Jornal Povo

Covid-19: Especialista diz que novo colapso na Saúde do Rio era previsível e ‘poderia ter sido evitado’

RIO — A alta de casos e mortes por Covid, os leitos escassos e as UTIs saturadas. A tempestade perfeita se formou, sob a última etapa de flexibilização da quarentena, e nesta quarta-feira, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um mais importantes centros de pesquisa em saúde pública do país, declarou, numa nota técnica, obtida pelo GLOBO, que a rede SUS da capital do Rio está com seu sistema de saúde pública em colapso. Com a menor oferta de leitos e uma demanda reprimida de pacientes que ficaram em segundo plano no início da pandemia, muitas pessoas infectadas pelo novo coronavírus ou que lutam com doenças crônicas ficaram sem atendimento médico ou UTIs. O resultado é que já estão morrendo dentro de casa.

— Já vemos o colapso no sistema. E nem todos (os óbitos) foram por Covid-19, mas indiretamente de pessoas que ficaram sem assistência — comenta o sanitarista Christovam Barcellos, membro do Monitora Covid-19 e pesquisador da Fiocruz.

Os especialistas concluíram que, do total de mortes no Rio pelo coronavírus, somente 40% foram em UTIs. “Provavelmente mais da metade da população que veio a óbito por Covid-19 no município sequer teve a chance de receber atendimento intensivo”, alerta o documento.

— Temos outras doenças que não pararam no tempo. Isso poderia ter sido evitado se acompanhássemos a segunda onda na Europa. Era previsível que acontecesse aqui também — avalia Gulnar Azevedo, professora de epidemiologia da Uerj e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Ciclistas pedalam sem máscara pelo posto 9, em Ipanema, Zona Sul do Rio. Decreto municipal que torna obrigatório o uso do equipamento de proteção está em vigor desde abril Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Ciclistas pedalam sem máscara pelo posto 9, em Ipanema, Zona Sul do Rio. Decreto municipal que torna obrigatório o uso do equipamento de proteção está em vigor desde abril Foto: Leo Martins / Agência O Globo

“Isso foi avisado”

Nesta quarta-feira, 172 pessoas aguardavam por um leito de UTI na cidade e na Região Metropolitana, que contempla a Baixada Fluminense, o que resulta numa taxa de ocupação de leitos de terapia intensiva de 90% (552 pessoas internadas). No estado, houve mais 81 mortes e 3.415 casos. Há 14 dias, a média móvel de casos da doença cresce.

Na rede privada, como o jornal mostrou ontem, a situação também é preocupante, já que 98% dos leitos de terapia intensiva do município do Rio estão ocupados, e pacientes com planos de saúde já enfrentam filas.

Evolução do número de óbitos no município do Rio de Janeiro em 2020 em comparação com a média de 2017 a 2019" Foto: Editoria arte
Evolução do número de óbitos no município do Rio de Janeiro em 2020 em comparação com a média de 2017 a 2019″ Foto: Editoria arte

O levantamento da Fiocruz foi feito até o dia 1º de dezembro, e por isso os dados de novembro, que ainda estão sendo inseridos, podem sofrer alterações. Os pesquisadores apontam ainda que as unidades de assistência básica e emergências sofrem o mesmo esgotamento. Um quadro que acentua o risco de morte. Setembro e outubro concentraram 1.100 óbitos a mais do que o esperado para o período. “Esse quadro aponta para uma condição de colapso do sistema de saúde, não somente dos hospitais, mas também da atenção primária”, avalia a nota da Fiocruz. E completa que, com ações de prevenção e tratamento oportuno de doenças crônicas, seria possível evitar o grande numero de óbitos.

— A alta maior (de mortes) foi em abril/maio, na grande crise, mas, em outubro, os óbitos fora de hospitais voltaram a aumentar. O pico de agora é menor, mas a capacidade do sistema de saúde piorou. É um colapso gerado pelo próprio sistema. Isso foi avisado que poderia acontecer, se houvesse novo aumento de casos — comenta Barcellos. — Ser hospitalizado não garante vaga de UTI. Muitos estão morrendo de Covid-19 fora de unidades de terapia intensiva, mesmo com a confirmação da doença.

A proporção de mortes em domicílio na capital, do início do ano até o último dia 1º de dezembro, em comparação com o mesmo período de 2019, cresceu. Atualmente, os óbitos em casa respondem por 14,5% do total, enquanto a média para o mesmo período no ano passado era de 13%. Estamos nos aproximando do pico da pandemia, em maio deste ano, quando o índice alcançou 15,5%. Com o declínio de casos, em junho, o percentual ficou abaixo de 12%. “O que pode demonstrar a incapacidade de diagnóstico e de internação de casos graves, tanto de doenças crônicas quando de Covid-19”, diz a nota técnica.

Crivella e Castro devem se reunir

Por fim, a Fiocruz destaca que os problemas tendem a aumentar com as festas de fim de ano. Nesta quarta, o Comitê Científico da Prefeitura sugeriu a adoção de medidas de isolamento social, com fechamento de escolas, a proibição de banhistas na praias e restrições ao comércio. O prefeito Marcelo Crivella e o governador em exercício Cláudio Castro vão se reunir para discutir os próximos passos do plano de combate ao coronavírus. Procurada, a prefeitura informou que foi a que mais abriu leitos para pessoas infectadas por Covid em todo país.

Fonte: O Globo