O aumento do número de casos de Covid-19 no Rio de Janeiro meses após a flexibilização do isolamento social tem preocupado moradores do estado e especialistas. Na capital, o índice de ocupação dos leitos de UTI exclusivos para pacientes com o novo coronavírus chegou 92% na rede SUS, no domingo (22), mesmo índice de maio, período considerado como o mais crítico. Já a taxa de ocupação dos leitos de enfermaria estava em 69%.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, a maior taxa de ocupação de leitos de UTI, até o momento, ocorreu em 4 de maio, com 98% de ocupação. Já os leitos de enfermaria registraram a maior taxa de ocupação em 9 de maio, com 95%.
Até o dia 22 de novembro foram registrados no estado 21.974 óbitos e 338.203 casos confirmados da doença. A média móvel de mortes é de 97, uma variação de 153% se comparada com duas semanas atrás, e a média móvel de casos também está em alta, com variação de 114%.
O cenário atual, no entanto, se apresenta diferente do de maio. Agora há unidades temporárias de saúde fechadas, flexibilização das regras de isolamento e relaxamento do uso de máscaras em locais públicos. Segundo especialistas ouvidos, esses fatores devem ser observados para que sejam adotadas novas diretrizes no tratamento dos pacientes.
Para o pesquisador de saúde pública da Fiocruz Marcelo Gomes, o aumento recente do número de casos ainda não pode ser apontado como uma tendência. Ele ressalta que a principal diferença entre o atual momento e a situação da cidade em maio, no início da pandemia da Covid-19, é a falta de um plano de emergência, com hospitais de campanha, isolamento social e alerta máximo das autoridades sanitárias.
“Nós temos um cenário bastante diferente de maio. Lá, nós tivemos um esforço muito grande, com um percentual de leitos exclusivos para Covid bem maior. Hoje, não. O nosso tempo de reação fica mais curto. É uma situação mais preocupante na questão da oferta de atendimento”, analisa o pesquisador.
Reativação de leitos
O número de internações de pacientes com a Covid-19 vem aumentando nos hospitais da rede SUS, que inclui leitos de unidades municipais, estaduais e federais localizados na cidade. Para o infectologista Fernando Chapermann, o aumento de casos não representa uma segunda onda da doença.
“Uma segunda onda eu acho difícil acontecer porque pra acontecer a segunda onda a gente precisa ter controlado, zerado, a primeira. E isso não ocorreu. Estamos tendo um aumento de casos porque as pessoas estão relaxando, mas esse aumento ainda não refletiu em internações. E a curva de mortalidade não está no nível alarmante”, explicou Chapermann.
Na visão do especialista, os hospitais de campanha não precisam ser reabertos. No entanto, Chapermann reforça que seria muito importante reativar os leitos que estão parados nos hospitais.
“Perdemos os hospitais de campanha, o Hospital de Bonsucesso, e outras unidades de saúde ao longo do que foi planejado. Então seria bom reativar leitos e equipes que estavam prontas, trabalhando nesses locais com grande demanda. Para um plano ser bem executado é preciso ter diretriz para dar suporte a essa necessidade da saúde”, apontou o infectologista.
Em 3 de junho, a cidade registrou o maior número de mortes em 24h. Na data, a rede SUS da capital, que engloba todos os hospitais públicos da cidade – município, estado e federal –, contava com 667 pessoas com Covid internadas em UTI – ou seja, 87% do total disponível.
No dia 22 de novembro, a rede SUS na capital tinha 1.044 pessoas internadas em leitos especializados, sendo 499 em UTI. Apesar de o número estar mais baixo do que em junho, a taxa de ocupação foi maior, de 92%, devido ao fechamento de alguns leitos.
A taxa é calculada pela relação de número total de leitos disponíveis e o de pacientes internados. Desde junho, houve fechamento de leitos, por exemplo, nos hospitais de campanha e no Hospital Hospital Federal de Bonsucesso, que pegou fogo no último dia 27.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o Hospital de Campanha da prefeitura, no Riocentro, na Zona Oeste, segue aberto e com capacidade para ampliação com abertura de novos leitos.
“O sistema de saúde do município, portanto, segue em alerta e preparado para a condução dos casos de Covid-19″, informou a secretaria.
Diante do crescimento do número de casos, a Secretaria Estadual de Saúde informou, na quarta-feira (18), que abriu 83 novos leitos exclusivos para pacientes com o novo coronavírus. Desse total, 41 leitos são na capital.
Na terça-feira, (17), a SMS reforçou as recomendações para as Clínicas da Família, considerando a fase atual da pandemia. Entre as recomendações estão:
- Retomar espaços dedicados ao atendimento de problemas respiratórios;
- Reforçar o número de insumos e de equipamentos de proteção individual;
- Oferecer teleatendimento para pacientes que precisam ficar em casa.
Para o pesquisador Marcelo Gomes, os dados recentes sobre ocupação de leitos e novos casos da doença devem acender um alerta nos gestores públicos.
“Esses relatos que temos vistos e outros dados que podem talvez indicar uma inversão de tendência, sim, eles acendem um alerta. Com a flexibilização, a gente voltou a ter atendimento hospitalar por outros motivos de saúde. A busca por serviço hospitalar aumentou e tivemos também a diminuição da oferta de leitos. Tudo isso gera um cenário preocupante”, alertou Marcelo Gomes.
Número de testes positivos dispara
Outro indicador importante para analisar o atual momento da pandemia na cidade é a realização de testes para aferir a presença do vírus nas pessoas. E, assim como os outros indicadores, o número de testes da Covid-19 com resultados positivos para a doença durante o mês de novembro merece atenção.
Somente o Laboratório Richet, que atende os hospitais da Rede D’or de saúde, realizou um total de 186 mil exames desde março. E em apenas 18 dias do mês de novembro, os médicos encontraram 5.598 resultados positivos para a doença. Faltando ainda 12 dias para o final do mês, o número de pessoas com a Covid-19 no período já é bem próximo dos resultados encontrados durante todo o mês de outubro e de setembro.
Como comparação, em todo mês de maio o laboratório registrou 6.164 casos positivos. A diferença é de apenas 566 casos da doença, na comparação com os resultados encontrados em novembro.
Para Helio Magarinos Torres Filho, diretor médico do Laboratório Richet, o que mais surpreende é o alto índice de positividade dos testes realizados em novembro. Segundo ele, 37% das pessoas que procuram o laboratório para fazer o teste são diagnosticados com a doença.
“Nós tivemos em novembro um crescimento em torno de 15% de positividade, em comparação com o mês de outubro. Ainda não chega ao número do pico da pandemia, porque no pico da pandemia a gente testava só os pacientes com sintomas e agora estamos testando todo mundo. Nós chegamos agora em 37% de positividade. E esse é um número bem alto quando se testa todos mundo”, explicou Magarinos.
Faltam testes
Em algumas unidades de saúde da rede privada já é possível constatar a falta de kits para testagem de pacientes que querem saber se já tiveram contato com o novo coronavírus. Esse é o caso da Casa de Saúde São José, hospital particular localizado no Humaitá, na Zona Sul do Rio.
De acordo com pacientes, na última quinta-feira (19), a unidade não podia marcar novos testes por falta de kits.
Em nota, a Casa de Saúde São José negou a falta de testes da Covid-19 na unidade. Segundo eles, o hospital tem realizado os exames para verificação do novo coronavírus, mediante avaliação médica dos sintomas e do quadro de saúde dos pacientes atendidos em sua emergência.
O que dizem os envolvidos
A Secretaria Estadual de Saúde publicou nesta quarta-feira (18) uma resolução sobre a classificação dos leitos da Covid-19 na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. O documento determina que os leitos destinados ao tratamento de pacientes portadores da Covid-19, clínico ou de CTI, que estejam livres devem, obrigatoriamente, ser classificados em status azul, ou seja, prontos para serem utilizados.
Além dessa ação e da destinação de 83 leitos para pacientes com a Covid-19 no Rio e em Duque de Caxias, a secretaria informou sobre a ampliação da testagem.
“A SES está unificando as informações sobre as unidades municipais aptas a realizar os exames, de forma a ter maior controle sobre a oferta de testes rápidos à população”.
Contudo, questionada sobre a possibilidade de reabrir os hospitais de campanha do estado, a secretaria disse que não há esta possibilidade. Segundo eles, os hospitais de campanha administrados pelo estado já foram desmobilizados.
Já a Secretaria Municipal de Saúde disse que não acredita em uma segunda onda de infecção do coronavírus. Eles informaram que novos 20 leitos de UTI foram abertos no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, com o objetivo de suprir os 30 leitos fechados no Hospital Federal de Bonsucesso.
“A estratégia é parte do Plano de Contingência da Prefeitura para monitorar o enfrentamento ao coronavírus na cidade. É importante lembrar que os hospitais de campanha fechados não eram da Prefeitura do Rio. O Hospital de Campanha da prefeitura, no Riocentro, segue aberto e com capacidade para ampliação com abertura de novos leitos. O sistema de saúde do município, portanto, segue em alerta e preparado para a condução dos casos de covid-19”.
A SMS reforçou as recomendações para que a população mantenha os cuidados individuais para evitar a propagação do vírus, como evitar aglomerações, usar máscara e seguir as regras de higiene.
Cuidados redobrados
Diante de um cenário de incertezas, com número de casos crescendo e menos leitos disponíveis, os especialistas seguem afirmando que o mais importante no momento é manter as regras de distanciamento social, sempre que possível.
Todas as autoridades de saúde ouvidas pela reportagem reforçaram a orientação para que as pessoas usem as máscaras de proteção ao sair de casa, assim como lavem bem as mãos e evitem aglomerações e ambientes fechados.
“O comportamento da curva de casos é muito mais dependente da nossa ação. O nosso comportamento é muito mais relevante nesse momento. Não podemos descuidar das medidas de prevenção. Os cuidados individuais continuam sendo fundamentais”, orientou o pesquisador da Fiocruz Marcelo Gomes.
Fonte: Ge