RIO — Portas de entrada de pacientes com Covid-19, inclusive de casos graves que depois serão transferidos para hospitais, as UPAs e os Centros de Emergência Regionais da rede SUS do estado estão saturados. Com dados obtidos no próprio controle interno da Secretaria municipal de Saúde, O GLOBO descobriu que o quadro dessas unidades é mais caótico do que revelam os relatos de pacientes sobre mau atendimento e até sobre falta de médicos para examiná-los. O cenário desta quinta-feira, às 16h, mostrava que, das 34 unidades, apenas uma estava apta, na avaliação dos próprios servidores da pasta, para atender com toda sua capacidade. Na tarde de quinta-feira, somente Marechal Hermes, na Zona Norte, tinha leitos, pessoal e condições de prestar o serviço, incluindo o atendimento pediátrico, nos moldes em que foi concebido.
O desespero de doentes e de familiares na entrada dessas unidades é o lado humano das estatísticas, no décimo dia seguido de crescimento de casos e mortes por coronavírus no Rio. Ontem, na UPA de Botafogo, administrada pelo governo estadual, o fotógrafo e motorista de aplicativo Marcelo Müller, com sinais gripais, deixou o local reclamando do atendimento. Ele contou que, com a unidade lotada, a médica só fez a ausculta pulmonar, a seu pedido, e o mandou procurar teste para Covid-19 nem que fosse num laboratório particular.
— Estranhei porque estou com perda de paladar. Ela disse que ia passar uma medicação para a dor e me liberar. Perguntei se ela não iria me examinar, fazer raios-X. Então, ela escutou meus pulmões. Se não falo, talvez nem me tocasse— desabafou.
Média de mortes sobe 88%
O Estado do Rio registrou, nesta quinta-feira, 138 mortes e 2.029 novos casos do novo da doença. Em comparação com duas semanas atrás, há uma alta de 40% na média móvel de casos e de 88% na média móvel de óbitos. A análise dos dados é feita com base em números do consórcio de veículos da imprensa, formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo. A taxa de ocupação de leitos de UTI também é crítica: na rede SUS do município — que inclui vagas estaduais e federais — , a lotação alcançou 94%, com 515 pacientes internados nas vagas de UTIs. Como há 239 pessoas na fila, a conta ontem não fechava para atender a 59 pacientes.
Sem vagas em hospitais, as salas de emergência da capital estão cheias e, o pior, sem recursos. O jornal teve acesso a uma tabela que classifica as UPAs e Centros de Emergência em verde (sem problemas), amarelo (restrito) e vermelho (impedido). Além de Marechal Hermes, que tinha classificação verde ontem à tarde, todas as outras eram classificadas como unidade amarela ou vermelha. As cinco consideradas impedidas eram na Zona Norte: Tijuca, Maré, Manguinhos, Penha e Realengo. Elas estão muito cheias, devido à alta demanda, e faltam profissionais médicos, além de enfrentarem também dificuldades estruturais.
Sem ar e sem médico
Na tarde desta quinta-feira, uma cena chamou a atenção de todos na UPA de Madureira, administrada pela prefeitura. Uma idosa, acompanhada da filha, chegou com dificuldade de respirar — um dos sintomas da Covid-19 — e passou 40 minutos na recepção. Em alguns momentos, parecia puxar desesperadamente o ar, enquanto descia sua máscara branca até o pescoço. Sem ajuda médica, ela foi embora. Eles não quiseram comentar a dificuldade de atendimento. Uma funcionária apenas disse que “não era para levar ela assim”.
“Será que vamos assistir às pessoas morrendo em casa sem acesso à saúde? Pessoas precisando de um respirador que morrem com falta de ar?”
Fonte: O Globo