O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quinta-feira (8), a partir das 14h, se o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vai prestar depoimento oralmente ou por escrito no inquérito que apura se ele tentou interferir politicamente na Polícia Federal. A sessão de hoje é a última a contar com a participação do ministro Celso de Mello, que se aposentará no dia 13 de outubro.
O processo foi aberto em maio e se baseia nas acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que Bolsonaro planejou interferir na PF. O presidente nega qualquer ingerência na corporação.
Ao deixar o ministério, em abril, Moro afirmou que havia sofrido pressão de Bolsonaro para alterar o comando de superintendências da Polícia Federal e para compartilhar relatórios de inteligência da corporação. O inquérito aberto no STF apura se as declarações de Moro são verdadeiras.
Acusações de Moro
Sergio Moro pediu demissão do Ministério de Justiça e Segurança Pública em 24 de abril, horas depois de Bolsonaro publicar no Diário Oficial da União (DOU) a exoneração do então diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo.
“Pra mim, esse último ato [a exoneração de Valeixo] é uma sinalização de que o presidente me quer realmente fora do cargo. Essa precipitação na exoneração, não vejo muita justificativa”, disse Moro.
“A exoneração, fiquei sabendo pelo DOU. Não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso me foi trazido, em nenhum momento o diretor da PF apresentou um pedido formal de exoneração”, afirmou. “Eu fui surpreendido, achei que isso foi ofensivo.” O Diário Oficial informou que a exoneração havia sido feita “a pedido” do ex-diretor-geral da PF, o que, de acordo com Moro, não é verdade.
O ex-ministro afirmou que via a troca no comando da PF com muita preocupação por considerar tratar-se de uma interferência política do presidente. Ele afirmou também que Bolsonaro, em mais de uma ocasião, expressou que queria um diretor na instituição que fosse da confiança dele.
“[Bolsonaro quer uma pessoa para a qual] pudesse ligar, colher informações, que pudesse colher relatórios de inteligência, seja o diretor-geral, seja o superintendente, e realmente não é o papel da PF prestar esse tipo de informações”, destacou Moro.
“Ele [Bolsonaro] assumiu um compromisso comigo que seria escolha técnica [para a direção da PF], eu faria essa escolha. [O nome] poderia ser alterado desde que tivesse uma causa consistente”, explicou o ministro. “Não tendo [justificativa] e percebendo essa interferência política, é algo que não posso concordar”, completou. “Eu disse que seria uma interferência política. Ele disse que era mesmo.”
Bolsonaro nega acusações
Horas após as acusações de Moro, Bolsonaro afirmou que “não precisava pedir autorização para trocar ninguém” e Moro teria condicionado a saída de Valeixo a uma indicação para o STF. “Não são verdadeiras as insinuações de que eu desejaria saber sobre investigações em andamento. Nos quase 16 meses em que esteve à frente do Ministério da Justiça, o senhor Sergio Moro sabe que jamais lhe procurei para interferir nas investigações que estavam sendo realizadas”, declarou o presidente.
“Mais de uma vez, o senhor Sergio Moro disse para mim: ‘Você pode trocar o Valeixo sim, mas em novembro, depois que você me indicar para o Supremo Tribunal Federal'”, disse Bolsonaro.
O ex-ministro negou as acusações. “A permanência do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado com a substituição do diretor-geral da PF”, escreveu Moro no Twitter.
“De fato, o diretor da PF Maurício Valeixo estava cansado de ser assediado desde agosto do ano passado pelo presidente para ser substituído. Mas, não houve qualquer pedido de demissão, nem o decreto de exoneração passou por mim ou me foi informado”, continuou Moro na rede social.
Abertura do inquérito
No mesmo dia em que Moro fez as acusações contra Bolsonaro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ao STF a abertura de um inquérito para apurar os fatos narrados e as declarações feitas pelo então ministro.
“A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, apontou o procurador-geral.
“Dos fatos noticiados, vislumbra-se, em tese, a tipificação de delitos como os de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa, além de crimes contra a honra”, destacou ele.
Aras pediu a Moro que apresentasse “documentação idônea” que eventualmente possuiria sobre os eventos em questão.
No dia 27 de abril, o ministro Celso de Mello determinou a abertura do inquérito. Na decisão, ele disse que os crimes supostamente praticados por Bolsonaro “parecem guardar […] íntima conexão com o exercício do mandato presidencial”. Se este for o caso, explicou o ministro, um processo criminal contra o presidente, “uma vez eventualmente oferecida a acusação criminal, dependerá de prévia autorização da Câmara dos Deputados”.
Celso de Mello também determinou que Moro deveria depor à Polícia Federal em até 60 dias, o que ocorreu em 2 de maio. Em mais de oito horas de depoimento na sede da Superintendência da PF do Paraná, em Curitiba, o ex-ministro detalhou as acusações contra o presidente, em especial as que fez no dia em que deixou o cargo, e apresentou arquivos digitais que seriam avaliados pela polícia, como conversas de WhatsApp, áudios e e-mails trocados com o presidente e outros integrantes do governo.
Entre os fatos detalhados por Moro, ele disse que quando estava em missão oficial em Washington, nos Estados Unidos, com Valeixo em março de 2020, recebeu uma mensagem do presidente pedindo a substituição na PF do RJ. “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, segundo o ex-ministro.
O ex-ministro também citou a reunião de 22 de abril de Bolsonaro com os ministros no Palácio do Planalto. Segundo a versão de Moro, o presidente teria cobrado, durante o evento, relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal.
Depoimento de Bolsonaro
O STF ficou de decidir a forma que será tomado o depoimento de Bolsonaro no inquérito. Em 11 de setembro, Celso de Mello determinou que o presidente não poderia depor por escrito. A oitiva ocorreria por depoimento oral, mas não estava definido se seria presencialmente ou por videoconferência. Segundo o ministro, o presidente teria de depor oralmente por ser investigado no caso e não testemunha ou vítima.
Cinco dias depois, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou ao STF um recurso para que o presidente pudesse prestar o depoimento por escrito. O advogado-geral José Levi defendeu que o recurso fosse analisado o mais rápido possível, pois o governo já tinha recebido da Polícia Federal intimação para que Bolsonaro fosse interrogado, podendo escolher entre 21, 22 ou 23 de setembro de 2020, às 14 horas. Se o STF não conseguisse analisar o pedido do presidente antes disso, a AGU queria que o depoimento fosse suspenso.
Moro, por outro lado, defendeu que Bolsonaro fosse ouvido presencialmente, e não por escrito, no inquérito. Na petição, os advogados do ex-ministro alegaram que, como investigado, o presidente não teria o direito de usufruir da possibilidade aberta pelo Código de Processo Penal, que prevê, para algumas autoridades, o depoimento por escrito em casos que figurem como testemunhas ou vítimas.
Além disso, os advogados disseram que Moro, também investigado no mesmo inquérito, prestou depoimento de forma presencial – o interrogatório de Bolsonaro nas mesmas condições representaria uma equidade no tratamento.
Apesar dos argumentos de Moro, Celso de Mello decidiu enviar ao plenário da Corte a análise da possibilidade de Bolsonaro prestar depoimento por escrito, e o presidente do STF, o ministro Luiz Fux, marcou para hoje o julgamento do recurso da AGU.
Fonte: CNN