Jornal Povo

‘O problema do Flamengo está dentro do Flamengo’, diz Domènec em sua primeira entrevista após a demissão

Dois meses após a saída do Flamengo, o técnico Domènec Torrent falou pela primeira vez da sua experiência no clube, dos problemas políticos internos e da relação com os jogadores. Em entrevista à ‘TV Globo’, o espanhol declarou que nunca se sentiu apoiado pela diretoria e que, muitas vezes, sentiu que havia comemoração interna quando o time perdia.

– Inclusive, muitas vezes eu sentia que, quando perdíamos, alguém lá de dentro ficava feliz, era o que eu sentia. Minha equipe e eu tínhamos essa sensação. Então era muito complicado trabalhar assim – disse Domènec, que recentemente resolveu a questão da multa rescisória com o clube.

Dome comandou o time em 26 partidas e teve um aproveitamento de quase 64%. Apesar disso, as goleadas sofridas para o São Paulo, Atlético-MG foram decisivas para sua demissão, mesmo o time estando nas primeiras colocações do Brasileiro e na disputa da Libertadores e Copa do Brasil. A relação dentro do clube, no entanto, mudou totalmente depois da goleada no Equador para o Independiente del Valle, na Libertadores.

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Domènec Torrent se manifesta em apoio a Gerson Foto: SERGIO MORAES

– O que aconteceu no Equador foi muito forte. Então, a partir dali, eu sabia que a diretoria não confiava mais em mim. Era isso que nós sentíamos, e era verdade. E você não pode fazer nada quando isso acontece, só trabalhar duro e tentar ganhar as partidas, porque, quando você percebe isso, a única coisa que pode te salvar são os resultados, só isso – afirmou o treinador, que só se relacionava com os vices Marcos Braz e Bruno Spindel. – Em três meses, só falei com o presidente uns cinco minutos.

Dome negou qualquer atrito com jogadores e outros funcionários do departamento de futebol. Ainda acrescentou que foi proibido de dar entrevistas fora das coletivas pelo clube. E, por isso, nunca pôde se defender totalmente de informações divulgadas na imprensa sobre o seu trabalho.

O espanhol ainda ressaltou que a sua passagem conturbada pelo clube é um indicativo de que algo está errado internamente no Flamengo. Na sua visão, o rubro-negro deveria ser um time muito mais vencedor por toda a sua história e tamanho da torcida.

– Acho que o problema do Flamengo está dentro do Flamengo. Enquanto eles não esclarecerem as coisas entre si, isso vai continuar com Dome, com Ancelotti, com Klopp, com Pep Guardiola, com quem for. Esse é o grande problema do Flamengo, porque quando vemos um time com 125 anos de história, que tem a maior torcida do mundo, e só ganhou seis Brasileirões, três Copas e duas Libertadores, é porque tem algo acontecendo lá dentro. Foi isso que sentimos desde o primeiro dia, porque sabíamos que muita gente lá dentro não nos queria. Sabíamos. Acho que todo mundo que trabalha no Flamengo sabe o que acontece lá. Há a torcida autêntica e a torcida organizada. Bom, é isso que está acontecendo no Flamengo… – declarou.

Dome relembrou que, ao ser procurado pela diretoria, não houve qualquer conversa a respeito da sua filosofia de trabalho. Ele disse que seu estilo de jogo não foi compreendido internamente e também pela imprensa esportiva:

– Nunca me perguntaram como jogava ou como queria jogar. Não sei se sabiam como eu jogava ou como joguei nas outras equipes… Falavam muito do jogo posicional, mas não fazem ideia do que é o jogo posicional, por exemplo. Há um treinador que está jogando muito bem o jogo posicional há vários anos, o Sampaoli. É espetacular como ele faz o jogo posicional. Acho que ainda não perceberam que ele joga assim. Só para dar um exemplo. Às vezes, tínhamos até vontade de rir. Dizíamos: “Falam por falar.”

Apesar da saída repentina, Dome guarda boas lembranças da maior parte dos funcionários do Flamengo e do Brasil. Não descarta retornar ao país para comandar algum time. O Brasileirão se tornou um desafio para ele.

– A única coisa que quero é estar feliz em algum lugar, que gostem de mim. O Brasileirão é complicado porque têm essa ideia de trocar de treinador a cada três meses. Não sei por que, não entendo. Eu sempre dizia isso às pessoas que trabalhavam no Flamengo e aos brasileiros que conhecia e conversávamos sobre futebol. Acho que o primeiro time no Brasil que tiver uma ideia e coincidir com a do treinador, que gostem, seja lá qual for, vai ser vitorioso, se houver paciência. Mas manter… a constância no Brasileirão é muito difícil – disse o técnico.