Jornal Povo

Isolado devido à pandemia do novo coronavírus, Nelson Sargento ganhará várias homenagens por seus 96 anos

Chamado de “a mais alta patente do samba”, Nelson Sargento completará 96 anos, no próximo sábado, recluso em seu apartamento na Tijuca. Triste por estar distante dos palcos e da Mangueira, devido ao isolamento social por conta da pandemia do novo coronavírus, e pela perda recente de amigos músicos como Tantinho, em abril, e Aldir Blanc, em maio, ele não irá comemorar a data como nos anos anteriores. Em 2019, por exemplo, a festa foi em grande estilo, na quadra da Verde e Rosa, durante a tradicional feijoada da escola. Mas isso não significa que este 25 de julho passará em branco. Um grupo de admiradores e amigos está programando uma grande homenagem, seguindo, é claro, os protocolos do “novo normal”.

— Tem sempre um colega querendo fazer alguma coisa. Mas eu não quero tomar conhecimento. Prefiro ser tomado de surpresa. Desde que não me mate de emoção, o que for é bem-vindo — brinca o sambista, que só pede duas coisas: a descoberta da cura para a Covid-19 e a volta aos palcos.

A programação festiva inclui cantatas virtual e presencial — esta última, respeitando as regras de distanciamento, será na calçada do prédio onde o baluarte vive com a mulher, Evonete Belizário. Nelson também receberá moções de louvor e aplauso na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa do Rio.

A ideia do grupo que está preparando as cantatas é levantar o astral do sambista, que teve ao menos cinco shows cancelados, desde o começo da pandemia, e voltou a pintar quadros para driblar a monotonia do confinamento, além de também ajudar nas finanças, com a venda das obras de arte. A intenção inicial era fazer uma coisa bem simples, mas o projeto foi ganhando corpo à medida em que era revelado entre amigos, o que ia gerando novas adesões. Aí vieram o bolo — nas cores da Mangueira e enfeitado com uma miniatura do homenageado —, a apresentação do grupo Saracutiando, cantando sambas de Nelson e da sua escola, e um clipe com a participação de cerca de 30 artistas, que é chamado pelos organizadores de “cantata virtual”.

Tesouro perdido

No clipe, que estará disponível na internet no primeiro minuto do dia 25, os versos de “Agoniza, mas não morre”, uma das composições mais conhecidas do aniversariante, serão entoados por artistas como Teresa Cristina, Tia Surica, Noca da Portela, Moacyr Luz, Mart’nália, Xande de Pilares, Zezé Motta, Regina Casé e Estevão Ciavatta. Paulinho da Viola e Alcione gravaram mensagens que vão abrir e fechar o vídeo. Baluarte e presidente de honra da sua escola, assim como o homenageado, o portelense Monarco também estará na “cantata virtual” para brindar o seu “irmãozinho”, com quem lamenta não ter nenhuma parceria — a não ser uma música que se perdeu entre seus guardados.

— Nelson Sargento é um exemplo de sambista, de compositor e de amigo. É inteligente e humilde. Todos no meio gostam dele. Conheci o Nelson na casa de uma cantora chamada Edna Savaget. Maré braba. Era uma época difícil de gravar, não tinha quase show, e ele estava pintando paredes para ganhar o dinheiro dele honestamente. Nunca fez falcatrua com ninguém. Nunca vi fazendo sacanagem ou falando mal de alguém. Quando a gente se encontra, é meu compadre querido. Ele é presidente de honra da Mangueira e eu da Portela, e quando a gente se encontra é aquele abraço. Parafraseando um samba meu (“Passado de glória”), do qual ele gosta muito, “se eu for falar do Nelson, hoje eu não vou terminar”. Ele é meu irmãozinho, e muito me honra participar dessa homenagem a quem desejo tudo de melhor — diz Monarco.

Os amigos Nelson Sargento e Monarco, baluartes da Mangueira e da Portela
Os amigos Nelson Sargento e Monarco, baluartes da Mangueira e da Portela Foto: Urbano Erbiste / 02.09.2016 / Agência O Globo

A jornalista Ana Condeixa, uma das organizadoras das homenagens, contou que tudo começou quando a colega Zilda Raggio publicou num grupo na internet a intenção de preparar uma pequena homenagem para o sambista, que estaria triste por estar distante dos palcos, da Mangueira e dos amigos. Ana foi uma das primeiras a abraçar a ideia. Depois vieram outros amigos, artistas e uma parceria com o Museu do Samba. O grupo pretende ainda criar perfis nas redes sociais para reunir todas as homenagens e também para que admiradores, sejam anônimos ou famosos, deixem mensagens de parabéns.

— Nelson Sargento, autor de grandes sambas, é a história viva do samba e do morro. Música é alegria e, como diz o ditado, “quem canta seus males espanta”. Nesse momento, homenagear Nelson lava a nossa alma e ajuda a espantar a tristeza. Por sua história de vida, Nelson mostra ser possível vencer as adversidades e viver com alegria. Ele representa tudo o que a gente deveria mirar: chegar a esta idade com alegria e qualidade de vida — aplaude a jornalista.

Live com amigos

Segundo a mulher do baluarte, alguns amigos músicos também estão programando lives com a sua participação, para homenageá-lo pelo aniversário. Sem fazer shows desde o começo do ano, um dos últimos foi no Japão, onde o mangueirense se apresenta todos os anos, Nelson Sargento tem dedicado seus dias à leitura, à conclusão de versos que estavam inacabados e à pintura dos quadros, que são vendidos por valores entre R$ 2,9 mil e R$ 3,5 mil, ajudando a compor as finanças.

Nelson conta ainda com uma aposentaria de R$ 5 mil, mas boa parte desse valor é consumida pelo pagamento do aluguel e por despesas médicas. As dificuldades enfrentadas pelo mangueirense, devido à suspensão dos shows, de onde vem o grosso de sua renda, ficaram evidentes depois de uma nota da coluna do jornalista Ancelmo Gois, de O Globo, no começo de junho, revelando que o compositor havia colocado à venda objetos de seu acervo pessoal, incluindo ternos verde e rosa, usados nos desfiles da escola.

Evonete confirmou a informação, mas disse que não foi necessário se desfazer das peças porque, após a publicação, o casal recebeu vários apoios, inclusive da Mangueira. Além disso, ela criou uma vaquinha virtual, em meados de junho, e conseguiu arrecadar R$ 54 mil.

— Mas ainda não recebemos esse dinheiro. É muita burocracia — reclama Evonete

Nascido na Praça Quinze e torcedor do Vasco, o carioquíssimo Nelson Sargento começou a fazer música ainda adolescente. Em 1955, compôs com Alfredo Português “Primavera”, samba-enredo também conhecido como “As quatro estações do ano” e considerado um dos mais bonitos de todos os tempos, com o qual a Mangueira foi vice-campeã, ficando atrás do Império Serrano. Assina mais de 400 composições, e seu sucesso “Agoniza, mas não morre” tem mais de 30 regravações.

Fonte: Jornal Extra