Jornal Povo

Operação Intocáveis: testemunha diz que sofreu emboscada ao descobrir que ex-marido era ligado à milícia

Uma testemunha considerada chave no processo da Operação Intocáveis, que investiga milicianos em Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, disse, em depoimento à Justiça, que foi alvo de uma emboscada após descobrir que o marido estava envolvido com milicianos.

Segundo o depoimento, a que o G1 e a Globonews tiveram acesso, em novembro de 2018, sete milicianos cercaram uma loja de gesso, no interior da favela de Rio das Pedras, para cobrar uma dívida de R$ 6 mil. A dívida era do dono da loja, mas naquele momento apenas a mulher dele estava no local.

“Lembro que eu olhei pro céu e falei ‘e agora Senhor?’. E ouvi uma voz: ‘Não tema esses homens. Tema a mim’. Eu estava sendo emboscada, dentro da favela, por sete homens. Comandados pelo meu marido”, contou a mulher, em depoimento à Justiça, no dia 16 de outubro.

Com o rosto totalmente coberto, ela foi ouvida presencialmente, sob forte esquema de segurança, pela juíza Juliana Benevides, da 1ª Vara Criminal Especializada do Rio. A mulher depôs como testemunha de acusação no processo da Operação Intocáveis 2, que em janeiro deste ano levou 33 suspeitos de integrar a milícia para a cadeia – entre eles, o ex-marido dela.

No total, o processo tem 45 réus. A mulher entrou para o Programa de Proteção a Testemunhas.

Preso na Operação Intocáveis II na Cidade da Polícia — Foto: Henrique Coelho/G1
Preso na Operação Intocáveis II na Cidade da Polícia — Foto: Henrique Coelho

Segundo a mulher, naquela tarde um dos milicianos disse que tinha sido o marido dela que falou para eles buscarem os R$ 6 mil com ela na loja. Mas a mulher não sabia de nada. Segundo ela, o homem perguntou: “Você não sabe o que ele faz? Então vou matar ele na sua frente”.

“Esse momento foi quando eu comecei a entender o que estava se passando”, contou a testemunha no depoimento. “Se a dívida é minha, e eu falo que quem vai pagar é você, pro matador se você não pagar, você que vai morrer. Naquele momento, quando eu ouvi a voz que não era pra temer a eles, veio uma calmaria. E aí aquele homem que disse que ia me matar levantou, me pediu perdão e foi embora”.

Dois meses depois, em janeiro de 2019, o homem acusado de ameaçar a testemunha acabou preso na primeira fase da Operação Intocáveis. Segundo o Ministério Público, ele é integrante do braço armado da milícia que atua nas favelas de Rio das Pedras, Muzema e Tijuquinha, na Zona Oeste.

No total, 13 pessoas tiveram a prisão decretada nessa operação, entre elas os apontados como chefes da milícia, como o tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa, o Maurição; o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira; e o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, que acabou morto num tiroteio com policiais da Bahia em fevereiro deste ano.

Foi depois da Operação Intocáveis que a testemunha-chave disse ter descoberto que, além de dever à milícia, o marido estava envolvido com a quadrilha.

“O que era uma desconfiança, passou a ser uma realidade. Eu vi que ele era miliciano. Ninguém negocia com miliciano se não for miliciano”, contou a mulher à Justiça.

A testemunha disse que conheceu o marido em 2013, e que no ano seguinte os dois alugaram um imóvel e abriram a loja de gesso em Rio das Pedras. Segundo ela, nos três primeiros anos ninguém esteve lá para cobrar nada. Até que o imóvel onde a loja funcionava foi vendido.

“A partir de então, tanto a milícia ia pedir a taxa de segurança, quanto os policiais que iam fardados na minha loja, com carro da polícia, com farda da polícia, pedir semanalmente dinheiro. Sendo que o meu marido dizia que era coisa dele, que eu tinha que pagar”.

A mulher contou que a maioria das negociações feitas pelo marido na loja de gesso não envolvia dinheiro. Os compradores entregavam carros, a maioria de luxo, e iam abatendo o valor conforme iam retirando o material da loja. Eram os chamados “rolos”. Segundo ela, um integrante da milícia conseguia “esquentar” os carros.

“Esses carros não tinham documentos, todos com documentos atrasados, repletos de multa. Eles ficavam uma, duas semanas lá na loja e desapareciam. Ele dizia que eram vendidos pra Pernambuco. Foram vendidos cerca de 50 carros, todos de luxo”, afirmou a testemunha no depoimento. A mulher contou que era agredida pelo marido, sempre que perguntava sobre as negociações.

A testemunha disse que a milícia também conseguia regularizar terrenos invadidos para a construção ilegal de apartamentos, que depois eram vendidos ou alugados. Segundo as investigações, essa é uma das mais lucrativas atividades exploradas pelos criminosos.

Fonte: G1