Jornal Povo

Defensoria do RJ aponta que soltura de presos em flagrante cresceu no início da pandemia

Um levantamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) referente à pandemia no estado constatou que, na primeira quinzena de isolamento social, a Justiça fluminense igualou os números de prisões preventivas aos de solturas em casos de flagrante.

O resultado contrasta com relatórios anteriores da Defensoria demonstrando que, nas audiências de custódia – idealizadas para uma análise mais ágil da prisão em flagrante –, para cada liberdade temporária concedida, duas prisões preventivas eram decretadas.

“Uma explicação para essa tendência pode ser uma atenção maior à questão do contágio logo no início e, com o tempo e a estabilização da situação, o retorno à situação anterior”, sugeriu a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça, Carolina Haber, que coordenou o trabalho.

De acordo com a Defensoria, foram analisados 2.395 casos de prisão em flagrante entre 19 de março e 10 de maio.

No período, 1.480 homens e mulheres (62% do total) atendidos por defensores públicos do Núcleo de Audiência de Custódia tiveram a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva – por tempo indeterminado.

A Justiça concedeu aos outros 915 presos e presas (38%) a liberdade provisória. Isso significa que mais pessoas conseguiram a liberdade provisória na comparação com o mesmo período do ano passado, quando 26% dos presos em flagrante conseguiram responder ao processo soltos.

Liberdades temporárias caíram

Por outro lado, os dados da Defensoria demonstram que, com o passar das semanas durante a pandemia, o volume de liberdades provisórias foi caindo pouco a pouco.

Nos primeiros sete dias, o estudo indicou que o número de flagrantes convertidos em preventiva foi exatamente igual ao de liberdades concedidas: 164. Na segunda semana, a situação praticamente se repetiu: houve concessão de liberdade para 47% dos presos.

Depois, o índice se manteve entre 36% e 34% até chegar a apenas 28% na sétima semana.

“Essa redução do índice de liberdades coincidiu com o período mais agudo da pandemia no Estado do Rio de Janeiro, com o alcance do pico no número de óbitos por dia”, analisou a coordenadora do Núcleo de Audiências de Custódia, Caroline Tassara.

Crimes que levam à prisão preventiva

A pesquisa da Defensoria Pública também identificou quais dos crimes cometidos mais levaram à concessão de liberdade ou à decretação de prisão preventiva.

De acordo com o relatório, o crime que mais conduziu à liberdade temporária foi o crime de furto, se considerado de forma isolada, com 92% de liberdades concedidas.

E o crime de roubo, também considerado de forma isolada e segundo o estudo, foi o que mais conduziu à prisão preventiva, com 97,5% de prisões convertidas.

Fundamentação das decisões

A fundamentação da decisão judicial na concessão de liberdade provisória ou de conversão do flagrante em prisão preventiva também foi analisada na pesquisa.

É destacado que a Covid-19 é usada mais como argumento para conceder a liberdade provisória do que a prisão preventiva. Ao ser usada como argumento para a soltura, a Covid-19 é usada de maneira genérica, e não entra em detalhes sobre a situação específica do acusado”.

Entretanto, quando usada como argumento em favor da prisão, o estudo da Defensoria apontou que a pandemia aparece de maneira mais específica: o custodiado não faz parte do grupo de risco, logo deve ser mantido preso.

A pesquisa da Defensoria identificou nas decisões judiciais que negaram liberdade aos custodiados a justificativa de as cadeias estarem isoladas e não haver notícias de contaminação de coronavírus nas unidades prisionais.

A pesquisa também detectou que a menção à pandemia nas decisões judiciais em audiências de custódia também varia conforme o crime em análise: em 139 casos a Covid-19 foi citada em favor da libertação de custodiados acusados de furto.

Por outro lado, a doença apareceu somente três vezes como argumento para a liberdade provisória de presos em flagrante por roubo.

Isso leva a defensores a analisarem que a tendência é manter presas as pessoas acusadas de crimes considerados graves e que a Covid se tornou um argumento a mais na negativa de soltura.

“Algumas decisões negando a liberdade, mesmo em crimes sem violência ou grave ameaça, ocorreram sob a alegação de que a pandemia não seria justificativa razoável para a liberdade, em especial porque não haveria qualquer notícia de contaminação da população carcerária, que se encontraria absolutamente isolada”, explicou Caroline Tassara.

O levantamento da Defensoria Pública constatou, ainda que ao longo das sete semanas examinadas, foi registrado aumento gradual dos crimes enquadrados na Lei de Drogas, e uma queda no número de roubo e de furto.

O estudo constata também que, no começo da pandemia, foi bem menor o número de prisões por tráfico de drogas. Isso, segundo a DPRJ, coincide com o período em que houve uma redução das operações policiais nas favelas do Rio.

O levantamento demonstra que, ao longo das primeiras sete semanas de pandemia, é maior a concessão de liberdade provisória para os crimes da Lei de Drogas. A incidência de 44,59% de solturas na primeira semana despenca para 9,26% na sétima e última semana.

Uma possível explicação para essa diferença, segundo Carolina Haber, é que nas primeiras semanas da pandemia os crimes de Lei de Drogas foram praticados na “forma simples”. Depois, ela indicou que foram registradas mais ocorrências desses crimes associado a outro.

“Essa mudança na tipificação é consequência de não ter havido operações policiais em comunidades nos primeiros dias da pandemia. À medida em que essas operações foram retomadas, houve mudança no perfil dos crimes bem como na frequência com que os presos em flagrante por Lei de Drogas tiveram liberdade provisória negada”, analisou Haber.

Fonte: G1