SÃO PAULO E RIO — A vacinação em massa para eliminar a ameaça do novo coronavírus e a retomada da agenda de reformas e privatizações serão determinantes para a recuperação da economia brasileira em 2021 após o baque provocado pela pandemia no ano passado.
É o que dizem sete presidentes e executivos de empresas de diferentes setores ouvidos pelo Jornal Povo sobre suas expectativas para o ano.
Os dirigentes empresariais cobram do governo um plano para enfrentar o déficit fiscal e conter a dívida, agravados pelos gastos emergenciais no enfrentamento da pandemia, e reposicionar as contas públicas em uma trajetória sustentável.
Estimativas apontam queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 de mais de 4%. Embora tenha saído da recessão técnica com o avanço de 7,7% no terceiro trimestre ante o anterior, a economia brasileira ainda não recuperou tudo o que perdeu para a Covid-19, sem falar no valor incalculável de quase 200 mil vidas.
Para os líderes corporativos, só um horizonte mais nítido em relação à estratégia econômica da segunda metade do governo de Jair Bolsonaro pode reduzir a incerteza que trava investimentos e a atração de capital estrangeiro, dificultando a geração de postos de trabalho.
A adoção de medidas pelo governo para incentivar geração de emprego e renda é outra preocupação na cúpula das empresas. É difícil fazer a economia decolar com uma taxa de desemprego que supera 14%, avaliam os executivos.
Atentos às oportunidades abertas pela digitalização da economia, os executivos também cobram ações do governo e do Congresso para estimular negócios baseados em inovação.
Pablo Fava, presidente da Siemens
Pablo Fava, presidente do conglomerado industrial Siemens no Brasil, avalia que a agenda de concessões e privatizações é essencial para que o país consiga crescer nos próximos anos enquanto a vacina para combater a Covid-19 não chega à maior parte da população. Ele vê no saneamento básico, que teve um novo marco regulatório aprovado no Congresso em 2020, um potencial de investimentos.
O executivo diz que investimentos privados são fundamentais para a economia, mas só ganharão impulso com reformas.
— A tributária e a administrativa têm que acontecer em 2021. Há muitos desafios para a economia brasileira, como manter os juros baixos para estimular investimentos. O desafio é manter estímulos de alguma forma. Ainda estamos precisando de muito emprego.
Camila Farani, presidente da G2 Capital
Sócia e fundadora da G2 Capital, uma butique de investimentos com mais de 40 start-ups em seu portfólio, Camila Farani acredita que a recuperação da economia seguirá lenta no primeiro semestre deste ano até que o governo consiga implementar um plano de vacinação capaz de dar maior segurança ao ambiente de negócios.
Ela observa ainda que, com o fim do auxílio emergencial, o consumo será prejudicado, aumentando o desafio das empresas, principalmente as pequenas, segmento que mais gera emprego no país.
Por outro lado, a investidora-anjo diz que as oportunidades criadas pela digitalização da economia acelerada pela pandemia seguirão em 2021 para as start-ups, que cresceram no ano passado.
Para ela, o Congresso pode dar um empurrãozinho com segurança jurídica e incentivos a investimentos em negócios baseados em inovação e a geração de empregos nessa área:
— Em 2020, vimos um avanço muito importante com a aprovação na Câmara do marco legal das start-ups, mas que ainda tem diversos pontos a serem ajustados quando esse texto for para o Senado este ano para que exista realmente impacto significativo no setor de inovação.
A empresária se queixa da falta de incentivos tributários aos investimentos em inovação:
— Tenho um certo desconforto, como investidora, que nossos investimentos em áreas que elevam o Brasil a níveis de competitividade mundial, é de se esperar que tenhamos os mesmos benefícios que letras de crédito para o agronegócio ou o setor imobiliário.
Maurício Bähr, presidente da Engie Brasil
Maurício Bähr, presidente da Engie Brasil, maior empresa privada de energia em atuação no país, espera mudanças regulatórias no setor de gás natural e projetos de modernização do setor elétrico. Investimentos privados em infraestrutura só virão com avanços do Legislativo e do Executivo na atualização de arcabouços regulatórios, avalia.
O executivo diz que o governo precisa prosseguir com as privatizações e buscar o equilíbrio fiscal, mas ressalta a importância das reformas na agenda econômica de 2021, particularmente a do complexo sistema de impostos.
— A simplificação tributária certamente tornará o país mais atrativo e competitivo para novos investimentos — diz Bähr. — Acreditamos na retomada da economia após a contração prevista para 2020.
Marco Silva, presidente da Nissan do Brasil
Uma estratégia de desenvolvimento e as reformas administrativa e tributária são essenciais para alavancar os investimentos no país e permitir o crescimento da economia após as perdas provocadas pela pandemia, avalia o presidente da Nissan do Brasil, Marco Silva.
Para isso, ele acredita que é essencial que Executivo e Legislativo desenvolvam uma agenda positiva neste ano:
— Tivemos um tombo do PIB muito grande. Claro que parte volta em 2021, mas a intensidade da volta vai depender de alguns fatores, como a definição do teto de gastos e a condução de uma reforma administrativa.
O executivo lembra que a aprovação da reforma da Previdência, em 2019, foi um primeiro passo na direção do equilíbrio das contas públicas.
Agora, diz, é preciso retomar a revisão dos gastos para fazer sobrar recursos no Orçamento para investimentos públicos. As parcerias com a iniciativa privada vão depender do cronograma de reformas.
Silva acredita que o mercado de automóveis no Brasil só vai atingir o nível pré-pandemia, de 2,6 milhões de unidades vendidas em 2019, entre 2022 e 2023. Para ele, o governo precisa de uma estratégia de geração de empregos para o pós-pandemia:
— As pessoas mudaram sua forma de consumo. Mesmo com a vacina e a retomada do convívio social, há empregos que não voltam mais. A internet e a digitalização mudaram a forma de trabalho. No nosso caso, muitos vendedores vão ter que voltar com conhecimento digital e de como fazer conexão com as pessoas de uma nova forma. Não será o contato como antes, cara a a cara. Essa relação mudou. Por isso, estamos investindo em capacitação.
Chieko Aaoki, presidente da Blue Tree Hotels
A pandemia teve o impacto de um meteoro no setor de turismo. É o que descreve Chieko Aoki, presidente da Blue Tree Hotels,com 23 empreendimentos em 17 cidades. A ocupação dos hotéis que ela administra chegaram a ficar entre 5% e 10% no auge da quarentena.
— Parecia que eu tinha mudado de planeta.
A recuperação tem sido gradual e, para que seja completa em 2021 não só no turismo, vai pesar a capacidade do governo de acelerar a vacinação, diz a executiva. Ela vê reformas estruturais como necessárias para atrair investidores estrangeiros e fortalecer pequenas e médias empresas, que empregam muito.
— O governo precisa fazer a economia girar para que as empresas possam investir e contratar. A vacina vai colocar as pessoas na rua de novo. É o grande desafio agora.
Marco Stefanini, presidente do Grupo Stefanini
Marco Stefanini, fundador da multinacional brasileira de tecnologia Stefanini, sente falta de estímulos ao emprego no debate da reforma tributária, já que encargos trabalhistas ainda dificultam novas vagas mesmo no setor de serviços, intensivo em mão de obra.
— Que Executivo e o Congresso tenham sensibilidade para incluir na reforma medidas que contemplem incentivo ao emprego. Não vejo isso nas propostas. Há medidas importantes para alguns setores, mas é preciso foco também no emprego — diz o empresário.
Ele avalia que pelo menos metade de 2021 ainda será impactada pela pandemia. Ele defende a retomada das privatizações e a reforma administrativa, como forma de aliviar o quadro fiscal, em vez de aumentar impostos:
— É preciso avançar na redução do Estado.
Giovanni Cardoso, presidente da Mondial
O presidente e fundador da Mondial, Giovanni Marins Cardoso, avalia que a vacinação em massa trará de volta a confiança das pessoas, o que será positivo para a economia, mas acredita que só uma sinalização do governo sobre o controle das contas públicas pavimenta um caminho de maior estabilidade para o futuro.
Para ele, todas as reformas estruturais que o país precisa (tributária, administrativa e política) são importantes para tornar o horizonte de investimento mais claro.
— O governo tem um determinado espaço político que dificilmente permirá que todas as reformas sejam feitas ao mesmo tempo. Mas é preciso ir fazendo uma coisa depois da outra. Ainda temos dois anos, e o importante é começar. Com a casa sendo arrumada, há mais segurança para investir — diz o empresário.
Na Mondial, maior fabricante brasileira de eletrodomésticos portáteis, o ano termina com ampliação da fatia de mercado da empresa: de 33% de participação em 2019 para 36% este ano.
— As pessoas se voltaram mais para o conforto da casa durante a pandemia. Compraram eletroportáteis para cozinhar, fazer o cabelo, limpar a casa. Criaram novos hábitos e perceberam que podem economizar. Tudo isso deve continuar em 2021, e estou otimista com a economia — diz Marins.
A Mondial vai ampliar a produção e entrar no mercado de tevês, microondas e ar condicionado em 2021 a partir da recente aquisição da fábrica da Sony em Manaus para ampliar a produção na Zona Franca.
— Com a compra da nova fábrica, vamos antecipar nossos planos para os próximos três anos em seis meses. Vamos contratar mais 200 pessoas em janeiro — diz Marins.
Fonte: O Globo