O número de PMs presos por envolvimento com milícias nos nove primeiros meses de 2020 já é maior do que o registrado nos dois anos anteriores inteiros. Um levantamento feito com base em denúncias do Ministério Público do Rio remetidas à Justiça pelos crimes de constituição de milícia privada, organização criminosa, corrupção passiva, extorsão e homicídio mostra que, este ano, 31 policiais militares foram para a cadeia por integrarem, chefiarem ou receberem propina para não combater grupos paramilitares. Em 2019, 19 PMs foram presos por ligação com milícias; em 2018, o número chegou a 26.
O batalhão que lidera o ranking de unidades onde trabalhavam os agentes envolvidos com milícias é o de Jacarepaguá, o 18º BPM, onde eram lotados sete PMs. O bairro também é a área de atuação de 17 dos policiais que trabalhavam para os grupos paramilitares. Estão na cadeia agentes envolvidos com as milícias de Rio das Pedras, Tirol e Asa Branca, todas comunidades da região.
Em 2020, nove operações levaram à prisão de PMs envolvidos com milícias — todas elas foram resultado de investigações conjuntas da Polícia Civil e do Ministério Público. Nenhuma delas foi desenvolvida pela Corregedoria da PM, orgão correcional da corporação.
Dos 31 agentes, apenas três são oficiais. Só um dos PMs já passou para a reserva: o capitão reformado Epaminondas de Queiroz Medeiros Junior, preso em janeiro na Operação Intocáveis 2, acusado de ser, desde 2014, um dos chefes da milícia de Rio das Pedras. Além de Queiroz, outros quatro policiais militares presos este ano são apontados pela Polícia Civil e pelo MP como chefes de milícia.
O capitão Leonardo Silva, preso em julho, é um deles: na PM, ele era gestor de contratos da Diretoria de Transporte (DT); fora dela, o oficial comandava, segundo o MP, uma milícia que também explorava a venda de drogas em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio. Outro é o sargento André Barbosa Cabral, que queria instalar uma espécie de franquia da maior milícia do Rio nas regiões Valverde e Grão-Pará, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Cabo foi preso duas vezes em três anos
No último dia 2 de junho, o cabo Luiz Fernando Cardoso de Loiola, o Nandinho, lotado no 39º BPM (Belford Roxo), foi posto em liberdade por uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele estava preso há um ano e oito meses, acusado de chefiar uma milícia que controla a venda de botijões de gás em Austin, Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Nandinho não ficou nem três meses fora da cadeia: no último dia 27, ele foi um dos 32 alvos da Operação Consagrado.
De acordo com a nova denúncia, Nandinho, mesmo preso, seguiu chefiando o bando, que é responsável por cerca de 20 mortes numa disputa pelo controle do transporte de mototáxi no município. Só podia circular na região quem pagasse taxa para os criminosos. Outros três policiais militares que eram subordinados de Nandinho no bando também conseguiram habeas corpus este ano e foram presos novamente. Todos eles, mesmo após a primeira prisão, seguiram na PM.
Mais agentes são alvo de investigações
As investigações que levaram à cadeia os 31 PMs também apontam o envolvimento de outros policiais que ainda não foram identificados com milícias. O inquérito que culminou na operação Porto Firme, por exemplo, detectou contatos entre agentes do 31º BPM (Recreio) — batalhão responsável por patrulhar Vargem Grande, a área de atuação do bando — e milicianos presos.
Ligações interceptadas pela polícia revelam que os PMs da unidade, ao receberem denúncias da população sobre a milícia, avisaram os milicianos antes de irem aos locais apontados nos chamados. Numa das ligações, Gabriel da Silva Alves, o Biel, diz para Caio Camilo Assis, o Canela — dois integrantes da milícia hoje foragidos —, “não dar mole” porque havia recebido um recado de um agente do batalhão, chamado de “amigo que recebe a meta”, como o grupo se refere à propina.
Segundo o PM, identificado como “Moura”, uma vizinha de Canela o procurou para denunciar o miliciano: “ele anda armado, e na casa dele é um entra e sai e que tem certeza de que é ponto de venda de drogas”. Antes de checar a denúncia, o PM alertou o bando.
Lista também têm ex-PMs e policiais civis
Em 2020, também foram presos sete ex-PMs e três policiais civis por ligação com a milícia. Entre os agentes da Polícia Civil que foram parar na cadeia, está o chefe do setor de investigações da 16ª DP (Barra da Tijuca), Jorge Luiz Camillo Alves — preso na Operação Intocáveis 2, contra a milícia de Rio das Pedras. O MP descobriu uma intensa troca de mensagens entre Alves e Ronnie Lessa, preso pelo homicídio da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Lessa negociou com Alves a retirada de máquinas caça níqueis apreendidas da delegacia. O agente foi responsável pelas investigações sobre as construções irregulares na Muzema — onde dois edifícios construídos por milicianos desabaram em abril do ano passado, deixando 24 mortos.
Procurada, a PM alegou que a Corregedoria apresenta “resultados efetivos” no combate à milícia. Segundo a corporação, desde 2017, “seis policiais militares foram excluídos da corporação por envolvimento em atividades relativas às práticas de milícias”.
Fonte: Jornal Extra