Jornal Povo

Berço de milícias, Zona Oeste do Rio tem boca de urna e santinhos pelas ruas

RIO – Bairros da Zona Oeste do Rio registram boca de urna durante a votação do primeiro turno, com distribuição de santinhos em vários locais, como a Praça Seca. Na manhã deste domingo, equipes do Departamento Geral de Polícia Especializada conduziram várias pessoas responsáveis pela boca de urna do candidato a vereador Marcello Siciliano (Progressistas) para a 36ª DP (Santa Cruz).

Os conduzidos foram abordados em Santa Cruz com material de campanha do candidato, prancheta de controle e o fornecedor do material. O carro usado pela equipe também foi apreendido. Siciliano tem mandato como vereador e busca a reeleição. Ele tem sua atuação política voltada, principalmente, à Barra da Tijuca e ao Itanhangá.

Siciliano diz que desconhece a apreensão e mostra-se surpreso com a informação. Ele também afirma que não conhece as pessoas que foram abordadas pela polícia em Santa Cruz neste domingo.

— Trabalhei durante três anos e 11 meses. Sabem do meu trabalho. Não preciso pedir voto no dia das eleições. Não estava nem sabendo disso. O meu carro também tem material de campanha, que acabou sobrando. E aí? O importante é que esse material tenha nota e procedência conhecida —- disse, referindo-se ao veículo que foi apreendido.

Siciliano teve que depor, em outubro, para a força-tarefa da Polícia Civil que investiga a ação da milícia nas eleições municipais no Rio. Os agentes apuram denúncias de que os grupos paramilitares impediam as campanhas dos adversários políticos em suas áreas de atuação, sobretudo na Zona Oeste e na Baixada Fluminense. Ele negou qualquer envolvimento com grupos paramilitares.

Berço das milícias, é na Zona Oeste onde estão nove dos dez bairros do Rio com mais relatos ao Disque-Denúncia sobre a atuação de grupos paramilitares, de janeiro a setembro deste ano. Em primeiro lugar, Campo Grande (197 denúncias), seguido de Jacarepaguá (171) e Santa Cruz (163). Esses nove bairros respondem por 51,5% das 2.928 denúncias sobre milícias feitas nesses nove meses.

Neste domingo, as polícias militar e civil reforçam a segurança e o efetivo em áreas do Rio dominadas por organizações criminosas (milícia e tráfico) para garantir que não haja interferência nas eleições municipais. São 22 mil homens da PM e 8 mil agentes da Civil distribuídos pelo Rio de Janeiro.

Baixa presença em colégio de Campo Grande

No Instituto de Educação Sarah Kubitschek, em Campo Grande, a baixa presença de eleitores surpreendeu funcionários até o início da tarde deste domingo. Ele relatam que, nos anos anteriores, havia filas para votar. O instituto é o quarto maior ponto de votação no estado do Rio.

— Eu votei bem cedinho, às 7h30, e não tinha ninguém na fila da minha seção. Voltei agora para acompanhar o meu marido, que estava dormindo e não veio comigo. Até estranhei quando cheguei aqui. Acho que à tarde vai ter mais gente, ou então a abstenção será recorde neste ano — acredita a microempresária Valéria Aguiar, de 51 anos.

Segundo a direção da escola, o colégio é o local de votação da candidata a vereadora do Rio Carminha Jerominho (PMB), que foi alvo de recente operação de busca e apreensão da Polícia Federal. Uma funcionária que não quis se identificar conta que, por volta de 9h, horário em que Carminha registrou o voto, apoiadores distribuíram santinhos na porta do instituto educacional e agitaram bandeiras da candidata. Por volta das 12h, a propaganda de boca de urna era menor e feita de forma discreta.

— Não tem bandeira, mas é só você ficar uns dois minutos parado aqui na porta que logo vem alguém falar com você e te pedir voto para ela. A boca de urna diminuiu bem de 2018 para cá. Não sei o que pode ter acontecido, talvez estejam usando mais a tecnologia e as redes sociais para isso — revela um morador, sem se identificar.

Carminha foi alvo da ação que mirou comitês de campanhas e empresas ligadas à prática de lavagem de dinheiro conexos a crimes eleitorais na Zona Oeste do Rio. Entre os alvos, os irmãos José Guimarães Natalino e Jerônimo Guimarães Filho, pai de Carminha, apontados judicialmente como fundadores da Liga da Justiça, uma das maiores milícias do Rio, e a candidata a vice-prefeita pelo PMB, Jéssica Natalino, filha de José Guimarães que integra chapa da candidata a prefeita Suêd Haidar.

No Tanque, o candidato a vereador Chagas Bola (PSL) é o principal rosto visto nos panfletos que enchem as ruas. Chagas Bola é próximo do senador Flávio Bolsonaro. Em 2016, após tentar o cargo de vereador e não ser eleito, ficou como suplente de deputado federal pelo PSL do Rio de Janeiro. O sargento PM é dono há dez anos do Grupo Lewis, empresa de segurança privada cujo cartão de visita foi apreendido com Fabrício Queiroz no momento da sua prisão, em junho deste ano.

Outras duas regiões sob o comando da milícia, as comunidades da Gardênia Azul e de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, também foram marcadas pela boca de urna. Apesar da promessa de que “áreas sensíveis” dominadas por traficantes e milicianos teriam o apoio de blindados e de drones para dar suporte às ações de enfrentamento e de garantia do pleito, as medidas não foram vistas na Zona Oeste durante a passagem da equipe do GLOBO.

Na Escola Estadual Caic Euclides da Cunha, em Rio das Pedras, apoiadores de candidatos entregavam santinhos e pediam votos para os seus escolhidos. A mesma realidade também foi presenciada em pontos de votação na Gardênia Azul.

– Já tem candidato? Vem cá, toma aqui esse (estendendo a mão para entregar um santinho) e vai nele. Ele fica lá quatro anos e eu também. Esse ajuda a galera aqui – dizia um cabo eleitoral enquanto distribuía panfletos na porta de uma escola estadual.

Apesar da tranquilidade para votar e das filas pequenas registradas nos locais, a boca de urna foi crítica comum de fiscais do TRE-RJ, que, acuados, não conseguiam impedir a prática na frente das escolas.

– Não temos como coibir. Eu me sinto de certa forma ameaçada por essas pessoas. Falta segurança, infelizmente – lamentou uma agente de um colégio em Rio das Pedras não quis se identificar por medo.

Desde 2018, o Tribunal Regional Eleitoral decidiu mudar locais de votação para garantir a segurança durante o pleito. Com isso, esses eleitores foram transferidos para endereços fora das comunidades.

Fonte: Jornal Extra