As recentes tentativas de invasão do Morro da Mineira, na Região Central do Rio, e da Praça Seca, na Zona Oeste, fazem parte de um plano da maior facção do tráfico do Rio para retomar territórios perdidos nos últimos anos. Desde 2017, a quadrilha assistiu ao avanço de um grupo rival de traficantes e da milícia, que formaram uma aliança e passaram a invadir os domínios da facção dominante. De lá para cá, vários redutos antigos da quadrilha passaram para a mão dos desafetos, como a Cidade Alta, em Cordovil, as favelas do Rola e Antares, em Santa Cruz, e várias comunidades da Praça Seca e da Baixada Fluminense.
Desde o fim do ano passado, nos bailes funk das favelas da facção uma música citava que “a meta em 2020” seria a Mineira. A retomada da comunidade, que já foi controlada pela quadrilha, é uma das prioridades de vários chefões presos. A comunidade é reduto de Ricardo Chaves de Castro Lima, o Fu, que já tentou invadi-la em 2015, sem sucesso, quando estava solto. Hoje, ele cumpre pena na Penitenciária Federal de Campo Grande e foi um dos responsáveis por ordenar o ataque. A invasão foi financiada pela “caixinha” da facção — dinheiro que custeia armas e acessórios (coletes, lunetas, roupas camufladas) proveniente de contribuições de seus integrantes.
A invasão da Mineira também é considerada uma vingança por Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, chefe da Rocinha preso em Porto Velho, Rondônia. Leonardo Miranda da Silva, o Léo Empada, chefe de todo o Complexo do São Carlos — a Mineira é uma das favelas do conjunto — foi o responsável pela tentativa de invasão da Rocinha em 2017, que desencadeou na ocupação da favela pelo Exército e no ingresso de Rogério 157 em sua atual facção.
Desde então, o chefe da Rocinha jurou de morte o desafeto e busca uma oportunidade para o contragolpe. Por isso, enviou 50 homens para a favela — parte do grupo a caminho da Mineira foi interceptada por PMs na Lagoa; houve tiroteio, dois criminosos foram presos e um fuzil foi aprendido.
Um ataque, quatro bandos
Os invasores usaram como base para o ataque o Morro da Coroa, comunidade vizinha à Mineira que já havia sido invadida pela facção em março do ano passado, após meses de tiroteios. A Coroa era considerada um ponto chave na região porque é separada da Mineira por apenas uma via: a Rua Itapiru. Na última quarta-feira, saíram da Coroa em direção à Mineira traficantes das favelas do Fallet, Fogueteiro, Turano, Prazeres e Providência — um bando conhecido como “Tropa do Joaquim”, comandado por Paulo César Baptista de Castro, o Paulinho do Fogueteiro.
Ao todo, participaram do ataque quatro bandos da facção: um deles é o proveniente de favelas na Zona Sul, a mando de Rogério 157; outro conhecido como “Tropa do Urso”, comandado por Pedro Paulo Guedes, oriundo do Complexo da Penha; um terceiro veio da Baixada Fluminense, chefiado por José Carlos dos Prazeres Silva, o Piranha — chefe da favela do Castelar, em Belford Roxo; e, por fim, a “Tropa do Joaquim”, de favelas vizinhas à Mineira.
Alguns criminosos que participaram do ataque já haviam tentado invadir, há um mês, a Praça Seca — que já foi dominada pela facção e, desde 2017, está nas mãos da milícia, apoiada pela quadrilha rival. Em quatro oportunidades diferentes, a “Tropa do Urso” e traficantes provenientes da Cidade de Deus e do Complexo do Lins tentaram se instalar, sem sucesso, em favelas da região. Em março, o mesmo grupo já havia invadido o Morro do Dezoito, em Quintino, usado como base para a tentativa de retomada.
Novas investidas
A polícia monitora novas investidas da maior facão do estado para retomar outras duas favelas invadidas recentemente: a Cidade Alta, em Cordovil, tomada em 2017 pela mesma facção que domina o Complexo de São Carlos, e a favela de Antares, em Santa Cruz, invadida em 2017 pela milícia.
A perda de domínios pela quadrilha coincide com um pacto costurado entre a milícia e a quadrilha de traficantes rivais, que domina a Serrinha, o São Carlos e Vigário Geral. O acordo foi costurado, no fim de 2018, por Walace de Brito Trindade, o Lacoste, chefe do tráfico da Serrinha, e Wellington da Silva Braga, o Ecko, chefe da maior milícia do Rio. O objetivo era conseguir invadir e manter o controle sobre a Praça Seca.
A invasão da Mineira terminou com a morte de Ana Cristina da Silva, de 25 anos, baleada enquanto tentava proteger o filho de 3 anos de um tiroteio na noite de quarta-feira. Ao todo, 16 criminosos foram presos e nove fuzis foram apreendidos pela polícia.
Fonte: Jornal Extra