o respeito entre os poderes, além de que existe uma definição clássica de que o Poder Judiciário é aquele que tem a prerrogativa de errar por último. A interpretação da Constituição, que é o que garante a estabilidade de um Estado Democrático de Direito e a segurança jurídica, é feita pelo STF. Então, nós vivemos hoje um momento extremamente delicado, porque houve um enfraquecimento do Poder Legislativo nos últimos tempos, em razão de uma polarização e uma tentativa de criminalização da política, e, estando o Poder Legislativo enfraquecido, ao mesmo tempo em que há uma crise no Poder Executivo, é evidente que o Poder Judiciário começa a ocupar um protagonismo, e até mesmo um ativismo judicial, que causa essa insegurança para alguns. No entanto, isso é, talvez, necessário para restabelecer um equilíbrio dos poderes com o prestígio que deve ter a classe política no Brasil, com o Executivo possuindo consciência da sua importância em um sistema presidencialista e o Judiciário agindo com responsabilidade e respeito à Constituição, como vem fazendo. Há também um ponto fundamental que serve para essa análise: o início desse governo autoritário se deu exatamente por uma postura do Poder Judiciário na força-tarefa da Lava Jato. A Lava Jato é uma operação que tem uma série de vantagens e de méritos, pois conseguiu desvendar uma corrupção capitalizada como ninguém poderia imaginar, porém, o excesso de poder conferido aos procuradores e juízes, principalmente pela mídia, que fez dos principais atores da Lava Jato de Curitiba semideuses, espetacularizando o processo penal, gerou uma criminalização da política, uma banalização das prisões preventivas e a destruição do instituto da delação premiada – que foi usado pra fazer perseguição de grupos e atingir propósitos que estão muito além do que esse instituto prevê. Então, com isso, nós tivemos ali, naquele momento, em que a Lava Jato era coordenada de forma ilegal e inconstitucional pelo juiz Sérgio Moro, um super Poder Judiciário, e isso teve reflexo inclusive no Judiciário como um todo. Entretanto, eu não acredito que há hoje algum tipo de instabilidade que cause desconforto ao Poder Executivo ou ao Congresso Nacional. O desconforto vem por parte do presidente da República, que é o chefe do Poder Executivo, que é um homem que não tem a noção da dignidade do cargo. E esse governo autoritário do presidente Bolsonaro foi gestado exatamente nos excessos da Lava Jato. O senhor Sérgio Moro e o grupo dele de Curitiba têm essa responsabilidade na história, pois o momento que nós vivemos de muita instabilidade profissional, que vem exatamente do destempero e do despreparo por parte do presidente da República, começou nos excessos da Operação Lava Jato, que é, verdadeiramente, onde nasceu o Executivo de hoje.

É frequente as ameaças da volta da ditadura, do AI-5 e de um endurecimento do regime com o apoio das Forças Armadas e a permanência no poder. O senhor acredita na vitória deste tipo de pretensão de quem defende estas ideias?

Nos últimos meses, nós vimos uma tentativa de enfrentamento desses grupos, que apoiam mais fortemente o presidente da República – inclusive com uma estrutura econômica muito poderosa por trás –, a pregação, até com um balão de ensaio, da volta da ditadura e do AI-5. Mas estes não encontraram o respaldo da sociedade. Eu acho que no Brasil de hoje não existe nenhuma hipótese de ter um fortalecimento desse movimento fascista. Mas que fique claro que, para tanto, é necessário que a sociedade continue absolutamente atenta e fazendo as reações necessárias. Felizmente, reitero, para fazer um enfrentamento desses grupos fascistas foi que nós vimos o crescimento institucional do STF, do Poder Judiciário e do Poder Legislativo. Eu penso que, a partir do momento em que nós temos um presidente inepto, fraco e irresponsável, com uma política genocida de enfrentamento do vírus, que paralisou o mundo inteiro em posições antagônicas em relação ao que ele faz, nós tivemos, felizmente, por parte da sociedade brasileira, uma resposta institucional, através de movimentos criados dos mais diversos setores de enfrentamento. Essas respostas foram tão fortes quanto o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Elas representaram um enfrentamento institucional necessário, que imagino que, a essa altura, já barrou a pretensão golpista de grupos que apoiavam os fascistas que rondam a Presidência da República.

Atribui-se ao ex-comandante Villas-Bôas um movimento no sentido de interferir no desfecho do julgamento do ex-presidente Lula, em Curitiba. Qual o risco desta atitude? E qual sua avaliação da gestão do comandante do Exército, Edson Leal Pujol?

O presidente Bolsonaro é de rara infelicidade e irresponsabilidade; ele muitas vezes lança balões de ensaio para ver qual é a reação da sociedade organizada. Aproximadamente há dois meses, saiu na imprensa que Bolsonaro pensava em mudar o comandante do Exército Edson Leal Pujol; claramente aquilo era um balão de ensaio porque imagino que o presidente da República sequer tem essa força. O Exército é uma instituição absolutamente respeitada e que tem a Constituição como seu norte. Então imagino que quando você começa a ter grupos ligados ao presidente para tentar dar uma interpretação de subleitura e golpista do artigo 142 da Constituição, é exatamente pra fazer esse balão de ensaio e ver qual a reação da sociedade organizada. Eu tenho muita tranquilidade que o Exército jamais apoiará uma decisão que seja irresponsável e golpista. Vale reiterar que acredito que a prisão desse miliciano Fabrício Queiroz, e a investigação avançando em cima de um grupo de milícia, fez com que, nos últimos dias, nós tivéssemos certo arrefecimento por parte desses movimentos pirotécnicos da Presidência e das pessoas mais próximas ligadas a ele. Com certeza a sociedade brasileira vai fazer frente a uma impossibilidade de ver o crescimento da milícia na tentativa de governar o país. Frisa-se: eu tenho a mais absoluta convicção de que o Exército Brasileiro, que é uma instituição admirável, não dará guarita, de maneira alguma, à hipótese de ter milicianos com poder junto ao governo federal.

É saudável que militares da ativa ocupem postos no Governo? Isto põe em risco a isenção das Forças Armadas?

O critério para a ocupação de cargos deve ser a competência, a lisura, o profissionalismo e o compromisso público das pessoas que estão aptas a ocupar os cargos importantes da República. Não considero que seja salutar para o Exército que nós tenhamos um grande número de militares na ativa ou ocupando cargos; não coloco nenhuma dúvida na competência de militares, mas acredito que nós temos que depositar nas Forças Armadas o papel que a Constituição lhes dá. Um governo ocupado por um número excessivo de militares na ativa, na minha visão, não é o ideal.

No inquérito das Fake News, há um segmento da sociedade que diz que o STF abre um grave precedente permitindo que um ministro do Supremo aprove lista de suspeitos, comande a investigação e ele me mesmo julgue. A democracia está sob risco ao se permitir o processo desta forma?

O Regimento Interno do STF – que foi recepcionado pela Constituição Federal e tem força de Lei – prevê expressamente, em seu artigo 43, a hipótese do presidente do Supremo poder instaurar inquérito em situações tais como as apuradas no bojo dessa investigação. Nesse sentido, o STF entendeu recentemente, por 10 votos a 1, que a abertura do inquérito era legal e constitucional. Mais do que isso, eu entendo que ela se fazia necessária. Vivemos em um momento de muita instabilidade. Proliferam-se ações para desestabilizar o Poder Judiciário, com graves e reais ameaças aos ministros e suas famílias, a exemplo das declarações que prometiam o estupro de filhas dos magistrados. Esses movimentos se organizam com significativo apoio financeiro com o objetivo maior de promover o esgarçamento da relação entre os Poderes e, em última análise, o fechamento do Poder Judiciário. Portanto, penso que o Supremo agiu em boa hora. A investigação é necessária e a Procuradoria, hoje, atua prontamente no caso. É importante que a sociedade – e especialmente os operadores do direito – permaneçam vigilantes, acompanhando de muito próximo o desenrolar das apurações. Que após essa investigação, os dados e provas colhidos sejam todos levados ao Ministério Público, que é quem tem o poder de denunciar. Parece-me bastante óbvio que jamais passou pela cabeça de nenhum ministro que ele próprio faria a acusação. Quem diz isso é porque desconhece o funcionamento do STF. O dono da estrutura acusatória brasileira é o Ministério Público Federal. Entretanto, penso que um ponto fundamental é a impossibilidade de participação do ministro Alexandre de Moraes em eventual julgamento, se houver acusação, após o término do inquérito. O pensamento entre nós, um grupo grande de advogados e deputados federais com que tenho conversado, é que a previsão do juiz de garantia deve ser aplicada a esse caso. A ideia foi introduzida na discussão que se deu no tal pacote anticrime, cuja formulação original, propugnada pelo ex-ministro Sérgio Moro, nós conseguimos fragorosamente derrotar. O ministro Alexandre está tomando uma série de providências corretas, afastando o risco real da instabilidade institucional, entretanto, entendo que, em momento posterior, o ministro Alexandre não deverá participar do julgamento, que se dará normalmente pelos demais ministros, com plena estabilidade e cumprimento da Constituição da República.

Qual sua avaliação sobre a postura da OAB Nacional diante dos graves problemas nacionais que levam à preocupação com os crescentes ataques à democracia?

Nesse momento de crise e instabilidade institucional, nós, advogados, e a sociedade brasileira, tivemos a sorte de ter à frente do Conselho Federal da Ordem uma pessoa do nível, da coragem, do destemor e do preparo intelectual do nosso presidente Felipe Santa Cruz. A OAB não está faltando ao Brasil. Em um momento de instabilidade, normalmente o Conselho Federal da Ordem cresce, porque é nesse cenário que é necessário que nós tenhamos certo protagonismo no enfrentamento desses ataques que se faz, não só ao Poder Judiciário, mas à sociedade como um todo e à estabilidade democrática. Eu tenho a honra de advogar para o Felipe Santa Cruz naquele processo em que o nefasto ex-ministro Sérgio Moro tentou, usando a lei de segurança nacional, intimidá-lo, e por consequência intimidou os advogados do Brasil, tentando fazer com que se fosse imposta uma mordaça ao direito de crítica dos advogados; o que, felizmente, não ocorreu dada a estatura moral e intelectual, e a coragem pessoal do Felipe Santa Cruz que se fez presente e se pronunciou em respeito à Constituição. Nesse caso, o Poder Judiciário deu a resposta não aceitando o processo iniciado. Nós, advogados, nos sentimos plenamente representados e temos a convicção de estarmos participando dessa resistência democrática, que se dá através do respeito às instituições, do prestígio que tem que ser feito ao Poder Judiciário, do respeito ao Poder Legislativo e do respeito ao Poder Executivo. Embora o presidente da República não se dê o respeito e tenha afrontado, por diversas vezes, pessoalmente inclusive, o presidente do Conselho Federal da Ordem, nunca houve uma resposta pessoal. O Felipe Santa Cruz, de forma altiva, representa hoje aquele equilíbrio necessário e nosso apoio é para o cumprimento da constituição.

Como coibir desvios de recursos e corrupção tanto na máquina pública federal como estadual? Os governadores foram negligentes com o dinheiro do contribuinte após a liberdade de contratação sem licitação durante a pandemia?

A corrupção é um câncer a ser enfrentado. Ela corrói o tecido social e desestabiliza a sociedade. No entanto, não podemos pregar o combate à corrupção a qualquer custo, passando por cima dos direitos e garantias individuais. Eu costumo dizer, nos últimos anos, quando fiz o enfrentamento dos excessos da força-tarefa da Lava Jato, excessos esses que hoje estão às claras para todo mundo, que os abusos do ex-juiz Sérgio Moro e da força-tarefa de Curitiba, que gestaram esse governo autoritário com pleno desrespeito às garantias constitucionais. Eu afirmo com habitualidade que todos nós queremos o combate à corrupção. Não permito que juiz, delegado ou procurador da República algum diga que quer o combate da corrupção mais do que eu, mais do que qualquer leitor que está lendo agora essa entrevista. Todos nós queremos. A diferença é que eu quero esse combate dentro da plena garantia dos direitos constitucionais. Se nós fizermos um combate ferrenho à corrupção, mas garantindo os direitos constitucionais, nós sairemos desse enfrentamento um país melhor, mais solidário e mais justo. Eu já falava isso quando andava pelo Brasil há 2 ou 3 anos; se nós fizermos esse mesmo enfrentamento como quis fazer parte do Poder Judiciário e parte do Ministério Público, apoiado pela grande mídia, como foi feito nos últimos anos, nós sairemos um país obscurantista, e foi exatamente o que ocorreu. Isto é, essa propaganda, do enfrentamento a qualquer custo, resultou em um governo autoritário. Então, é necessário que se faça esse enfrentamento, especialmente em um momento de pandemia. É absolutamente inadmissível que se possa imaginar qualquer autoridade, que tenha responsabilidade pública, aproveitar esse momento de crise sanitária – onde obviamente existe uma urgência na elaboração de contratos para que sejam atendidas as necessidades do enfrentamento do vírus – para praticar qualquer ato de corrupção. É necessário que a sociedade e o Poder Judiciário façam esse enfrentamento dentro dos cânones constitucionais, com a garantia plena do direito aos investigados, mas de forma bastante vigorosa. Temos que enfrentar não só o vírus da Covid-19, mas também o vírus da corrupção. 

Fonte: O Dia