Jornal Povo

Baixa adesão de alunos e cuidados redobrados marcam reabertura de escolas privadas no Rio

RIO — No primeiro dia de volta às aulas na rede particular, a Escola Nova, na Gávea, ainda está silenciosa, sem os ruídos característicos dos colégios. A primeira aula de Educação Física presencial após quase seis meses de ensino remoto foi com apenas três alunos em quadra. As atividades começaram com um lembrete do professor Fábio Guzzo:

— Com as máscaras, a nossa respiração fica mais difícil durante o exercício, então vamos devagar — disse.

A instituição de ensino da Zona Sul foi uma das primeiras escolas da cidade a retomar as atividades nesta segunda-feira, dia 14. Os colégios particulares estavam autorizados a reabrir para aulas presenciais nesta data, mas uma decisão liminar da Justiça do Trabalho suspendeu o decreto do governo do estado que autorizava a volta. Neste domingo, no entanto, uma nova decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) suspendeu a anterior, permitindo que as escolas reabram. O desembargador Carlos Henrique Chernicharo, do plantão judiciário do TRT, suspendeu os efeitos da liminar que impedia a retomada — prevista em decreto do estado para os ensinos fundamental e médio —, atendendo ao Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro (Sinepe-RJ).

Neste primeiro dia, voltaram ao colégio as turmas de 1º, 4º, 5º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio. Ainda que a decisão da Justiça permitindo a retomada das atividades tenha saído num domingo, a instituição conseguiu entrar em contato com pais, mães e responsáveis para avisar que a escola reabriria.

— Vamos dar uma semana para equilibrar as coisas. Acho que não vamos ter nem cem alunos. As turmas normalmente têm 30, e agora serão 8, num esquema de rodízio — contou a diretora-geral da unidade da Escola Nova, Verinha Affonseca.

De acordo com a diretora, nem todos os membros da equipe vão retomar as atividades presenciais neste momento. Algumas turmas continuarão com ensino híbrido, tanto com professores quanto com colegas à distância, acompanhando as aulas pela internet.

A primeira aluna a chegar à escola foi Catarina, de 13 anos, aluna do 8º ano. Acompanhada do pai, ela entrou animada na unidade, ainda tentando entender com os funcionários o “novo normal” do local, como todo o ritual na porta, de higienização das mãos e dos calçados e medição de temperatura. Os protocolos de saúde estabelecidos pelas autoridades foram destacados em nota enviada pelo Sinepe-RJ, em que afirma que os estabelecimentos de educação básica que desejarem reabrir estão liberados para retornar com as aulas presenciais.

— Foi muito ruim ficar longe, tendo aula on-line. Estou animada para rever meus amigos — disse.

— Avaliamos muito e pensamos pelo que vemos lá fora. Acredito que a escola está preparada para recebê-los — disse o pai da jovem, o livreiro Eduardo Gasparian, de 61 anos.

A empresária Patrícia Moreno, de 50 anos, levou o filho, Enrico, de 14 anos, que correu para entrar na escola:

— Hoje ele nem me deu trabalho para acordar, de tão animado! Ele estuda aqui desde o primeiro ano, são os amigos de uma vida toda. Foram meses difíceis — contou.

Entre o presencial e o on-line

Neste primeiro dia, foram cerca de 60 alunos – o quadro total da unidade gira em torno de 900 estudantes. Na turma do 3º ano do Ensino Médio, em meio às expectativas para a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), passar tantos meses longe dos colegas e acompanhando as atividades pela tela do computador deixou os alunos ansiosos para a volta presencial.

— Para mim estava muito ruim. Não tive medo nenhum de voltar. Estava sentindo muita falta. Aqui a gente tem uma tradição de fazer a festa junina, vender coisas na escola para juntar dinheiro para a formatura. Está sendo um ano muito difícil — contou Maria Eduarda, de 18 anos, que quer estudar Direito.

— Eu sinto que a gente não teve o terceiro ano, sabe? Estudamos lá no início e agora voltamos. Era muito estranho ficar estudando on-line, e imagino que fosse muito ruim para os professores também, ficar dando aula para uma tela — completou o colega Leonardo, de 17 anos.

A primeira aula da turma foi de Inglês. Além dos seis alunos em sala, o restante da turma acompanhou as atividades por videochamada. A professora Mara Campos se desdobrava entre a webcam e com quem estava frente à frente. Quando um dos alunos em sala fazia algum comentário, ela deixava o celular próximo, para que a turma em ensino remoto pudesse acompanhar.

— É muito difícil falar com uma máquina. A tecnologia ajuda como um suporte, mas o contato pessoal é muito importante — disse a professora.

Falta de consenso

Com a derrubada da liminar que suspendia a volta às aulas, o Colégio Carolina Patrício chegou a comunicar aos pais que retomaria as atividades presenciais, mas voltou atrás por entender que a prefeitura do Rio proíbe a reabertura das escolas. Na unidade da Gávea, um pai chegou a levar o filho na manhã de desta segunda-feira e só no local soube que o colégio ainda estava fechado.

— Fica muito confuso, a gente acaba ficando sem referência. Nós estamos prontos para reabrir. Ontem quando a decisão saiu, os responsáveis foram avisados, mas recuamos em função da posição da prefeitura — explicou a diretora-adjunta da unidade, Mônica Bezerra: — As turmas voltarão escalonadas, em rodízio, com horário encurtado, e o ensino permanece híbrido.

Na última quinta-feira, numa ação do Sindicato dos Professores (Sinpro-Rio), a 23ª Vara do Trabalho do Rio suspendeu o retorno até que se tivesse uma vacina contra a Covid-19 ou comprovação de que os estabelecimentos são seguros. A decisão foi chamada pelo desembargador do TRT de “descabida, inoportuna e ilícita”. Ele destacou que a medida do estado não condiciona o retorno à existência de vacina.

Apesar da decisão do magistrado, a prefeitura divulgou em nota que a rede privada não pode retomar as aulas devido a outra determinação do Tribunal de Justiça do Rio, que suspendeu decreto municipal autorizando a reabertura. O município recorre ao STF. Mas a própria prefeitura afirma que não regula o retorno das atividades de creches e escolas particulares, mas apenas autoriza as condições sanitárias para o seu funcionamento.

Na rede pública estadual, o retorno é planejado para o dia 5 de outubro no caso dos alunos sem internet. Na rede municipal do Rio, não há previsão.

Fonte: O Globo