“Vai dar Vasco”. O lema-chiclete de Luiz Roberto Leven Siano ficou próximo de se tornar realidade na eleição que não teve fim nesse já histórico 7 de novembro de 2020 na política vascaína. Na noite de sexta-feira, decisão do desembargador Camilo Ruliére derrubou liminar que havia definido eleições online para 14 de novembro e remarcou o pleito para a manhã do dia seguinte. A reviravolta foi comemorada por Leven Siano, um dos autores da ação que mudou completamente o rumo das eleições, como um gol em final de campeonato. Era o início de mais uma página tumultuada na história política do clube, indo até as 4h20 da manhã deste domingo. E sem definição sobre o futuro.
Os carros de som do candidato da chapa “Somamos”, liderada por Leven, chegaram a São Januário ainda na noite de sexta, horas depois da decisão do desembargador Camilo Rulière, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Instalou telão em frente à porta principal de São Januário e inflamou a militância que lembrou antigas estratégias eleitorais de Eurico Miranda, cujos apoiadores compareciam em peso nas primeiras horas das eleições.
Pela manhã, o que se viu foi um “mar branco” de pessoas com a camisa branca de Leven dominando a rua General Almério de Moura. Ele, aliás, foi o primeiro candidato a chegar ao clube.
A eleição marcada na noite de sexta pegou de surpresa até mesmo um dos principais concorrentes. Jorge Salgado estava em sua fazenda no interior do Rio de Janeiro, esperando que a eleição fosse realizada somente no dia 14 de novembro. Só chegou a São Januário depois das 13h, o que causou aflição nos seus apoiadores. Os “roxos” – da chapa “Mais Vasco” – passaram a madrugada rodando milhares de fichas de Salgado para concorrer na disputa.
Salgado e Julio Brant discutiram até altas horas da madrugada de sábado estratégias, sem descartar um apoio para quem tivesse mais chances de vencer Leven. Na verdade, debatiam até mesmo se iriam para a eleição. Havia, dos dois lados, esperança em vencer no voto, mesmo em alegada desvantagem.
Nos cálculos das duas chapas, contando apenas associados de fora do Rio de Janeiro – que participariam em pleito online ou híbrido -, seriam, pelo menos, mil votos a mais, que eles acreditavam que seriam divididos entre “Mais Vasco” e “Sempre Vasco”. Em bocas de urna divulgadas por cada chapa, ora um aparecia em segundo, ora o outro. Disputavam voto útil, enquanto Leven estava em clima de “já ganhou”.
Os corredores dos tribunais
Um nome pouco conhecido da torcida vascaína ganhou notoriedade nas últimas semanas na política do clube: Werson Rêgo. Eleito desembargador no Tribunal de Justiça do Rio há seis anos, Rêgo recebeu “moção de repúdio” em reunião do Conselho Deliberativo – pelas críticas que fez aos opositores da chapa amarela (Sempre Vasco de Brant), a qual apoia, no Twitter.
Na rede social, ele define-se desta maneira: “Deus, Família e Justiça, meus valores. Vasco da Gama, minha paixão”. Apoiadores da chapa de Leven Siano comemoraram na noite de sexta-feira como uma vitória conquistado aos 45 minutos do segundo tempo a marcação do pleito presencial para a manhã do dia seguinte. Tal decisão representava para eles um triunfo sobre o que consideravam suposta influência de Rêgo nas decisões do tribunal fluminense.
Rêgo, durante a votação deste sábado, criticava a decisão que mudou radicalmente datas, horário e formato do pleito. Tudo isso compreendido entre a noite de sexta e a manhã de sábado.
Horas mais tarde, decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, em Brasília, suspendeu a eleição.
Depois da avalanche de branco pela manhã, com presença maciça de eleitores de Leven, apoiadores de Salgado e Brant passaram a dividir a rua e mostraram força, mas uma ausência foi sentida: o ídolo Edmundo, nome forte no grupo de Brant. No início da tarde, já existia burburinho de possível paralisação da eleição, mas roxos e amarelos contavam com possível virada.
Campello, mesmo com o hit “Campellooooo, obrigadoooo, por você realmente existir” nas alturas no entorno de São Januário, já sentia que estava fora da jogada. Sérgio Frias, sem chance de vitória, era parabenizado pela valentia de ficar até o fim na disputa.
Decisão judicial ignorada
Desde as primeiras horas, houve confusão, discussões e agressões. O grande benemérito Luis Manuel Fernandes, que chegou a lançar candidatura à presidência e posteriormente a retirou para apoiar Leven Siano, foi ao chão após um tranco (veja acima) de Rodrigo Stockler, integrante da chapa de Julio Brant. Passada a confusão, Luis Manuel foi à 17ª DP (São Cristóvão) prestar queixa.
O presidente do Conselho Deliberativo, Roberto Monteiro, protagonizou algumas discussões contra membros da chapa de Jorge Salgado, mas posteriormente os ânimos se acalmaram dentro de São Januário. Leven comemorava, Salgado e Brant dialogavam, mas não saíam do lugar.
Boa parte do grupo de Salgado apoiou Brant em 2017, e havia expectativa de alguns apoiadores dos dois lados sobre se fazer uma união contra Leven. No entanto, depois de várias conversas até a interrupção da eleição, não houve acordo entre os dois.
O estouro com a notícia da suspensão, pouco antes das 20h, provocou novo imbróglio. A decisão suspendia todo o processo eleitoral de sentença anterior, do desembargador Camilo Rulière, mas não provocou paralisação imediata no Vasco. Leven protestou.
– Não está suspenso o fato jurídico. Estão suspensos os efeitos da eleição – dizia.
No que era contrariado pelo vice-presidente jurídico do Vasco, Rogério Peres. O clube recebeu a intimação por volta das 20h, por e-mail, mas, depois do manifesto de Leven, três integrantes da mesa diretora votaram por continuar a eleição. Eram eles o presidente do Conselho Deliberativo, Roberto Monteiro, o presidente do Conselho de Beneméritos, Silvio Godói, e o vice-presidente do Conselho Deliberativo, Sérgio Romay.
Àquela altura, Faués Cherene Jassus, o Mussa, presidente da Assembleia Geral e um dos grandes protagonistas dos conflitos políticos recentes, já havia deixado o clube depois da suspensão da eleição. Assim, o vice de Mussa, Alcides Martins, assumia a presidência da seção eleitoral. Ele se eximiu do voto e acatou os companheiros de mesa diretora. Três candidatos se retiraram do pleito por discordar da retomada: Alexandre Campello, Jorge Salgado e Julio Brant.
Para quem esperava para o apagar das luzes alguma mudança no quadro, fica uma aula de Vasco. Em São Januário, apagar das luzes não é apenas um ditado popular. Repetindo lendária história que se atribui a Eurico Miranda, em 1969, quando era diretor de patrimônio do clube teria apagado as luzes para impedir cassação de Reinaldo Reis, o presidente Alexandre Campello ordenou que as luzes do ginásio fossem apagadas. No breu, Leven protestou e esbravejou.
Após o apagão, restou pouca gente. Mas a luz voltou e, diante da impossibilidade de encontrar um lugar para abrigar as urnas lacradas, a mesa diretora decidiu contar os votos. Quem já viu fotos ou vídeos de apurações passadas, com centenas de pessoas ansiosas pelo resultado, ficou espantado com a imagem da madrugada em São Januário. Resumia o cenário o cochilo tirado por Leven Siano no colo de sua mulher enquanto esperava o início da contagem.
A contagem de votos começou à 1h51, com apenas dois candidatos presentes: Leven Siano e Sérgio Frias. Os outros três – Alexandre Campello, Jorge Salgado e Julio Brant – haviam deixado o local fazia muito tempo. Da decisão judicial de sexta ao fim da contagem de votos de uma eleição já suspensa pelo presidente do STJ, foram 32 horas que ficarão marcadas na história do Vasco.
Fonte: Ge