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Milícia ultrapassa tráfico e já responde pela maior parte dos homicídios na Baixada Fluminense

Em apenas quatro anos, a milícia ultrapassou o tráfico de drogas e se tornou a principal organização criminosa responsável por homicídios na Baixada Fluminense. Em 2016, traficantes estiveram por trás de 40% dos assassinatos na região e os paramilitares, de 22%. No primeiro semestre deste ano, 27% das mortes na Baixada tiveram milicianos como autores e 24% delas, integrantes do tráfico. Os dados constam de um levantamento feito pela Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), ao qual o Jornal Povo teve acesso.

Apesar da queda, tráfico e milícia ainda respondem por mais da metade (52%) dos homicídios na região. O restante das mortes não tiveram relação com nenhuma quadrilha. São crimes passionais ou por motivações financeiras, por exemplo. De acordo com números do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio, foram registrados 525 assassinatos na Baixada nos seis primeiros meses de 2020.

Entre o acordo e a guerra

O delegado titular da DHBF, Moysés Santana, explica que a mudança nos números ocorreu com a expansão cada vez maior de milicianos para a Baixada nos últimos anos. Na região, há “braços” do maior grupo paramilitar do estado e também diversas quadrilhas “independentes”. Em algumas localidades, os milicianos se associaram a traficantes; em outras, disputam território com o tráfico.

— Normalmente, milícia e tráfico matam rivais. Mas milicianos também matam pessoas que roubam, que vendem ou usam drogas e aquelas que não cumprem suas ordens ou não pagam as taxas impostas. Também há traficantes que matam pessoas que assaltam em suas áreas ou que tenham desagradado (algum chefe da quadrilha) — analisa Moysés.

No contexto de disputas territoriais, também são comuns as mortes motivadas por desconfianças de que algum integrante da quadrilha esteja passando informações para rivais ou mesmo que tenha intenção de “mudar de lado”. Uma investigação da DHBF revelou que foi isso que ocorreu com Diego Rodrigo da Silva Rosa, conhecido como Cabeça, morto por milicianos de Queimados.

De acordo com a polícia, o rapaz foi executado em junho do ano passado porque os paramilitares desconfiaram que ele negociava sua ida para a maior facção criminosa do estado. Em Queimados, são frequentes as disputas por territórios entre traficantes e milicianos.

O inquérito foi concluído em abril deste ano e 13 milicianos foram indiciados pelo crime. Todos foram denunciados pelo Ministério Público do Rio.

Apesar de guerra, mortes despencam

Mesmo com o aumento na disputa entre traficantes e milicianos por áreas na Baixada, o número de homicídios vem caindo na região nos últimos anos, acompanhando uma tendência do Estado do Rio e de outros estados do país. Os assassinatos caíram quase pela metade na região desde 2017. No primeiro semestre daquele ano, foram 988 vítimas, 47% a menos em relação ao mesmo período deste ano.

Moysés Santana atribui a queda à atuação da Polícia Civil. Ele ressalta as prisões de milicianos que agiam em Queimados, que fizeram os assassinatos despencarem de 84 no primeiro semestre de 2017 para 21 nos seis primeiros meses de 2020.

— A nossa atuação está totalmente voltada para o tráfico e a milícia. Há homicídios que não conseguimos evitar, como o que ocorre após uma briga de bar. Esses vão acontecer de qualquer forma. Mas a nossa atuação impacta nessas mortes ligadas às organizações criminosas, que representam mais de 50% do total — analisa o delegado.

Grupo de Ecko avança

A expansão da maior milícia do estado, chefiada por Wellington da Silva Braga, o Ecko, para a Baixada gerou uma situação inusitada e, Nova Iguaçu. De acordo com as investigações da Polícia Civil, o PM André Barbosa Cabral, que possuía forte influência nas localidades do Valverde e Grão-Pará, vinha cobrando taxas de milicianos ligados a Ecko para não delatá-los para a polícia. O objetivo de Cabral era virar sócio dos milicianos para ficar com uma parte dos territórios.

O PM foi preso no início deste mês, numa operação da DHBF e do Departamento Geral de Investigação à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro. Contra ele, havia um mandado de prisão preventiva. Em endereços ligados ao PM, foi achado material para instalação de serviço ilegal de TV e internet. Essa não foi a primeira vez que Cabral foi para a cadeia. Em 2009, ele foi preso acusado de integrar o chamado Bonde do Jura, um grupo de extermínio que agia na Baixada.

A assessoria de imprensa da PM informou que “o referido policial foi submetido a Conselho de Disciplina onde, na época, não ficou comprovada sua atuação como integrante de grupo paramilitar, permanecendo nas fileiras da Corporação”. APM disse ainda que “por conta da nova prisão, o policial militar será submetido a novo processo administrativo”.

Fonte: Jornal Extra