Jornal Povo

‘Virou moda atropelar, matar, fugir e dizer que estava com medo de ser linchado’, diz delegado

“Virou moda atropelar, matar, fugir e dizer que estava com medo de ser linchado”. Foi assim que o delegado Alan Luxardo, titular da 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes), se referiu à alegação dada pelo capitão do Corpo de Bombeiros João Maurício Correia Passos, de 36 anos, para não prestar socorro ao ciclista Cláudio Leite da Silva, de 57, ontem de madrugada, na Avenida Lúcio Costa, na altura do Posto 10. A justificativa foi a mesma usada pelo ex-jogador do Botafogo Márcio Almeida de Oliveira, o Marcinho, que, no último dia 30, provocou um acidente na mesma via, levando um casal de professores à morte. Nos dois casos, um outro fato em comum: imagens de câmeras de segurança não mostram ninguém se aproximando dos motoristas, que sequer pararam. Para a polícia, está claro que ambos mentiram ao falar que temiam agressões.

João Maurício, de acordo com investigadores, sequer estava em condições de falar algo no momento em que atropelou Cláudio, um taxista aposentado que, ao longo de 12 anos, fez do ciclismo um hobby diário. O acidente aconteceu às 5h40, pouco depois de o bombeiro deixar uma loja de conveniência. Em imagens gravadas com um celular e já entregues à polícia, ele aparece dançando e cambaleando no estabelecimento, ao mesmo tempo em que segurava uma garrafa de uísque, uma de vodca e um copo. O capitão, que estava sem camisa e de bermuda, escutava um rap ao lado de seu Hyundai HB20. Segundo uma testemunha, após beber bastante, ele deixou o local “cantando pneu”.

O que houve em seguida foi um acidente tão brutal quanto difícil de entender. Vídeos de câmeras de segurança mostram Cláudio pedalando por uma pista completamente vazia, até que o carro de João Maurício aparece. Mesmo em alta velocidade, o bombeiro poderia trocar de faixa, mas não o fez. Atingiu em cheio o ciclista, que foi jogado ao ar. O atropelador dirigiu por mais 300 metros até bater no meio-fio da Lúcio Costa. Ele saiu do veículo cambaleando, contou uma testemunha:

— Um mototaxista chegou perto dele e gritou “você matou o ciclista!”. Quando o motorista ouviu, começou a fugir, a pé.

No carro abandonado, com IPVA vencido desde 2018, policiais encontraram uma garrafa de uísque vazia e um envelope. Dentro, havia um documento que permitiu identificar rapidamente o dono do veículo. Era uma intimação: João Maurício tinha sido preso na semana passada por agredir a mulher, que tem deficiência física. Ele foi submetido a uma audiência de custódia e liberado. Ontem, acabou sendo encontrado duas horas após o acidente, quando saía da casa de um amigo.

A mulher de João Maurício afirmou à polícia ter ficado paraplégica depois de um acidente de trânsito causado pelo marido. Segundo ela, na ocasião, o capitão do Corpo de Bombeiros estava alcoolizado. O casal tem dois filhos.

Em depoimento na última terça-feira, ao qual a GloboNews teve acesso, a mulher afirmou que era espancada frequentemente. Ela contou que naquele dia, pela manhã, o marido chegou bêbado em casa e começou a agredi-la verbalmente.

A mulher afirmou que o oficial disse que queria “arranjar uma mulher de verdade” e que ela não lhe servia, porque usa uma cadeira de rodas. Ela acrescentou que o bombeiro a xingou, além de ter afirmado que a vítima precisava morrer.

Ainda de acordo com a mulher, João Maurício tentou estrangulá-la quando soube que ela havia ligado para a polícia. A mulher disse que só não foi morta porque PMs chegaram a tempo de salvá-la.

O bombeiro foi preso em flagrante por agressão doméstica. No dia seguinte, deixou a cadeia, após passar por uma audiência de custódia na qual foram determinadas algumas medidas protetivas, como a proibição de se aproximar da mulher.

O delegado Alan Luxardo informou que, apesar de ter sido filmado com sinais de embriaguez, segurando garrafas de uísque e vodca, João Maurício alegou, em depoimento, que havia parado na loja de conveniência apenas para comprar uma bebida energética. Ele vai aguardar o resultado de um exame de alcoolemia do bombeiro para definir quais serão todos os crimes pelos quais o atropelador vai responder.