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Vacina Sputnik V tem eficácia de 91,6% contra Covid-19, indica estudo

A vacina contra a Covid-19 Sputnik V, desenvolvida pelo laboratório russo Nikolay Gamaleya, atingiu uma eficácia de 91,6% na prevenção da Covid-19 nos testes de fase 3, indica um artigo revisado por pares publicado na prestigiada revista científica Lancet nesta terça-feira. O resultado confirma os resultados preliminares divulgados no fim do ano passado e representam mais uma esperança na superação da pandemia do novo coronavírus.

A vacina é produzida desde o fim de janeiro no Brasil pela farmacêutica União Química, representante do Gamaleya e do Fundo de Investimentos Direto Russo (RDIF) no país, em escala inicial. Um pedido de uso emergencial protocolado pela companhia no dia 16 de janeiro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi negado pela reguladora por não atender pré-requisitos. A regulamentação brasileira prevê que, para liberar o uso extraordinário, é necessário que ensaios clínicos tenham sido conduzidos no Brasil, o que não ocorreu.

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Doses da vacina Sputnik V Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS

A Sputnik V é a quarta vacina contra a Covid-19 a ter resultados de fase 3 publicados em periódicos cientificos com revisão de pares, junto dos imunizantes da Pfizer/BioNTech, Moderna e AstraZeneca/Universidade de Oxford (Reino Unido). Sua eficácia também ficou próxima dos imunizantes das duas primeiras companhias, que atingiram entre 95% e 94% de eficácia, respectivamente.

A vacina russa, baseada na tecnologia de vetor viral a partir de dois adenovírus — patógenos responsáveis por resfriados comuns e inofensivos para os vacinados —, já é adotada por países vizinhos, como Argentina, Bolívia e Paraguai. A publicação na Lancet com revisão de pares também ajuda a superar o ceticismo levantado em torno do imunizante após a decisão da Rússia de registrá-lo antes mesmo do início da última fase dos estudos clínicos, etapa na qual a eficácia e a segurança são atestadas.

Os resultados são baseados em dados de 19.866 voluntários, dos quais 25% pertencentes ao grupo placebo, segundo o artigo da Lancet. Nos testes conduzidos em Moscou, 16 casos sintomáticos foram registrados entre os que receberam a vacina e 62% entre os que receberam doses de placebo.

O estudo incluiu 2.144 voluntários acima de 60 anos. Nessa faixa etária, a eficácia observada foi de 91,8%, sem efeitos adversos expressivos. A Lancet pontua ainda que a Sputnik V foi 100% eficaz na prevenção de casos moderados e graves da Covid-19.

Quatro voluntários faleceram durante os testes clínicos, mas nenhuma das mortes está associada à vacinação, segundo a Lancet.

— A eficácia parece boa, incluindo para aqueles com mais de 60 anos. É ótimo ter outra adição ao arsenal global (de vacinas) — avaliou Danny Altmann, professor de imunologia no Imperial College de Londres.

Segundo Kirill Dmitriev, chefe do RDIF, fundo soberano russo que financiou o desenvolvimento da vacina, o Gamaleya já começou a testar a vacina contra as novas variantes do coronavírus. Os resultados, ainda preliminares, são “positivos”, segundo ele.

A Sputnik V foi projetada para ser administrada por meio de duas inoculações com um intervalo de três semanas. Na primeira dose, é aplicado o composto com o adenovírus de tipo 26, também chamado de Ad26. Na segunda, é a vez do adenovírus de tipo 5.

O Gamaleya sustenta que a combinação dos dois vetores garante uma resposta imunológica mais robusta do que a de outras vacinas baseadas na mesma tecnologia, como a da AstraZeneca, que utiliza um adenovírus de chimpanzé e atingiu uma taxa de eficácia de 70%.

O laboratório russo e a farmacêutica anglo-sueca anunciaram em dezembro que farão testes para combinar as duas fórmulas. A Rússia testa, ainda, uma versão “light” da Sputnik V, que dependeria de apenas uma dose e ofereceria uma eficácia de 73% a 85%. O objetivo é ampliar o contigente de pessoas vacinadas nos países que firmarem acordos com o RDIF. Por enquanto, apenas a vacina da americana Johnson & Johnson foi desenvolvida com base em um regime de dosagem única.

Os autores do estudo reforçaram que, como os casos de Covid-19 só foram detectados entre os voluntários quando sintomas foram reportados, é preciso ampliar os estudos para compreender a eficácia da Sputnik V na prevenção de casos assintomáticos e da própria transmissão da doença.

Em coletiva de imprensa nesta terça-feira, o diretor do Instituto Gamaleya, Alexander Ginsburg, afirmou que a proteção oferecida pela Sputnik V deve durar “não por meses ou um ano, mas por dois anos ou mais”. A duração da imunidade estimulada pelas vacinas é um dos principais pontos de interrogação na campanha global contra a Covid-19, uma vez que o prazo será estipulado pelo aprofundamento dos estudos de imunizantes nos próximos anos.

Na mesma coletiva, Inna Dolzhikova, responsável pela divisão do Gamaleya que projetou a Sputnik V, reforçou que a vacina pode ser mantida em refrigeradores comuns entre 2 e 8ºC. O detalhe favorece a logística de distribuição do fármaco, uma vez que o armazenamento de imunizantes se revelou um desafio logístico no caso de fórmulas como a da Pfizer/BioNTech, que precisa permanecer a -75ºC em freezers especiais.

Problemas de transparência

O artigo publicado na Lancet trouxe ponderações sobre as controvérsias levantadas sobre a Sputnik V, mas saudou os resultados dos ensaios clínicos.

“O desenvolvimento da vacina Sputnik V foi criticado pela sua pressa inadequada, pelas etapas puladas e pela falta de transparência. Mas os resultados apresentados aqui são claros e o princípio cientifico da vacinação está demonstrado. Mais um imunizante pode agora se juntar à luta pela redução da incidência da Covid-19”, escreveram Ian Jones, professor da Universidade de Reading (Reino Unido) e Polly Roy, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, que não tiveram participação no estudo.

A Sputnik V foi apresentada pelo governo da Rússia como a primeira vacina contra a Covid-19, largando à frente na corrida global por um imunizante capaz de frear a pandemia, mas os métodos foram questionados inclusive pela comunidade científica russa. O nome da fórmula remete ao primeiro satélite a orbitar o espaço, lançado pela União Soviética, em uma clara referência à Guerra Fria.

Em dezembro, a vacina começou a ser aplicada em profissionais de saúde, professores e jornalistas. Em janeiro, a Rússia começou a aplicar a vacina em larga escala na população.

— A Rússia estava certa o tempo inteiro — disse Dmitriev, chefe do RDIF, a jornalistas antes da publicação da Lancet.

Para Dmitriev, o artigo sustenta a decisão da Rússia de vacinar profissionais da área médica enquanto os estudos ainda estavam em andamento. Para ele, o ceticismo de parte da comunidade científica tiveram “motivação politica”.

— A Lancet fez um trabalho bastante isento, a despeito das pressões políticas que devem ter ocorrido — disse o chefe do fundo soberano russo.

Negociação com reguladoras

O número de pessoas vacinadas na Rússia, no entanto, continua baixo em comparação com a população do país, de 145,9 milhões de pessoas. Autoridades russas têm atribuído a questão a problemas pontuais na escala de produção da Sputnik V.

Os dados da fase 3, publicados no artigo, já foram compartilhados com reguladoras de diferentes países. O RDIF já iniciou o processo de submissão dos dados à reguladora da União Europeia (UE), a Agência Europeia e Medicamentos (EMA), segundo Dmitriev. A Hungria, que integra o bloco europeu, já aprovou o uso emergencial da vacina à revelia do bloco e deve receber 40 mil doses ainda nesta terça-feira.

A Sputnik V já foi autorizada em 15 países além da Rússia: Bielorrússia, Sérvia, Argentina, Bolívia, Argélia, Palestina, Venezuela, Paraguai, Turcomenistão, Hungria, Emirados Árabes Unidos, Irã, Uruguai, Guiné e Tunísia.

Outras 25 nações devem seguir pelo mesmo caminho até o fim da próxima semana, ainda segundo o RDIF. A aplicação da vacina deve começar em países que já liberaram seu uso, como Bolívia, Venezuela, Irã, Emirados Árabes e a própria Hungria. De acordo com Dmitriev, a vacina já começou a ser fabricada na Índia e na Coreia do Sul e pode ser lançada na China neste mês.

No entanto, apenas a Argentina, que já vacinou meio milhão de pessoas com o imunizante, recebeu um aporte significativo. O país negocia 25 milhões de doses da vacina. Mais de 50 países solicitaram doses da vacina russa, totalizando 1,2 bilhão de frascos encomendados. Segundo o RDIF, 100 milhões de doses serão exportados para a Índia, e 32 milhões para o México.

A Rússia conta com parcerias ao redor do mundo, como a União Química no Brasil e companhias na China e Hungria, para ampliar a produção da Sputnik V.

No Brasil, a União Química formalizou ao RDIF o pedido para 10 milhões de frascos, que seriam entregues entre janeiro e março. No entanto, pela negativa da Anvisa no mês passado, as doses encomendadas agora têm futuro incerto.

Em negociação com o RDIF desde o ano passado, a Bahia concordou em sediar testes clínicos da fase III e planeja a encomenda de 50 milhões de doses da vacina para distribuição no Nordeste.