Responsável por conduzir investigações da Polícia Federal (PF) sobre a facada em Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2018, o delegado Rodrigo Morais procurou o Tribunal de Justiça (TJ) de Minas Gerais, através de seus advogados, para distribuir 15 ações judiciais contra os deputados federais Alexandre Frota (PSDB-SP) e Carla Zambelli (PSL-SP); o advogado Frederick Wassef, que defendia a família do presidente Jair Bolsonaro, e influenciadores bolsonaristas com atuação expressiva nas redes sociais. Os casos são relativos a possíveis danos morais e tramitam na Justiça comum e em juizados especiais (de “pequenas causas”). Eles foram iniciados em períodos diferentes, a partir de 2019.
Morais afirma nos processos que foi prejudicado pela veiculação de informações falsas a seu respeito na televisão, no rádio e, sobretudo, na internet. As figuras públicas acionadas judicialmente teriam produzido ou replicado conteúdos que associavam o delegado ao PT, partindo da premissa de que ele trabalhou em um cargo de terceiro escalão do governo de Minas durante a gestão do petista Fernando Pimentel e atuou no esquema de segurança de grandes eventos (como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016) durante a presidência de Dilma Rousseff. Os advogados de Morais afirmam que ele não conhece Pimentel e Dilma e apenas ocupou cargos técnicos em ambas as situações.
Sob a pecha de “delegado petista”, Morais liderou o trabalho de agentes da PF em Juiz de Fora no dia 6 de setembro de 2018, quando Bolsonaro foi esfaqueado no abdômen pelo ex-garçom Adélio Bispo de Oliveira. O crime ocorreu durante um evento da campanha. Após acompanhar a ocorrência no interior de Minas, coube ao delegado comandar os dois inquéritos que apuraram, nos meses seguintes, as circunstâncias do crime. Ao fim dos trabalhos, Morais e a equipe concluíram que Adélio não teve a ajuda de terceiros para a executar o atentado, em um crime sem mandantes. Adélio permanece internado em um hospital psiquiátrico em Barbacena (MG) e, diagnosticado com transtorno delirante persistente, foi declarado inimputável pela Justiça.
Ameaças por telefone
As conclusões de Morais contrariaram as expectativas de apoiadores de Bolsonaro que esperavam descobrir, junto à PF, o suposto mandante do ataque contra o então candidato. O descontentamento deu origem a teorias da conspiração que sugeriam falhas propositais na condução do caso por parte do delegado, supostamente ligado ao PT, partido de oposição ao presidente. A defesa de Morais diz que, por causa dessas teorias, ele passou a ser “constrangido em seu próprio ambiente de trabalho, com ameaças de morte e xingamentos feitos por meio de telefonemas ao seu gabinete na PF”. A crise de imagem envolveu até mesmo uma crítica de Bolsonaro, que, em uma entrevista, sugeriu uma tentativa de “abafar o caso” por parte do delegado.
O advogado Frederick Wassef verbalizou o sentimento dos bolsonaristas sobre Morais em um programa da TV Band, em maio do ano passado. No ar, leu uma matéria jornalística sobre os cargos ocupados por Morais, questionou a condução do inquérito e pediu a federalização do caso. O vídeo da participação dele na atração foi publicado na internet por Carla Zambelli, em publicações no Facebook e no Instagram, somando mais de 66 mil visualizações e 37 mil compartilhamentos. Ambos são processados pelo episódio, mas ainda não foram devidamente intimados. Procurados, Wassef não se manifestou sobre o caso, e Zambelli informou, através de sua assessoria, que ainda não tomou conhecimento do processo através da Justiça e, portanto, não se pronunciaria.
A equipe do escritório Porto, Miranda, Rocha & Advogados, responsável pela defesa de Morais, pede as condenações por danos morais tenham valores decididos pela Justiça e solicita a remoção desses conteúdos veiculados na internet. O mesmo ocorre em relação a Alexandre Frota, que rompeu com Bolsonaro há quase dois anos, e antes disso utilizou o Twitter para publicar sobre Morais. Ele informou ao GLOBO que tomou ciência do caso apenas pela imprensa, mas desconhece os detalhes e não tem declarações a fazer. O TJ de Minas tenta intimá-lo, sem sucesso, há mais de um ano.
O advogado Danilo Miranda, que representa Morais, diz estar confiante que os processos movidos provam a existência de agressões associadas a “informações descoladas da realidade”:
— No entendimento dele (Morais), as críticas a ele e sua forma de trabalhar deveriam ficar fora dos processos, pois são naturais ,e ele as aceitava de pronto. Fizemos um responsável trabalho de separação do que era crítica, exercício da liberdade de expressão, do que era ofensa. Isso fez com que não houvesse ações aventureiras — afirma o defensor.
Youtuber também processado
Além dos parlamentares e de Wassef, o youtuber Ed Raposo também está sendo processado pelo delegado Rodrigo Morais. Com mais de 80 mil inscritos em seu canal do YouTube, ele acumula mais de 7,9 milhões de visualizações e se define como “um grande admirador de Jair Bolsonaro, que tem como objetivo primário combater a desinformação, as mentiras e as distorções propagadas insistentemente pela grande mídia e pelos detratores do presidente”.
Raposo divulgou, em 12 de maio do ano passado, um vídeo intitulado “Delegado petista do caso Adélio: Ministério Público vai investigar”. A publicação alcançou mais de 50 mil visualizações e foi feita no dia seguinte à participação de Wassef na programação da Band. O youtuber também fez referência à suposta ligação de Morais com Pimentel e Dilma. No processo, constam falas em que ele declara que o delegado viveu “praticamente um caso de amor” com os políticos petistas e questiona: “Como a gente pode provar que houve omissão, que ele, de fato, sentou no caso, que ele não cumpriu o papel de investigar o caso Adélio Bispo?”.
Procurada pelo GLOBO, a defesa de Ed Raposo lembrou que o processo movido por Morais ainda está em seu início, afirmou que as afirmações do cliente são fruto da livre manifestação de pensamento e que ele espera que a Justiça julgue improcedentes os pedidos do delegado. Além de Morais, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e o youtuber Lucas Netto também movem processos contra Raposo. O mesmo fez o ex-deputado federal Jean Wyllys, que foi associado a Adélio Bispo em um vídeo publicado no canal do youtuber. A ligação sugerida foi considerada inverídica pelo Judiciário em uma série de ações movidas por Wyllys, que seguem tramitando. Em dezembro, Raposo foi condenado em R$ 41,8 mil pelo TJ do Rio, mas ainda pode recorrer da decisão favorável ao ex-parlamentar.
Das ações movidas por Morais, já houve desfecho favorável ao delegado contra dois veículos de informação: os sites Jornal da Cidade Online, condenado a pagar uma indenização de R$ 15 mil, e Terça Livre, penalizado em R$ 5 mil. Os processos foram endereçados contra as empresas e seus administradores: os jornalistas José Tolentino, no primeiro caso, e Allan dos Santos, no segundo. Santos é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dois inquéritos que investigam ataques a autoridades e a realização de atos antidemocráticos. O GLOBO tentou contato, via e-mail, com os dois portais, mas não obteve resposta sobre os casos.
Apesar das críticas de bolsonaristas a condução dos inquéritos por Morais, o próprio delegado disse, no ao passado, que Bolsonaro pareceu satisfeito com o resultado alcançado nas investigações. A afirmação ocorreu durante um depoimento inserido no inquérito do STF que apura se o presidente interferiu na PF, conforme denunciou Sergio Moro, ex-ministro da Justiça.