LONDRES e PARIS — Mais países suspenderam, nesta segunda-feira, ligações aéreas com o Reino Unido, deixando a nação cada vez mais isolada e agravando o temor de caos a dez dias do Brexit, devido à preocupação com uma nova cepa do coronavírus que está se espalhando rapidamente em território britânico.
Com o caos nos transportes, há temor de escassez de alimentos. Após uma reunião de emergência do governo, o premier britânico, Boris Johnson, no entanto, garantiu que as cadeias de suprimentos no Reino Unido são “sólidas” e podem suportar a suspensão das conexões aéreas e terrestres. O objetivo do encontro era debater as viagens internacionais e o isolamento imposto ao país, e em particular o fluxo de cargas que entram e saem do território britânico.
A variante do vírus teria uma capacidade de contágio 70% maior do que as cepas anteriores e já estaria fora do controle em parte do país. Cientistas, no entanto, afirmam que a nova variante pode já estar circulando em países com métodos de detecção menos avançados que os do Reino Unido. Já foram identificados casos em vários países, como Itália, Dinamarca, Holanda e Austrália.
Nesta segunda, Espanha, Portugal, Polônia, Rússia, Irã, Índia, Hong Kong, Turquia e vários outros países se uniram ao grupo de nações europeias que havia suspendido por até alguns dias voos e conexões marítimas e ferroviárias com o Reino Unido, no domingo. Os aeroportos britânicos recebem até 900 voos por dia. A União Europeia (UE) reuniu seu comitê de crise, que pediu à Comissão Europeia a elaboração de uma resposta coordenada. Ao todo, ao menos 40 países já decretaram restrições a voos ou outros tipos de conexão entre seus territórios e o Reino Unido.
Alguns países, como Finlândia e Romênia, suspenderam conexões aéreas com o Reino Unido por duas semanas. A medida também afeta países que já detectaram a nova cepa, como África do Sul e Dinamarca. O medo causado pela nova variante levou alguns países a medidas mais duras: Arábia Saudita, Kuwait fecharam as fronteiras e suspenderam todos os voos por pelo menos uma semana. Já o Peru suspendeu todos os voos de e para a Europa.
O bloqueio mais preocupante na UE é o da França, que fechou sua fronteira à entrada de pessoas e caminhões do Reino Unido, interditando uma das principais artérias comerciais com a Europa continental. A medida de Paris, com prazo inicial de 48 horas, proíbe a entrada de cargas transportadas por caminhão que chegam do Reino Unido, e dos serviços de transporte através do Canal da Mancha, principalmente entre Dover e Calais.
Trata-se da principal ligação de carga do Reino Unido com a UE, que normalmente movimenta até 10 mil caminhões por dia. Com o bloqueio, a segunda maior rede de supermercados britânica, a Sainsbury’s, disse que produtos começarão a desaparecer das prateleiras dentro de dias se os elos de transporte com a Europa continental não forem restaurados rapidamente.
Grant Shapps, secretário de Transportes britânico, no entanto, indicou que as mercadorias continuarão chegando em navios, em vez de serem conduzidas por caminhão. O premier Boris Johnson, por sua vez, negou que haja probabilidade de desabastecimento em larga escala:
— Os atrasos afetam apenas uma proporção muito pequena dos alimentos que entram no Reino Unido e, como disseram as empresas de supermercados, as cadeias de abastecimento são fortes — disse o premier em entrevista coletiva pela TV.
O bloqueio também pode prejudicar o abastecimento da Irlanda. Nesta segunda, produtores de marisco da Escócia ficaram com toneladas de produtos perecíveis encalhados nas estradas quando a fronteira com a França foi fechada. Enquanto, isso famílias e motoristas de caminhões tentavam entender as proibições de viagem e voltar para casa a tempo do Natal.
Negociações pós-Brexit
Nos EUA, que vêm batendo recorde de número de mortos nas últimas semanas, autoridades observam “com muito cuidado” a variante do vírus, mas no momento não pretendem proibir as viagens a partir de e para o Reino Unido.
Mesmo assim, alguns estados começaram a toma precauções. De acordo com o governador de Nova York, Andrew Cuomo, a British Airways e a Delta Air Lines concordaram em permitir que apenas os passageiros com teste negativo para o novo coronavírus voem para o Aeroporto Internacional John F. Kennedy. Cuomo disse que também pediu à Virgin Atlantic que “concordasse voluntariamente” em rastrear passageiros.
— Se eles não concordarem voluntariamente, o estado de Nova York buscará outras opções — afirmou.
O alarme global também se refletiu nos mercados financeiros. As ações europeias despencaram, e o pior impacto foi sentido pelas ações de empresas de viagem e lazer. A libra esterlina caiu 2,5% em relação ao dólar, e estava a caminho de sua maior queda em um dia desde março, no início da pandemia. A moeda britânica também caiu mais de 1 diante do euro.
A nova variante do coronavírus e as restrições impostas no Reino Unido se unem a um cenário já caótico, com o país se preparando para finalmente se separar da União Europeia, possivelmente sem um acordo comercial, quando o período de transição do Brexit se encerrar no dia 31 de dezembro.
Nesta segunda, um porta-voz do governo reiterou que encerrará o período de transição com a UE em 31 de dezembro, mesmo depois que o premier da Escócia pediu ao líder britânico que prorrogasse o prazo por causa de complicações decorrentes da nova cepa da Covid-19.
— Nossa posição sobre o período de transição é clara. Terminará em 31 de dezembro, essa continua sendo nossa posição — disse a repórteres. — Precisamos ratificar qualquer acordo antes de 1º de janeiro, o que significa que o tempo é curto e é por isso que nossos negociadores continuam trabalhando duro.
Fonte: O Globo