RIO – A saída da Ford do Brasil, anunciada na última semana, é mais um golpe na indústria brasileira. A sangria não é de hoje. Desde 2018, ao menos 15 multinacionais de vários setores deixaram o país, num movimento que é mais dramático no setor industrial, com fechamento de fábricas e empregos. A crise gerada pela pandemia numa economia já estagnada e a baixa competitividade do país afastam investimento estrangeiro e aceleram a desindustrialização prematura do Brasil, sem desenvolver um setor de serviços capaz de manter crescimento da produtividade e da renda.
Entre 2000 e 2019, a participação da indústria de transformação (que exclui petróleo e minério) no Produto Interno Bruto (PIB) encolheu, passando de 13,1% para 10,1%. Com a pandemia, ficou abaixo dos 10% pela primeira vez entre janeiro e julho de 2020. É a menor participação do setor desde 1947, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
— Nosso processo de desindustrialização tem muito pouco a ver com o que outros países passaram. Aqui, foi muito rápido, agudo e prematuro. Os países, em sua maior parte, só começam a passar por isso depois de se tornarem ricos. No Brasil, aconteceu bem antes. Enquanto outros avançavam para ramos de maior sofisticação tecnológica, estávamos às voltas com a crise da dívida dos anos 1980, a hiperinflação — diz Rafael Cagnin, economista do Iedi.
Indústria ficou menor antes de renda aumentar
Segundo estudo do Iedi, enquanto a participação do setor na economia mundial caiu em um terço entre 1970 e 2017, no Brasil recuou à metade. Entre 30 países, só Argentina, Filipinas, Rússia e Brasil começaram a ver a indústria perder espaço quando a renda per capita ainda era inferior a US$ 20 mil, o que é considerado um nível baixo pelo estudo.
— O Brasil é um ponto fora da curva no panorama internacional. Os ramos de maior sofisticação tecnológica, como microeletrônico e TI, que são a base da indústria 4.0, continuam ganhando participação no mundo. O Brasil não conseguiu formar as competências na magnitude necessária para arrefecer essa desindustrialização — diz Cagnin.
João Carlos Ferraz, professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex-diretor do BNDES, vê setores que avançaram, como o da agroindústria, no qual o país é mais competitivo, mas há outros que estão mal:
— Andamos, mas não andamos. Em termos relativos, não andamos nem o suficiente para ficar na média internacional. A Ford não é um caso isolado. Sempre nos gabamos, durante anos, de sermos um dos três maiores receptores de investimento estrangeiro direto, mas já caímos na liga. Havia um movimento de vinda de centros de pesquisas para cá, de IBM, GM, L’Oréal, que diminuiu o gás fortemente. Preocupa muito esse refluxo.
Ferraz observa uma rigidez no investimento das empresas em pesquisa e desenvolvimento, que não passa de 0,7% da receita “há anos”.
O fechamento das fábricas da Ford pode não ser o último no setor automotivo, diz Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultores. Além de movimentos globais de fusões no setor se refletirem aqui, as montadoras ainda tentam se recuperar da última crise. Nas contas da LCA, a produção de carros no país só retomará os níveis de 2019 em 2022. Voltar aos 3,5 milhões de 2013, marca mais alta das montadoras, talvez só na próxima década, estima Nishida.
O Brasil tem capacidade para produzir 5 milhões de automóveis por ano, graças a incentivos fiscais e crédito. Foram produzidos pouco mais de 2 milhões em 2020, e o país não é competitivo para exportar. As dificuldades das montadoras têm impacto em uma longa cadeia de indústrias no país e muitos empregos.
— O setor é um dos maiores multiplicadores de produção — diz Nishida.
Agro é a nova chance
Para Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral, as empresas percebem que ficou caro produzir aqui. Mas diz que o agronegócio pode levar o país a se reindustrializar:
— Vamos virar um país agroindustrial. Deixar de exportar commodities agrícolas para vender produto industrializado, com maior valor agregado.
Na opinião de Cagnin, reverter o quadro de desindustrialização passa por dois pontos: reforma tributária e inovação. A conjuntura não ajuda. A indústria, mesmo com a recuperação recente, ainda produz 14% abaixo do nível de 2014.
— Não há mais programa emergencial, o número de casos de Covid continua acelerando, há dúvida sobre a celeridade da vacinação e a agenda de reformas, que ninguém sabe para onde vai nem em que velocidade — diz. — Além disso, há entraves estruturais, como o nó tributário e a agenda de inovação. Nos últimos três, quatro anos, houve redução sistemática do orçamento público e privado para inovação.(Colaborou Ivan Martínez-Vargas).
Fonte: O Globo