Jornal Povo

Ronnie Lessa vira réu por execuções em operação há 20 anos

Em 1º de setembro de 2000, o sargento Ronnie Lessa e mais dois colegas, todos lotados no 9º BPM (Rocha Miranda), executaram dois homens durante uma operação na favela Parque Colúmbia, na Pavuna, Zona Norte do Rio. É o que revela uma investigação que durou 20 anos e só chegou à Justiça na semana passada. A denúncia foi recebida na sexta-feira pela juíza Elizabeth Machado Louro, da 2ª Vara Criminal: Lessa e os subtenentes Guilherme Tell Mega e Floriano Jorge Evangelista Araújo — todos atualmente reformados — viraram réus pelos homicídios.

Desde 2000, Lessa recebeu homenagens dentro e fora da polícia, teve uma perna amputada num atentado em meio a uma guerra entre bicheiros, passou para a reserva e foi preso, em março de 2019, pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Nessas duas décadas, o inquérito vagou por gavetas de delegados e promotores — mesmo com claros indícios, desde a época, de que as vítimas tinham sido capturadas e executadas em seguida.

Foram mortos, na ocasião, Dálber Virgílio da Silva, com um tiro na nuca, e Luiz Fernando Aniceto Alves, com três disparos — um no braço, um no pescoço e um na barriga. O exame cadavérico de uma das vítimas, feito no dia do crime, já contradizia as versões que Lessa e seus colegas apresentaram na 39ª DP (Pavuna): segundo os agentes, houve um tiroteio, as vítimas foram “encontradas” feridas e levadas para o hospital, impedindo a perícia de local.

Ronnie Lessa é apontado pela Polícia Civil e pelo MP como o autor dos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco
Ronnie Lessa é apontado pela Polícia Civil e pelo MP como o autor dos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco Foto: Pablo Jacob

O tiro que matou Luiz Fernando deixou uma “orla de tatuagem” na pele — ou seja, resíduos de pólvora que indicam “disparo de arma de fogo efetuado à curta distância”, segundo uma análise técnica feita pelo Ministério Público em dezembro de 2019.

Segundo o mesmo documento, assinado pelo perito Luiz Carlos Prestes Junior, também há indícios de que Dálber estava “deitado, no momento do disparo”. As provas foram ignoradas pela Polícia Civil à época: não foi feita sequer a comparação balística entre os projéteis achados nos cadáveres e as armas dos PMs, para que se chegasse à autoria dos disparos.

Reviravolta na investigação

Os crimes estavam prestes a completar 20 anos e iriam prescrever quando a investigação sofreu uma reviravolta. O Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) — criado pelo MP para atuar no controle externo das polícias — assumiu o inquérito, e a promotora Karina Puppin estranhou um detalhe: no dia dos crimes, os policiais levaram para a delegacia um jovem como testemunha. Ele corroborou a versão dos agentes e foi liberado. Não fica claro se o rapaz compareceu à delegacia por vontade própria.

O MP passou, então, a procurar o jovem. Ele foi localizado no Nordeste, para onde se mudou justamente depois daquele dia. Em fevereiro passado, a testemunha revelou que era traficante e portava um fuzil na ocasião. Seus comparsas também portavam armas. Segundo o jovem, “após troca de tiros, os PMs conseguiram encurralar os traficantes num terreno baldio” e, em seguida, “executaram os mesmos”.

Ronnie Lessa, após sair do Bope, integrou a Patamo 500, no 9º BPM
Ronnie Lessa, após sair do Bope, integrou a Patamo 500, no 9º BPM

Ele também disse que foi capturado e sufocado com um saco plástico para que fornecesse informações sobre a quadrilha. Em seguida, conta, os PMs propuseram “um acordo”: se ele passasse informações, seria liberado — o que aconteceu. Por fim, ele alegou que havia dois fuzis e uma pistola com os traficantes. Só um fuzil foi apresentado pelos PMs na delegacia.

Vítima tinha invadido delegacia

De acordo com a denúncia encaminhada à Justiça, “os crimes foram cometidos por motivo torpe, qual seja, o justiçamento das vítimas”. À época, Lessa e sua patrulha promoviam uma verdadeira caçada a uma das vítimas. Dálber da Silva, o Binho, era um traficante que tinha certa notoriedade: ele era apontado pela polícia como autor do assassinato de seis policiais e, apenas dois meses antes de ser morto, havia invadido uma delegacia para resgatar sua namorada.

Oriundo da Baixada Fluminense, Binho havia se refugiado no Parque Columbia após entrar na 53ª DP (Mesquita) e render os policiais para libertar a namorada detida na carceragem. Para a PM, na época, a ocorrência que terminou com a morte do traficante foi um sucesso.

A averiguação interna aberta para investigar o caso elogiou a conduta dos agentes: “os meliantes estavam em número maior, porém vendo a determinação dos policiais empreenderam fuga deixando para trás dois elementos”.

Dálber da Silva, o Binho, foi morto pela patrulha de Ronnie Lessa
Dálber da Silva, o Binho, foi morto pela patrulha de Ronnie Lessa Foto: Gustavo Azeredo

A temida patrulha

Na época das execuções, Ronnie Lessa integrava uma patrulha que ficou conhecida na Zona Norte como Patamo 500, nome que faz referência ao jargão policial para o grupamento de cinco agentes armados com fuzis e responsável por fazer rondas, seguido pelo número da viatura que eles usavam.

O comandante da patrulha era, na época, o major Cláudio Oliveira — atualmente preso e condenado a 36 anos de prisão pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli.

Internamente, na PM, a patrulha era considerada uma referência em incursões em favelas. Já entre os moradores da região policiada pelo 9º BPM, a simples presença do grupo provocava terror: a Patamo 500 colecionava mortes em serviço e casos de truculência, mas nunca foi punida pela corporação.

Após a dissolução da patrulha, entretanto, todos os seus integrantes foram presos. Em 2006, Guilherme Mega foi um dos alvos da Operação Tingui, que investigou ligação de PMs com traficantes. Já Floriano Araújo, o Xexa, foi preso em 2011, na Operação Guilhotina, que teve como alvo PMs que foram acusados de receber propina e desviar armas apreendidas. Ambos foram soltos e absolvidos. Lessa e Oliveira seguem na cadeia.

Fonte: Jornal Extra