Jornal Povo

SETOR AÉREO TENTA RESTAURAR ROTINA DE VOOS NO BRASIL

Um dos mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus, o setor aéreo passa por uma lenta recuperação ao mesmo tempo em que ainda busca retomar a confiança dos passageiros. Um dos desafios das companhias têm sido convencer os clientes de que é seguro embarcar com centenas de pessoas, em uma aeronave fechada, no momento em que o Brasil ultrapassa a marca de 106 mil mortos por Covid-19.

A queda na demanda por passagens domésticas e internacionais chegou a 93% em abril em relação ao mesmo período no ano passado. Em junho, o percentual era um pouco menor, de 86% na mesma comparação. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), a volta dos passageiros está relacionada com a retomada de setores econômicos que exigem viagens e com os protocolos de segurança validados no Brasil e no exterior.

Passageiros fazem check-in em balcões protegidos por acrílicos no Aeroporto de Teresina Foto: Infraero
Passageiros fazem check-in em balcões protegidos por acrílicos no Aeroporto de Teresina Foto: Infraero

Essas medidas sanitária estão implementadas desde o fim de junho e envolvem as companhias aéreas e os aeroportos. Os protocolos permitem a entrada no aeroporto apenas de quem vai viajar, determina a obrigatoriedade de uso de máscaras, o check in sem contato manual, a utilização de um sistema de sanitização nos aparelhos de raio-x e o distanciamento nas filas de embarque.

Mas o principal argumento usado em favor da segurança do transporte aéreo é a utilização, em toda a frota brasileira, de um sistema de filtragem capaz de trocar todo o ar da aeronave a cada três minutos. Os filtros HEPA (High Efficiency Particulate Air) conseguem filtrar 99% dos microrganismos do ambiente, inclusive o coronavírus.

“Os filtros HEPA estão presentes em todas as aeronaves no Brasil, que tem frota jovem, com menos de 10 anos. Ele limpa 99% do ar a cada três minutos, puxando o ar de cima para baixo. As pessoas são obrigadas a viajar de máscara, mas se uma partícula escapar de um passageiro, ela não chegará à quem está do lado pois o filtro puxa para baixo. Isso torna o ambiente do avião tão seguro quanto uma sala cirúrgica”, disse o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz.

Receio persiste

Morador de Goiânia e funcionário de uma empresa de planos de saúde, o supervisor administrativo Gabriel Henrique Cardoso Gomes, de 25 anos, precisou fazer uma viagem a trabalho no começo de agosto. Ele afirma que sentiu segurança na maior parte do itinerário, entre Goiânia e Fortaleza, embora tenha críticas relativas aos protocolos adotados pelas companhias aéreas.

“Meu voo de volta demorou 15 horas, teve duas escalas e trocas de aeronave. Todo esse tempo dentro de aviões e aeroportos causou receio. Os voos estavam cheios e preocupa ver tanta gente perto uma da outra. No saguão você pode sentar em uma cadeira e na outra não, sempre tem uma vazia a seu lado. Eu acho que não custaria nada fazer o mesmo no avião e deixar o assento do meio vazio, isso deixaria a gente mais tranquilo”, disse Gomes.

Fila e aglomeração marcaram o desembarque do voo onde estava o publicitário Hélcio Vieira Foto: Arquivo pessoal
Fila e aglomeração marcaram o desembarque do voo onde estava o publicitário Hélcio Vieira Foto: Arquivo pessoal

O publicitário Hélcio Vieira, de 63 anos, viajou de São Paulo para Salvador na última quarta-feira (12). Ele relata ter presenciado aglomerações em dois momentos de desembarque. O primeiro quando os passageiros tiveram que fazer uma trocar de aeronave, antes da decolagem. O segundo ocorreu na chegada ao destino.

“Antes de abrir as portas para realizar a troca já havia pessoas no corredor do avião, em aglomeração. Foi uma confusão, a maioria não se atentou para os protocolos mas considero que também faltou preparo da tripulação. A mesma coisa aconteceu na hora do desembarque em Salvador, com as pessoas novamente de pé e gente tossindo. Eu fiquei preocupado pois sou diabético, obeso e tenho disfunção renal”, disse.

Hélcio Vieira, de 63 anos, dentro do avião durante viagem de São Paulo para Salvador Foto: Arquivo pessoal
Hélcio Vieira, de 63 anos, dentro do avião durante viagem de São Paulo para Salvador Foto: Arquivo pessoal

Dentro das aeronaves, a recomendação passada no sistema de som é para que o desembarque seja realizado de forma ordenada. Os passageiros da segunda fileira devem aguardar sentados e se levantar somente após a saída dos que estão na primeira e assim por diante.

Sanovicz afirma que a associação tem trabalhado para fazer essas informações chegarem aos clientes. De acordo com a Abear, cerca de 25 milhões de emails ja foram enviados para os consumidores que estão cadastrados nos bancos de dados das companhias aéreas brasileiras.

A fila de embarque do Aeroporto de Guarulhos, na última quarta-feira (12) Foto: Arquivo pessoal
A fila de embarque do Aeroporto de Guarulhos, na última quarta-feira (12) Foto: Arquivo pessoal

“Temos sido muito insistentes na orientação dos passageiros, nas nossas comunicações e à bordo.  As informações são repetidas várias vezes, mas temos que seguir conscientizando. Não há outro instrumento à nossa disposição. Temos que chamar a atenção para o sentimento de solidariedade e empatia com as pessoas à volta”, afirma Sanovicz.

Riscos

Apesar do protocolo adotado pelas companhias aéreas, a pandemia ainda não está controlada no Brasil, que contabilizou na sexta-feira (14) uma média móvel diária de 993 óbitos por Covid-19 nos últimos 7 dias. Diante desse cenário, a recomendação dos profissionais de saúde é para que as pessoas façam viagens apenas se não houver outra possibilidade.

A temperatura de passageiros é aferida antes do embarque Foto: Infraero
A temperatura de passageiros é aferida antes do embarque Foto: Infraero

Entre os motivos da recomendação estão a falta de obrigatoriedade da realização de testagem antes dos voos e o risco de aglomeração dentro e fora da aeronave. Em alguns aeroportos, ainda é preciso embarcar em um ônibus para fazer o trajeto entre o avião e as salas de embarque e desembarque.

“A orientação é para viajar apenas em último caso, mas já existem normas de segurança que devem ser cumpridas por quem não tiver outra opção. O mais importante é manter o máximo de distanciamento, usar a máscara o tempo inteiro e higienizar as mãos sempre que for levá-las à boca, olhos e nariz”, disse a professora Zilah Cândida Pereira das Neves, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), que realiza pesquisas sobre protocolos de biossegurança.

A pesquisadora acrescenta a necessidade de haver fiscalização para verificar se os protocolos têm sido cumpridos. Sobretudo em relação à higienização de banheiros e disponibilização de álcool em gel.

Embarque feito com distanciamento social em aeroporto brasileiro Foto: Infraero
Embarque feito com distanciamento social em aeroporto brasileiro Foto: Infraero

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que foi aberto um processo administrativo de regulação e consulta pública para para dar suporte às atividades de fiscalização nos aeroportos. A proposta visa garantir aos fiscais suporte regulatório para determinar e exigir condutas de passageiros, instalações comerciais e responsáveis pelos meios de transporte.

“A proposta de regulamentação busca reforçar medidas de combate à pandemia, incluindo o uso de máscaras, adoção de distanciamento social e higienização das mãos, conforme já amplamente divulgado pela Agência”, diz a nota da Anvisa.

Mercado

Dependente do controle da pandemia para a plena recuperação, a Abear calcula que o ainda vai levar cerca de um ano e meio para o mercado interno voltar ao patamar que estava antes da chegada do novo coronavírus. A recuperação da malha internacional deve ser mais tardia e provavelmente ocorrerá entre 2023 e 2024, de acordo com a associação.

“O mercado internacional tem um quadro muito mais grave, são voos longos, nos quais não é possível realizar sem serviço de bordo. E tem o agravante de que em vários lugares os passageiros que partem do Brasil estão com a entrada vetada. A imagem que chega ao mundo é de descontrole na forma de tratar a pandemia”, afirma Sanovicz.

A Abear estima que no fim de agosto a oferta de voos domésticos regulares seja de 743 por dia, em média. Esse número representa 31% da quantidade ofertada antes da pandemia. A expectativa da associação é que os voos sejam realizados com 70% de ocupação de passageiros. Na mesma altura a entidade espera voltar a atender 61% dos destinos onde as companhias costumavam operar.

Fonte: Época